Biólogo, mestre em Ecologia e agente de fiscalização ambiental do Ibama.
nalinhadefrente@faunanews.com.br
O acidente com a naja em Brasília expôs o perigo e o próprio tráfico de serpentes silvestres, que viceja no Brasil. A importação de répteis está expressamente proibida desde 1998 com a edição da portaria do Ibama nº 93 e, antes, dependia de parecer e licença do antigo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) ou do Instituto de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Portanto, a introdução e a manutenção, sem autorização, de naja no Brasil constituem delito ambiental e se relaciona com o tráfico de animais silvestres. Por ser animal asiático, sua presença em território nacional configura tráfico internacional.
Apenas em cinco dias de ação, após o acidente com a naja, em Brasília foram apreendidos animais oriundos da Ásia, da África e da América do Norte. O fato é de extrema preocupação para a biodiversidade brasileira. Se pensarmos no cenário nacional, Brasília, que está inserida no bioma Cerrado, foram apreendidas serpentes da Mata Atlântica, da Caatinga e da Amazônia. Embora o tráfico internacional seja preocupante, a possibilidade de reprodução de espécies exóticas no Brasil, como corn snake, entre outras, multiplica o risco, já que significa uma fonte doméstica de contaminação.
A bioinvasão é um dos principais fatores de declínio da biodiversidade, basicamente perdendo apenas para a destruição de habitat. Um dos exemplos clássicos é a invasão da ilha de Guam pela Boiga irregulares. A ilha de Guam é um dos territórios dos Estados Unidos da América e está localizada na micronésia no oceano Pacífico. Boiga irregulares é uma espécie de serpente que não ocorria na ilha e, quando foi introduzida no local, sozinha devastou populações de pássaros endêmicos, ou seja, que apenas existiam ali.
Esse é um exemplo dos problemas ambientais oriundos de espécies exóticas (não nativas de um lugar) quando soltas em um novo ambiente.
Em 2003, o Ibama foi pressionado para ceder a interesses de setores que queriam importar, reproduzir e vender pítons no Brasil. Argumentavam que o Brasil perdia um promissor negócio ao qual os estadunidenses abraçaram e que a restrição era inapropriada e contrária aos interesses econômicos nacionais. A verdade é que a venda de animais silvestres possui representatividade mínima em setor dominado por gatos e cães. Ademais, hoje, a Flórida sofre com a bioinvasão de pítons, que representam um risco às espécies nativas dos everglades. Afinal, a postura conservacionista do Brasil estava correta.
Mas o tráfico de serpentes não coloca em risco apenas a biodiversidade nacional. As najas são elapídeos, a mesma família das cobras-corais brasileiras e, como estas, são serpentes extremamente peçonhentas. A manutenção de serpentes peçonhentas em ambiente doméstico é proibida no Brasil. Usualmente as pessoas não estão preparadas para lidar com os animais que poderão fugir e causar acidentes.
No fato em questão, houve uma característica extra: a manipulação livre. A atividade consiste em manipular o animal com mãos livres e sem contenção. Ou seja, a pessoa se sujeita ao temperamento do animal naquele momento, podendo ser ou não picada. A ação já é insensata com serpentes nacionais que, em caso de acidente, existe soro na rede hospitalar. Realizá-lo com serpentes exóticas para as quais não se possui soro é brincar perigosamente com a vida.
O tráfico de animais silvestres sempre sacrificou a vida de animais, o que, por si, deveria inibir a participação de estudantes de Medicina Veterinária, Biologia e outros cursos afins na atividade. Afinal, espera-se que essas pessoas gostem de animais e adotem uma conduta ética e responsável frente a eles. O caso da naja desnudou que o tráfico de animais silvestres pode, também, resultar em trágicas consequências para quem o realiza. Como são estudantes, esperamos que todos tenham aprendido a lição.
O texto reflete posição pessoal e não, necessariamente, institucional.
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