Mas afinal, o que é um bom projeto de soltura de fauna?

Animais silvestres vítimas de tráfico de fauna, atropelamentos ou outros percalços, após sua recuperação em um centro de triagem e reabilitação, podem e devem ser destinados à soltura em locais que sejam área de ocorrência da espécie e tenham condições de sustentar seu ciclo alimentar e reprodutivo.

Hoje, como as condições ambientais vêm se degenerando em função da conversão de uso do solo e do aquecimento global, mesmo áreas florestadas podem não ser capazes de sustentar animais que sejam soltos, ou seja, translocados de outras regiões. Normalmente, as espécies que têm mais sucesso em realocações são as generalistas pertencentes ao grupo da avifauna, pois voando conseguem se deslocar melhor para a busca de alimento, abrigo e parceiros para reprodução. A ideia de que existem espécies mais “fáceis” para soltura do que outras vem criando um viés muito sério na destinação dos silvestres.

Solturas de mamíferos

Embora a literatura e a experiência de quem faz soltura não apontem nessa direção e até mesmo demonstrem que espécies que se adaptam muito facilmente podem vir a ser um problema, impactando negativamente a sobrevivência de outras, ainda assim, essa crença permanece. O resultado é que, em especial, solturas de mamíferos são sempre vistas com desconfiança e, como regra, dificilmente têm aprovação pelos órgãos licenciadores.

As alegações para a recusa são muitas e vão desde a questão genética, comportamental e sanitária a até mesmo alguma eventual repercussão negativa da população no entorno da área de soltura. Porém, se não soltamos, não geramos dados que permitam atacar o problema da soltura de mamíferos de frente e nem produzimos mais e melhores protocolos que possam auxiliar na conservação das espécies de nossa fauna.

Um bom projeto de soltura começa com um planejamento que permita abordar as questões técnicas e científicas desde o momento da entrada do animal em um centro de triagem e reabilitação, passando por sua recuperação e possibilidades de destinação. Para isso, é necessário integrar diferentes profissionais e instituições.

Outro ponto importante é uma boa pesquisa de literatura. Hoje, temos vários artigos fazendo revisão de inúmeros projetos de translocação em diferentes situações, o que permite desenvolver uma visão ampla dos desafios, seja qual for a espécie. Ainda há que se pensar um pouco “fora da caixa”, trazendo para o planejamento diferentes arcabouços conceituais como os da Ecologia do Comportamento, da Neurobiologia e da Psicologia. Se pensamos sempre do mesmo jeito, só podemos produzir mais do mesmo. Mas nada disso funciona se as solturas não são autorizadas e não conseguirmos sair da estaca zero.

Cativeiro não é sinônimo de bem-estar animal. Muito pelo contrário. Isso é ainda mais sério quando sabemos que mamíferos chegam a ficar por toda uma vida dentro dos centros de triagem e reabilitação, que foram pensados como locais intermediários, de passagem, dos animais, mas que por “dificuldades” de destinação acabam abrigando animais em condições muito longe das ideais.

Efeito Tostines

Chegamos a um verdadeiro “efeito Tostines”. Não soltamos por que não conhecemos e não conhecemos por que não soltamos.

Termino este artigo lembrando do título de um dos meus westerns favoritos: The Good, the Bad and the Ugly, filme de 1966 que termina em um confronto mortal entre os três personagens principais, o Bom, o Mau e o Feio. Dada a emergência ambiental e a necessidade de ações que promovam a conservação da biodiversidade, é como se estivéssemos vivendo dentro de um filme de ação, com aquele momento do duelo final de um western. Só que em vez de armas, a confrontação se dá por projetos, debates e a obtenção ou não de licenciamento para a realização de solturas.

E a emoção fica ainda maior com a trilha sonora. Neste caso, os rugidos e uivos dos animais mantidos em cativeiro sem esperança de mudança. Como no filme, em que os personagens estão em busca de um tesouro lendário, precisamos fazer o que for preciso, e quem sabe até o impossível, para conservar o que nos resta em biodiversidade, o maior tesouro de todos.

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