
Por Adriana Prestes
Bióloga, responsável técnica por áreas de soltura e monitoramento de fauna silvestre na Serra da Mantiqueira e Vale do Paraíba (SP) e secretária executiva do Grupo de Estudo de Fauna Silvestre do Vale do Paraíba, Litoral Norte e Serra da Mantiqueira
segundachance@faunanews.com.br
Recentemente, uma família em Pindamonhangaba (SP) foi surpreendida com o fato de que ao adotar um cachorrinho perdido tinha, na verdade, levado para casa um cachorro-do-mato ou Cerdocyon thous para os íntimos. A Polícia Militar Ambiental foi acionada e ele foi destinado a uma área de soltura no próprio município. O animal veio acompanhado da informação que ainda tomava leite e comia ração de cachorro! Ora, cachorros-do-mato são carnívoros e claro que, na falta de seus alimentos favoritos, podem comer o que acharem. Mas se tiverem chance, simplesmente caçam. Seus alimentos favoritos são roedores e pássaros.
Essas situações estão ficando cada dia mais comuns. Animais silvestres em casas, shoppings, vias movimentadas, enfim, eles têm aparecido em locais cada vez mais urbanizados. Situações essas que oferecem potenciais riscos tanto para os animais envolvidos como para as pessoas.
Um dos erros mais comuns das pessoas é acharem que animal silvestre pode ser domesticado. Na verdade, o termo domesticação é quase sempre mal empregado. De fato, domesticar significa alterar a genética de uma espécie. No caso dos cachorros, os domésticos podem metabolizar amido, os selvagens não. Daí o problema de alimentar cães selvagens com ração, que embora tenha um teor de proteína, tem outros ingredientes, já que foi desenvolvida para um tipo particular de animal, o cão doméstico.
No que tange ao comportamento, um animal silvestre pode ser treinado, exatamente a semelhança de um doméstico, para conviver com o ser humano. Porém, esse condicionamento não modifica sua natureza. As pessoas tendem a esquecer que mesmo acostumados a presença humana, um animal silvestre responde às poderosas forças do processo evolutivo que permitiram sua existência, assim reagem a vários estímulos ambientais tais como ciclos de luz (inverno e verão), modificam seu comportamento em função de ciclos reprodutivos e por ameaças sutis não identificadas por nós humanos. Portanto, o melhor local para a manutenção de um animal silvestre é em seu habitat. Infelizmente estamos vivendo uma época em que o ambiente de florestas está desaparecendo diante de nossos olhos e em ritmo acelerado.
Algumas pessoas acreditam que o cativeiro em zoológicos, por exemplo, poderia ser uma solução para os animais silvestres que perdem suas casas. O que temos sempre que lembrar é que qualquer zoológico tem recursos limitados e mesmo os zoológicos mais poderosos têm um orçamento a ser respeitado. Aliás, vários zoológicos pelo mundo, durante a pandemia com a suspensão de visitações, tiveram e ainda têm problemas para manutenção de seus animais. Portanto, por melhor que seja um zoológico ou outra forma de cativeiro, não é possível acomodar “todos” os animais que saem das florestas. Assim, entra no cenário a contribuição das áreas de soltura.
No estado de São Paulo, ainda são poucas, menos de 30. Mas quem sabe, em breve, seremos como no estado de Minas Gerais, com mais 100 registradas! É fundamental que, precisamente no momento em que vivemos, os animais silvestres possam ter a chance de retomarem um pouco de normalidade em suas vidas, simplesmente existindo da forma como foram selecionados por milhões de anos.
https://youtu.be/lSMFU7-G9ik
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