Por Kamila Bandeira
Bióloga com mestrado em Zoologia pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É doutoranda no mesmo programa, além de pesquisadora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Suas pesquisas estão focadas em Paleontologia de vertebrados
tuneldotempo@faunanews.com.br
Os municípios gaúchos de Santa Maria, Candelária, São João do Polêsini, Agudo, e Faxinal do Soturno são amplamente conhecidos pela sua fauna de vertebrados fósseis, especialmente por conter os mais antigos dinossauros do mundo – com cerca de 230 milhões de anos. Especificamente vindo de Faxinal do Soturno, uma nova espécie de réptil extinto se destacou: um rinconcéfalo chamado Microsphenodon bonapartei, descrito pela pesquisadora Sofia A. V. Chambi-Trowell e colaboradores.
Rincocéfalos são um grupo de répteis, que apesar de serem muito parecidos com lagartos, na verdade são parentes muito distantes deles. Esses animais eram muito diversos durante a era Mesozóica (entre 250 a 65 milhões de anos atrás), mas nos dias de hoje existe apenas um único gênero: o tuatara (Sphenodon punctatus), grupo que vive exclusivamente na Nova Zelândia.
O registro mais antigo dos rinconcéfalos é datado do Triássico Médio (cerca de 238 a 240 milhões de anos atrás), com eles alcançando uma distribuição mundial no Jurássico Inferior (cerca de 201 a 274 milhões de anos atrás). Em geral, a maioria das espécies do grupo pertence a um clado chamado Sphenodontia (ou esfenodontes), que é caracterizado por uma estrutura que lembra um bico na ponta do focinho, mas que, na verdade, é formada por dentes pré-maxilares aumentados.
No Brasil, o registro de rincocéfalos se concentra fortemente no Sul, na unidade geológica conhecida como Supersequência Santa Maria, (Zerfass et al. 2003; Bonaparte & Sues 2006; Horn et al. 2014; Schultz et al. 2020), apresentando, até o momento, três espécies: Clevosaurus hadroprodon Hsiou et al. 2019, Clevosaurus brasiliensis Bonaparte & Sues, 2006 e Lanceirosphenodon ferigoloi Romo de Vivar et al. 2020. Os pesquisadores, ao revisarem alguns indivíduos que foram anteriormente associados à uma dessas espécies, a Clevosaurus brasiliensis, observaram que na verdade representavam algo distinto. Portanto, a nova espécie é mais um importante achado, aumentando a diversidade de espécies locais.
Além disso, no novo estudo, os autores discutem aspectos evolutivos dentro de Sphenodontia, que por sua vez também se separa em dois clados principais, Eusphenodontia e a Neosphenodontia. Os espécimes do Microsphenodon bonapartei são baseados em dois crânios muito bem preservados, além de alguns materiais cranianos encontrados isolados. Esses materiais apresentando um mosaico de características morfológicas mais primitivas e algumas típicas dos esfenodontídeos – o que torna o cenário evolutivo desse grupo muito mais rico do que se imaginava. Finalmente, através do uso de um aparelho de microtomografia computadorizada (µCT), os autores notaram que a outra espécie, Clevosaurus brasiliensis, na verdade apresentava um tipo muito diferente de dentição entre os rincocéfalos: os dentes implantados mais profundamente nas mandíbulas. Por fim, esse novo achado contribui significativamente com a compreensão da evolução desse grupo ainda tão enigmático e que, apesar de muito raro, ainda persiste até os dias de hoje.
Para saber mais
– Bonaparte, J. F. & Sues, H.-D. 2006. A new species of Clevosaurus (Lepidosauria: Rhynchocephalia) from the upper Triassic of Rio Grande do Sul, Brazil. Palaeontology, 49, 917–923.
– Hsiou, A. S., Nydam, R., Simoes, T., Pretto, F., Onary, S., Martinelli, A. G., Liparini, A., Romo de Vivar Martınez, P., Soares, M. B., Schultz, C. L. & Caldwell, M. 2019. A new clevosaurid from the Triassic (Carnian) of Brazil and the rise of sphenodontians in Gondwana. Scientific Reports, 9, 11821. doi:10.1038/s41598-019-48297-9.
– Jones ME, Anderson CL, Hipsley CA, Müller J, Evans SE, Schoch RR. 2013. Integration of molecules and new fossils supports a Triassic origin for Lepidosauria (lizards, snakes, and tuatara). BMC Evolutionary Biology. 13: 208. doi:10.1186/1471-2148-13-208
– Sofia A. V. Chambi-Trowell, Agustín G. Martinelli, David I. Whiteside, Paulo R. Romo de Vivar, Marina Bento Soares, Cesar L. Schultz, Pamela G. Gill, Michael J. Benton & Emily J. Rayfield. 2021. The diversity of Triassic South American sphenodontians: a new basal form, clevosaurs, and a revision of rhynchocephalian phylogeny. Journal of Systematic Palaeontology: Online Edition. doi: https://doi.org/10.1080/14772019.2021.1976292
– Leia outros artigos da coluna TÚNEL DO TEMPO
Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
no artigo são de responsabilidade exclusiva de seu(s) autor(es)