Bióloga, mestra em Zoologia pelo Museu Nacional do Rio de Janeiro e professora nas redes estadual e particular do Rio de Janeiro.
olhaobicho@faunanews.com.br
Nomes populares: jararaca-ilhoa, Golden Lancehead (cabeça de lança dourada).
Nome científico: Bothrops insularis
Estado de conservação: “criticamente em perigo” (CR) na Lista Vermelha da IUCN e na Lista Nacional de Espécies Ameaçadas de Extinção (2022)
Retratada aqui na coluna em 2020, mas fascinante o bastante para um “repeteco”, a Bothrops insularis, conhecida popularmente como jararaca-ilhoa, é uma serpente que nos ajuda a compreender alguns mecanismos evolutivos bem interessantes. A começar pela sua possível origem, a partir de um mecanismo de formação de novas espécies, iniciado quando da separação da ilha na qual habita do continente, há aproximadamente 11 mil anos.
Durante esse processo, conhecido como especiação, uma população de jararacas continentais (Bothrops jararaca) teria sido dividida em duas pelo surgimento de uma barreira geográfica, no caso a elevação do nível oceânico ocorrida após uma das glaciações sofridas pelo planeta. Isso levou ao isolamento dos indivíduos que ficaram na porção de terra que formou a ilha e… voilà! Milhares de anos e algumas características selecionadas depois, temos nossa personagem de hoje.
A jararaca-ilhoa é endêmica da Ilha da Queimada Grande, situada no litoral paulista, a cerca de 33 quilômetros da costa sul de São Paulo, nas vizinhanças de Itanhaém e Peruíbe. Atualmente, desde que o farol da Marinha passou a ser automatizado, não há moradores no local. Algumas versões para o nome dado à ilha vão da quantidade de incêndios espontâneos, àqueles causados por pescadores a fim de espantarem as serpentes. Por motivos que podemos imaginar, também é conhecida como Ilha das Cobras.
O acesso à ilha só é permitido a pesquisadores, com autorização fornecida pela Marinha.
Ao contrário de sua prima continental, a jararaca-ilhoa tem hábitos diurnos e noturnos, vivendo preferencialmente em árvores, podendo também capturar suas presas no chão. Os filhotes têm preferência por esse segundo ambiente.
Várias aves marinhas visitam e até nidificam na ilha. Além delas, há diversas outras, na maior parte migratórias, vistas em certas épocas do ano. Há também alguns pássaros residentes e morcegos, mas não há mamíferos terrestres. Além desses vertebrados, há anfíbios, lagartos, anfisbenídeos (um tipo de réptil) e outro tipo de serpente (dormideira).
Apesar de haver algumas aves no local, elas parecem já ter mecanismos que permitem que não sejam devoradas pelas jararacas, o que, aliado ao fato de não haver roedores na ilha, restringe a alimentação das cobras adultas. Enquanto os jovens alimentam-se de lacraias, anfíbios, lagartos e da outra espécie de serpente, os adultos têm nas aves migratórias sua principal fonte de alimento.
Uma outra característica selecionada pelo ambiente é a peçonha (substância produzida em local específico e injetada por um “aparelho especial”) da jararaca-ilhoa. Um indivíduo picado morrerá por falência múltipla de órgãos. Essa substância é aparentemente mais eficiente em aves do que em mamíferos, segundo experimentos realizados em laboratório. Entretanto, as jararacas do continente também apresentam essa característica, o que poderia indicar sua ocorrência já no ancestral que as originou.
Outro hábito interessante é a manutenção de aves na boca após a picada até que esteja morta, ao contrário de quando capturam roedores.
Em relação à reprodução, são animais vivíparos (embrião se desenvolve dentro do corpo da mãe) e o acasalamento ocorre entre julho e setembro. As fêmeas podem armazenar o esperma recebido, liberando-o aos poucos. Os filhotes (não mais do que 10) nascem entre março e junho.
Apesar de extremamente perigosas, as jararacas-ilhoa são menores e mais leves que as do continente. Uma outra diferença é a coloração, amarelada e com a faixa atrás dos olhos mais clara, além da cauda preênsil, que permite que se agarre aos galhos. Tanto jovens como adultos beneficiam-se do chamado “engodo caudal”, no qual aves são atraídas pelo movimento da cauda escura, ao confundirem-na com uma larva.
Tráfico de animais
Infelizmente este animal tão peculiar está terrivelmente ameaçado, seja pela biopirataria (uso em pesquisas), para venda a zoológicos ou no mercado de animais de estimação. Já foi reportada a existência de exemplares em cativeiro em países europeus.
A pouca variabilidade genética, devido ao tamanho da população em uma área pequena e a degradação de seu ambiente, por queimadas no passado e mesmo hoje em dia, também são fatores preocupantes.
Felizmente, algumas ações vêm sendo executadas, como a implantação de uma população fora de seu habitat natural, no Instituto Butantan, além de programas de educação ambiental nas áreas litorâneas referentes à ilha.
Outras ações recomendadas seriam rigor na fiscalização, manutenção de espécies em zoológicos e criadouros científicos, assegurando não só a conservação da espécie em caso de destruição de seu habitat (um incêndio mais grave na ilha acabaria com a espécie no planeta!), como a possibilidade de estudos biológicos.
Sugestão de leitura: A ilha das cobras: biologia, evolução e conservação da jararaca-ilhoa na Queimada Grande
https://www.youtube.com/watch?v=Ef7-XbP_CS8
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