
O #InktoberSAVE é uma releitura do clássico desafio artístico e levou mais de 60 pessoas a passarinhar virtualmente e a desenhar aves ao longo de todos os dias de outubro – inclusive a Amiga da SAVE Marília Fanucchi, autora deste texto.
Por Marilia Fanucchi
observacaodeaves@faunanews.com.br

Não tinha ideia de como daria conta daquele desafio. Não desenhava há tempos e tinha (e tenho) plena noção da altura de minha autocrítica. Mas, mesmo assim, quando vi aquele calendário-desafio e entendi a proposta do inktober, um desafio artístico mundial que acontece todo ano no mês de outubro e foi adaptado pela SAVE Brasil para o tema aves, comecei a fuçar minhas fotos.
Descobri duas que eu poderia usar. Já as outras… Um horror! Só serviam para registro nas listas de observação de uma época em que era seguro passarinhar, antes desse pandemônio de Covid-19 que invadiu nossas vidas.

O desafio falou mais alto e comecei a buscar as fotos daquela lista interminável de 31 aves escolhidas para o evento (muitas delas lifers para mim), mergulhando em um mundo de beleza e estímulos visuais, curiosidade e conhecimento. Relacionar espécies, lugares e autores de cada foto no WikiAves foi como um passeio, quase uma passarinhada.

Então tomei coragem, selecionei a foto correspondente a daquele dia, pedi autorização para usar a imagem como modelo, abri meu caderno e esbocei meu primeiro desenho para o #InktoberSAVE: o pintor-verdadeiro ou saíra-pintor.
Daí para a frente, foi ladeira abaixo de tão fácil. Fácil de se entregar a uma rotina de busca da foto ideal, contato com fotógrafas e fotógrafos das aves escolhidas e execução do desenho, sem vergonha do certo ou errado.
Foi um movimento que agitou minha rotina e me tirou do conforto do “não consigo mais desenhar”. Fez com que eu “conversasse” com passarinheiros que eu não conhecia, visitasse páginas dessas pessoas no Facebook e no Instagram e me deliciasse em conversas com amigos envolvidos no mundo das aves.
A necessidade de mais cores fez com que eu assaltasse meu pai e tomasse de volta parte do presente que eu havia dado a ele no Dia dos Pais: uma caixa com vinte e quatro lápis de cor. Pura ostentação! Isso ocorreu entre o veste-amarela e o sabiá-laranjeira, mas só foram usados depois do bicudinho-do-brejo-paulista (feito na técnica bico de pena), na arara-canindé.
Pois é! Passei a contar o tempo por meio das aves do dia no desafio e percebi que já tinha uma seleção de fotos de aves que não faziam parte da lista do #InktoberSAVE e que eu queria desenhar. Pronto, monstro criado!
Quem desenha sabe que a prática conduz ao aperfeiçoamento, à melhora, exatamente como ocorre com a escrita. Então, busquei melhorar os pés desenhados, parte difícil por não ser nunca igual, seja na posição dos dedos ou no tamanho, forma e cores. Nos beija-flores, por exemplo, só reparamos seus minúsculos pés quando estão pousados. Mas, também, para que olhar para os pés de um beija-flor-violeta, não é?

Os olhos também foram um desafio à parte. Registrar as expressões dos olhares da rolinha-do-planalto, do veste-amarela ou do periquito-rico foi, e ainda é, muito difícil.
Outro desafio que a releitura das fotos na forma de desenho trouxe foi a variação da coloração das aves com a luz local no horário da foto. O branco não é branco. O preto não é preto.

Então, além da delícia de visitar o desfile de fotos de saíras-sapucaias, canários-da-terra e papagaios-charões, passei a observar e entender melhor as possibilidades de coloração dos bichos, bem como a postura de cada espécie no pouso, na alimentação, na relação com outras espécies.
Ou seja, o que começou como uma brincadeira, me conduziu a uma observação mais aprofundada de cada espécie retratada, mesmo daquelas que eu nunca havia avistado, bem do jeito que a arte é capaz de fazer. Eu estava estudando as aves, conhecendo como e onde elas vivem, do que se alimentam, seu comportamento e, ainda, desenhando-as de maneira prazerosa. Percebi uma melhora a cada desenho, bem longe da perfeição, mas que permite o reconhecimento da ave desenhada.
Assisti deliciada e de camarote ao renascimento de uma atividade que sempre apreciei. Desenhar me fez atravessar mais um dos duros momentos que todos nós atravessamos, tirando o foco dos problemas e me fazendo viajar entre penas, bicos e cores; viagem que me deixou com comichão para voltar a aquarelar.
Foi minha volta ao desenho e à pintura. Foi uma imersão nesses dois mundos, da arte e das aves, que me fascinam e me trouxeram tantos amigos de vida. Foi bom demais!
Em tempo: escrevi esse texto ao som dos sanhaços-cinzentos, um bem-te-vi e um periquito-rico que se revezam na comilança do mamão que teimo em colocar na janela de meu quarto, mesmo com o protesto dos moradores do prédio. Eles que vão passarinhar!
________________________________________________________________________
Marilia Fanucchi é bióloga, professora, observadora de aves e, novamente, desenhista amadora. Faz parte dos Amigos da SAVE Brasil, uma rede de pessoas conectadas e engajadas pela conservação das aves na natureza. Você também participar contribuindo anualmente com uma doação. Para isso, basta acessar savebrasil.colabore.org.
– Leia outros artigos da coluna OBSERVAÇÃO DE AVES
Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
no artigo são de responsabilidade exclusiva de seu(s) autor(es)