Na “raia” da conservação: a união de pesquisadores e pescadores pelas raias

A raia-viola-de-focinho-curto (Zapteryx brevirostris) também é conhecida por outros nomes no Paraná, como raia-gardino, raia-machete ou raia-tuiuiú. Essa espécie bentônica (que vive dentro ou sobre o substrato do fundo do mar) é pequena, podendo chegar até 66 centímetos de comprimento. Ela faz parte da ordem Rhinopristiformes, que agrega raias com formato corporal de viola e sem ferrão em sua cauda.

A Zapteryx brevirostris ocorre desde o Espírito Santo, no Brasil, até Buenos Aires, na Argentina. Ao se enterrar ou buscar alimento no fundo, essa raia movimenta partículas do substrato marinho, ajudando a circular nutrientes e pequenos organismos no ambiente, sendo assim, são espécies de suma importância para a saúde e equilíbrio dos ecossistemas marinhos.

As raias-gardino são frequentemente capturadas incidentalmente durante a pesca do linguado no litoral paranaense, especialmente entre os meses de julho e setembro. Esse tipo de pesca não tem o objetivo de capturar diretamente as raias, mas como elas habitam o fundo do mar juntamente com o linguado, elas acabam sendo capturadas como fauna acompanhante. Considerando que, no mundo, a raia-gardino é categorizada como “em perigo” de extinção e no Brasil ela como “vulnerável”, é de suma importância realizar ações que busquem pela conservação da espécie.

Esforços para conservação da raia-gardino

Nessa busca pela conservação das raias-gardino, a boa notícia é que, há mais de uma década, pescadores e pesquisadores vêm trabalhando juntos para proteger a espécie. Há 12 anos, a pesquisadora Natascha Wosnick iniciou o programa de soltura compensatória de raias-gardino junto aos pescadores artesanais de Matinhos e Shangrila (Pontal do Paraná). Nesse programa, as raias desembarcadas com vida são devolvidas ao mar, com o objetivo de conservar a população dessa espécie que ocorre em águas paranaenses.

Um fator crucial para o sucesso da iniciativa é a resiliência da espécie em relação ao estresse que a captura e o manuseio causam aos indivíduos. A maioria das espécies de tubarões e raias é sensível ao processo de captura e manuseio, com muitos desses animais não sobrevivendo depois de serem pescados. No entanto, a raia-gardino é uma verdadeira exceção a essa regra. Esse animal é tão forte e resistente que, mesmo após o estresse da captura, consegue se recuperar rapidamente. Sua robustez impressionante faz com que tenha uma taxa de mortalidade baixa quando é devolvida ao mar, mostrando uma incrível capacidade de adaptação e sobrevivência.

Os pesquisadores do Rebimar avaliaram os impactos do estresse da pesca na recuperação dessas raias. Em um artigo publicado em 2024 na revista Animal Conservation, a equipe divulgou a investigação se o protocolo de reabilitação implementado é eficiente. Esse protocolo consiste em, após o desembarque em que os animais sofreram com o estresse de captura, mantê-los em recintos estáveis por três dias. Durante esse período, as raias e a qualidade da água são monitorados constantemente. Por fim, após os três dias de monitoramento, elas são devolvidas ao mar.

Buscando ver o quão estressados os animais estavam antes e depois do monitoramento, os pesquisadores coletam uma amostra de sangue deles antes de serem colocados nos recintos e outra após os três dias de monitoramento (antes do retorno ao mar). A realização de análises de marcadores fisiológicos no sangue dos animais permitiu aos pesquisadores concluíram que o monitoramento é um sucesso!

Os animais que passam por esse protocolo de reabilitação são capazes de reverter todos os efeitos fisiológicos do estresse e estão 100% habilitados para voltar ao mar. Assim, há a garantia de que eles estão sendo devolvidos à água de maneira saudável, minimizando os danos causados pela captura incidental.

Considerando a comprovação do protocolo de reabilitação das raias-gardino, a equipe de raias e tubarões do programa Rebimar segue há três anos realizando reabilitação e soltura de raias em conjunto com a comunidade pesqueira. Esse esforço colaborativo já devolveu mais de 3.500 raias ao mar!

A parceria entre Ciência e comunidades pesqueiras é um caminho promissor para a conservação. A luta para proteger essas espécies é desafiadora, mas o trabalho conjunto tem mostrado que é possível garantir um futuro para a biodiversidade marinha. Ademais, a inclusão de membros da comunidade pesqueira é super importante, pois muitas vezes eles são apontados como “vilões” – o que é extremamente incorreto.

A conservação só será atingida se a sociedade mudar os padrões de julgamentos e atitudes. O programa Rebimar está aqui para comprovar que os pescadores são atores fundamentais para a conservação das espécies, não só de raias-gardino, como de todas as espécies marinhas.

Participação da sociedade na conservação

Outro aspecto fundamental na conservação da natureza é envolver a sociedade de forma ampla em ações diretamente voltadas à conservação do meio ambiente. Pensando nisso, a equipe do programa Rebimar promove a participação ativa de turistas e moradores locais nas solturas das raias-gardino. Ao incluir a comunidade nessas atividades, o programa busca não apenas sensibilizar o público sobre a importância da conservação, mas também criar uma conexão direta entre as pessoas e os esforços de proteção ambiental, tornando cada soltura uma experiência educativa e transformadora.

É importante lembrar que as raias-gardino não possuem ferrão e não oferecem nenhum risco para os seres humanos, sendo assim, até mesmo crianças podem participar e devolver as raias para o mar. Durante essas atividades, os membros da equipe do Rebimar ensinam a maneira correta de segurar e soltar os animais, além de realizar uma breve explicação sobre a importância e as características desses peixes.

Esse momento educativo também abre espaço para que as pessoas façam perguntas e descubram curiosidades sobre esses animais fascinantes. A integração entre pesquisadores, pescadores e comunidade em geral tem se mostrado uma ferramenta valiosa para a conservação, apresentando ótimos resultados ao longo desses últimos anos.

A partir do momento em que todos reconhecerem que nós, seres humanos, fazemos parte do meio ambiente e nossas atitudes refletem na conservação das espécies, atingiremos um senso de responsabilidade que irá auxiliar na proteção da biodiversidade.

É importante lembrar que o manuseio e soltura dos animais é sempre feito com a supervisão e auxílio de profissionais treinados e experientes. Jamais manuseie um animal selvagem sem orientação adequada.

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