Por Cristina Rappa
Jornalista com MBA Executivo de Administração e especialização em Comunicação Corporativa Internacional. Observadora de aves e escritora de livros infantojuvenis com temática voltada à conservação da fauna
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Uma queixa comum e pertinente de biólogos e amantes da natureza é que, até pouco tempo atrás, as crianças brasileiras tinham a Chita, ou seja, os chimpanzés, espécie de primata exótico no Brasil, como referência de macacos. Sem falar em leões, elefantes, rinocerontes, animais de continentes como África e Ásia.
Minha geração – formada por pessoas acima dos cinquenta – aprendeu a gostar de animais assistindo a séries e filmes como Daktari (que criança não se encantava com o leão vesgo do protagonista?) e Tarzan. Tudo bem, cumpriam sua função de divertir, mas não tinham nada a ver com a nossa realidade e acabavam sendo nada educativos, se é que arte e literatura devam educar. Mas isso é uma outra discussão. De qualquer forma, não devem confundir e desinformar, não é?
De uns anos para cá, começou um movimento para levar os animais do nosso país às nossas crianças, para que elas, os conhecendo, passassem a ter uma referência da nossa realidade e a valorizar o nosso ambiente. Escolher como personagem a onça-pintada, ao invés de leopardo ou leão; sagui e bugio no lugar de chimpanzé; antas e por aí vai. Mas ainda são poucos os casos.
Sobre aves, contam-se nos dedos as obras que mostram as nossas. No cinema, a animação Rio promove para o mundo a ararinha-azul, em produção norte-americana de 2012, contendo alguns vieses e incorreções; mas, mesmo assim, bem positiva. Na literatura, há poucos livros infantis que trazem aves do Brasil e uma lista deles pode ser conferida no blog A Passarinhóloga, a bióloga Nathália Allenspach.
Tudo bem: em 1948, Jorge Amado escreveu em Paris O gato malhado e a andorinha sinhá, mas o gato mal humorado é o personagem principal e a história não tem brasilidade. Pode se passar em qualquer lugar. De qualquer forma, o texto de Amado, que escreveu o livro para o filho, e as ilustrações lindas de Carybé valem muito à pena.
Nossas aves como personagens
Apresentar as aves brasileiras às crianças, brasileiras ou não, foi uma das minhas preocupações com os meus livros, inaugurados com o Topetinho Magnífico, lançado em 2012 pela Editora Melhoramentos. E, especialmente, na coleção Aves & Biomas, lançada em 2018 com O Soldadinho da Caatinga, que tem como herói o soldadinho-do-araripe (Antilophia bokermanni), o passarinho lindo, endêmico e ameaçado da Chapada do Araripe, no sul do Ceará, lugar que tive o privilégio de conhecer em 2015. Encantada, voltei duas outras vezes: em 2018, já com a ideia do livro na cabeça, para conhecer melhor a inspiradora região, sua fauna e flora ricas; e, na última vez, em 2019, para lançar o livro para a comunidade local.
No livro, o soldadinho viaja pelo interior do Nordeste brasileiro, conhece outros representantes da fauna local, como as aves piu-piu (Myrmorchilus strigilatus) e periquito-da-caatinga (Eupsittula cactorum), o tatu e o jegue, aborda temas regionais, como o desmatamento, a falta d´água e o abandono dos jegues pelas estradas, as pinturas rupestres (paleontologia) no Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, e a cultura, com o Reisado de Caretas, festa típica da Chapada do Araripe.
A ideia com essa coleção é justamente esta: por meio de uma ave emblemática – por ser linda e/ou ameaçada – de um bioma brasileiro, levar às crianças temas regionais e conhecimento sobre esses locais e suas questões. Como no Topetinho, com linguagem leve, ação, muito diálogo e humor. Nada que lembre – pelo menos, foi essa a minha intenção – alguma enfadonha aula de geografia do passado. Pelo contrário, o objetivo é distrair o leitor-mirim e fazer com que ele se interesse e se encante pelas belezas do seu país e, com isso, passe a ser seu defensor.
No segundo livro dessa série, lançado em 2019, elegi como cenário a Mata Atlântica, bioma do qual restam cerca de 12% da vegetação original e onde a maior parte da população brasileira vive.
O Tiê da Mata Atlântica – que tem como protagonista o lindo e bastante comum no litoral do Sudeste tiê-sangue (Ramphocelus bresilius) – aborda questões que preocupam nesse bioma, como desmatamento, poluição de praias, mangues e rios, e atropelamento de fauna. Entre os personagens, outras aves da Mata Atlântica, como o tucano-de-bico-preto, o gavião-bombachinha, a saíra-de-sete-cores, mamíferos como a anta e a onça pintada, crustáceos etc.
Também em O Tiê, a abordagem dos temas é feita sem panfletagem ou sisudez. Mas com ação e buscando soluções pelo bem comum.
Para facilitar o trabalho com os livros nas escolas, são desenvolvidos roteiros com sugestões para os professores o usarem em aula.
Para concluir, uma boa notícia: enquanto escrevia este artigo, sou informada que Nathália, a passarinhóloga, acaba de lançar seu primeiro livro infantil, O Sabiá e os Pássaros de Fogo, que tem como personagem o sabiá-poca (Turdus amaurochalinus), ave-símbolo do Brasil e bastante comum nas cidades do Sudeste.
Por sinal, falando em sabiá, é o laranjeira (T. rufiventris), ave-símbolo do Brasil, um dos personagens principais do meu mais recente livro infantil, A Gata Pérola, o Sabiá e o Mistério do Sumiço do Cachorro, que se passa em uma cidade grande, como São Paulo. Ao reconhecer o sabiá nas ruas e árvores do seu bairro, as crianças podem se identificar mais, não acreditar que passarinho é algo distante, privilégio de quem mora na mata, e lutar para a manutenção de praças e jardins na cidade. Além do mais, criança é sempre multiplicadora de mensagens em casa e a família toda acaba envolvida.
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