Por Roberto Cabral Borges
Biólogo, mestre em Ecologia e Analista e Agente Ambiental do Ibama
nalinhadefrente@faunanews.com.br
Ao chegar a Gaborone, em Botsuana, África, ainda no aeroporto, o viajante se depara com um elefante feito de presas de marfim. É uma lembrança fúnebre de que objetos de marfim resultam da morte dos elefantes. Uma placa do governo avisa sobre a caça ilegal e suas consequências.
Na África e na Ásia, o tráfico de partes de animais, seus pedaços, é reconhecida como grande ameaça à fauna. No Brasil, esse tipo de tráfico é menosprezado. Mas isso não significa que não ocorra ou que suas consequências sejam desprezíveis.
A Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98), em seu artigo 29, criminaliza a venda, exposição à venda, depósito ou a guarda de produtos e objetos oriundos da fauna silvestre nativa, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente. Dessa forma, existe a previsão legal para uma importante proteção à biodiversidade brasileira.
Usualmente, as pessoas se sensibilizam e fazem a devida conexão entre peles expostas à venda e a morte do animal. Porém, quando se trata de penas, essa conexão não é tão óbvia e, de forma contraditória, se observa pessoas com profundo sentimento ecológico adquirindo cocares e usando brincos confeccionados com penas de araras e papagaios, principalmente. Normalmente, os indígenas são os comerciantes dos cocares ou das penas usadas por ambulantes na confecção de brincos. A legislação brasileira garante a eles o uso, mas não a comercialização, seja de cocares prontos ou de penas para sua confecção.
A situação fica mais crítica ao se analisar um cocar sob o aspecto zoológico. As penas das aves não são iguais entre si e, nas asas, se destacam as remiges primárias e as secundárias. No corpo do cocar se usa basicamente as remiges secundárias, que são mais semelhantes entre si. Mas mesmo as remiges secundárias guardam certa diferença. Portanto, para que exista uma uniformidade estética, um cocar é feito de um ou apenas poucos tipos de remiges secundárias. Assim, muitas vezes, um papagaio ou arara “contribuirá” com apenas quatro a seis penas para a produção de cada cocar. Como resultado, para a produção de um único cocar, muitos papagaios ou araras são mortos.
“Mas o índio ou ambulante me garantiu que pegou as penas no chão”, argumentam algumas pessoas. Realmente, esta é uma mentira contada que, sem uma análise, até pareceria plausível. Mas, se questione: você já andou na mata? Sim? E quantas penas de arara ou papagaios já encontrou? A resposta é: nenhuma ou poucas. Essa é a primeira incongruência da mentira que contam.
A segunda é o fato de que os cocares e brincos precisam de penas bonitas e vistosas, mas as penas que caem naturalmente já estão velhas e gastas. Assim, ao comprar um cocar ou brinco de penas, a pessoa está contribuindo e participando da morte de araras e de papagaios que poderiam estar vivos e voando.
As penas não são as únicas partes de animais comercializadas. Esqueletos de estrelas-do-mar, dentes, peles de serpentes e asas de borboletas são exemplos de pedaços de animais que sofrem pressão dos caçadores e traficantes.
O mais interessante, no entanto, é que após operações e ações de fiscalização do Ibama, os comerciantes encontraram alternativas. Decalques substituíram borboletas reais nos quadros, estrelas-do-mar foram esculpidas em resina e os cocares ganharam versões com penas de animais domésticos ou ainda, melhor, no aeroporto de Congonhas em São Paulo, pode-se encontrar cocares coloridos feitos de linha. Portanto, existe alternativa à futilidade e à insensibilidade. Basta um pouco de fiscalização e conscientização dos consumidores.
Só há quem venda porque há quem compre.
Espero que, doravante, você seja um dos consumidores que não troque morte por enfeite. Afinal, quanto custa sua vaidade?