
Os Centros de Triagem e Reabilitação de Animais Silvestres (Cetras) são unidades voltadas para o recebimento, triagem, tratamento e reabilitação de animais silvestres oriundos das mais diversas origens. São atendidos desde filhotes separados de seus pais por diferentes motivos até animais resgatados do tráfico de fauna silvestre ou entregues voluntariamente do cativeiro ilegal. Independentemente do motivo de chegada, a causa principal é sempre a interferência humana, direta ou indireta.
O bem-estar animal é o princípio que norteia as ações e escolhas de manejo tomadas pelos órgãos responsáveis por receber, abrigar, tratar, reabilitar e destinar esses animais. A manutenção deles com níveis positivos de bem-estar é o principal objetivo das equipes envolvidas no manejo, sobretudo porque bem-estar positivo impacta diretamente no sucesso da reabilitação e na sobrevivência pós-soltura.
As etapas envolvidas no processo resgate-tratamento-reabilitação desses animais sempre estão voltadas para um objetivo principal: a devolução dos espécimes à natureza. No entanto, todo esse trabalho é, sem dúvida, particularmente estressante para os indivíduos envolvidos, tendo impactos significativos em seu bem-estar. As atividades desenvolvidas visam o retorno do animal saudável e apto a sobreviver e interagir em seu hábitat natural nas mesmas condições que os demais indivíduos da espécie que não foram expostos às mesmas experiências que ele (que não precisaram passar por um Cetras).
É extremamente importante o conhecimento dos impactos sobre o bem-estar promovido pelos diferentes métodos de reabilitação e pelas decisões de manejo. A manutenção desse bem-estar ao longo do processo é um grande desafio para os estudiosos do tema.
Conceito de bem-estar
A manutenção do bem-estar positivo nos animais, incluindo os silvestres, e a ética no manejo animal são preocupações cada vez mais abordadas no mundo atual. Bem-estar animal é um conceito usado por nós, humanos, para expressar nossa percepção do efeito de nossas ações sobre a qualidade de vida dos animais, podendo ser positiva ou negativa.
Contudo, não há uma definição generalizada do que é o bem-estar. Uma das definições que, a meu ver, melhor se aplica ao termo foi dada por Donald Broom (1991), que define bem-estar como “as tentativas do indivíduo para se adaptar ao ambiente”, ou seja, o quanto tem de ser feito – comportamental ou fisiologicamente – para que o animal se adapte ao ambiente e o grau de sucesso com que isso acontece. Assim, é importante analisarmos duas questões sobre o bem-estar dos animais, sobretudo os silvestres, foco de nossa atuação: qual o grau desse bem-estar aos residentes dos Cetras e como podemos atuar de forma a auxiliá-los na manutenção de níveis positivos de bem-estar?
É importante termos em mente que bem-estar é um estado do indivíduo e, como tal, pode variar ao longo do tempo, positiva ou negativamente, influenciado por diferentes fatores intrínsecos (do próprio indivíduo) quanto extrínsecos (do ambiente em que está inserido). Assim, a avaliação do bem-estar animal deve ser criteriosamente analisada, levando-se em conta diversos indicadores, tais como: eficiência imunológica, danos corporais, diminuição da sobrevida, perda de capacidade reprodutiva, comportamentos naturais ou estereotipados, alteração de parâmetros fisiológicos como aumento da frequência cardíaca e respiratória, aumento persistente de hormônios relacionados ao estresse (como o cortisol), etc.
Fatores que influenciam o bem-estar animal
Um dos fatores que mais influenciam o bem-estar animal é a condição ambiental em que os espécimes são mantidos, sendo especialmente relevante para os animais silvestres nascidos em vida livre e mantidos em condições inadequadas de cativeiro, que acontece, em geral, por desconhecimento de sua biologia e organização social. A implementação de ações que busquem o desenvolvimento de estratégias para manutenção dos indivíduos em boas condições de bem-estar se torna particularmente importante para prevenir alterações comportamentais, que indicam baixos níveis de bem-estar. Devemos sempre estar cientes de que qualquer intervenção direta ou indireta em um animal silvestre acarretará, em maior ou menor grau, algum impacto sobre aquele indivíduo.
Manutenção de níveis positivos de bem-estar
A compreensão acerca da estrutura social das espécies silvestres é importante para aplicação em instituições que realizam programas de reabilitação para soltura, sendo fundamental para guiar as práticas de manejo dentro destes centros, a fim de garantir a manutenção de níveis positivos de bem-estar dos animais. Variações de manejo, tais como alterações na composição do grupo, podem influenciar os padrões de interações entre os indivíduos, afetando diretamente o bem-estar. Assim sendo, um maior conhecimento da organização social e de seus impactos sobre os animais silvestres mantidos em cativeiro, de sua biologia, fisiologia e comportamento natural é extremamente relevante quando se preza pela manutenção de indivíduos com bons níveis de bem-estar.
Outro fator importantíssimo é a manutenção de um ambiente adequado, com o menor nível de ruídos humanos e redução de estímulos sensoriais estressores. O enriquecimento é também uma parte importante no processo e, consequentemente, de um processo de reabilitação bem sucedido, podendo reduzir o estresse experimentado no cativeiro.
Programas de enriquecimento na reabilitação, desde que adequadamente implantados e conduzidos, levam a uma maior diversidade e frequência de comportamentos naturais e, consequentemente, a menores índices de estereotipias. Os benefícios dos programas de enriquecimento inseridos no processo de reabilitação proporcionam um aumento dos níveis de bem-estar positivo e melhoram a qualidade de vida dos animais mantidos em cativeiro temporário. O tipo de enriquecimento a ser implantado deve levar em conta o indivíduo, seu estágio de reabilitação, sua biologia, fisiologia e comportamentos naturais. Assim, o enriquecimento pode ser social, cognitivo, sensorial, alimentar e ambiental.
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