Por Elidiomar Ribeiro da Silva
Biólogo, mestre e doutor em Zoologia. Professor do Departamento de Zoologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), responsável pelo Laboratório de Entomologia Urbana e Cultural
invertebrados@faunanews.com.br
Aqui neste nosso espaço de conversa mensal tem sido realçado que os insetos, a despeito de sua importância para o planeta, não constituem exatamente um grupo que desperte muito apreço popular. Ao menos não quando se referencia a chamada “civilização ocidental”, ou seja, o legado cultural que é originário ou associado à Europa. A aversão popular aos insetos [1] pode ter como uma das consequências, por exemplo, a falta de empatia e engajamento em sua conservação. E, diante dos papeis sistêmicos fundamentais desempenhados por esses pequenos animais, sua diminuição populacional causa preocupação.
Já há algum tempo, pesquisadores vêm se dedicando a entender e tentar propor possibilidades de mudanças desse quadro, usando, muitas vezes, a escola como local de estudo. Estudos sobre a forma como os estudantes, em seus diferentes níveis, enxergam os insetos [2], os outros animais e até os demais seres vivos como um todo são muito úteis para que se forme uma imagem mais nítida de sua representatividade social. Entender como as crianças pensam parece ser, de modo geral, um bom caminho. Crianças são curiosas, abertas ao aprendizado e à experimentação, e bastante influentes na família e na comunidade de entorno, tendo grande potencial multiplicador de ideias e conceitos.
Apontar a marcante presença simbólica dos insetos em muitas de nossas manifestações culturais, como bem nos ensina a Zoologia Cultural [3], parece ser um bom caminho. Dentro dessa percepção, texto, verbo e palavra escritos, o que culturalmente se define como 6ª Arte, são excelentes objetos de trabalho. Sempre uma aposta boa do mercado editorial [4], livros dedicados ao público infantil e infantojuvenil podem ser fundamentais para a divulgação das boas práticas de conservação da biodiversidade.
O desenvolvimento do hábito de leitura é excelente para a formação do indivíduo e, já a partir da infância, ajuda a despertar o senso crítico, além de auxiliar no aprendizado. Livros tendo algum aspecto de Entomologia como temática, ou mesmo com insetos como personagens ou inspiração a personagens, podem ser um bom caminho para se fomentar uma percepção social mais justa e biológica de grupos com representatividade negativa – como é o caso dos insetos.
O interessante é que, dentro do que é preconizado pelo conceito de Zoologia Cultural [5], à primeira vista muitas vezes não se percebe a presença dos animais nas obras culturais. Isso frequentemente acontece em relação aos insetos. Por exemplo, muitos de nós tiveram contato com a série Vaga-Lume, coleção de livros voltados ao público infantojuvenil, lançada desde 1973 pela Editora Ática, e que eram usados como material paradidático nas escolas. Pois bem, dentre os mais de 100 títulos componentes da série [6], ao menos dois têm os insetos como destaque, ambos escritos por Lúcia Machado de Almeida (in memoriam): O escaravelho do diabo (1973), centrado na ordem Coleoptera, e O caso da borboleta Atíria (1975), relativo à ordem Lepidoptera – por sinal, os dois maiores grupamentos de insetos, incluindo, respectivamente, os besouros e as borboletas e mariposas. O próprio nome da série é alusivo a besouros muito particulares, os vagalumes. Tudo isso é material precioso para se lançar luz na popularização do estudo dos insetos, o que é, relativamente, pouco feito, talvez por ser pouco percebido.
Ainda dentro dessa percepção, felizmente, os responsáveis pelas editoras de renomadas instituições científicas têm incentivado a produção e publicação de livros sobre insetos, voltados principalmente, mas de modo não exclusivo, às crianças. É o caso da Fiocruz, sempre associada à sólida prestação de serviços na área da saúde pública, mas que tem preciosa preocupação com popularização da Ciência. É assim, por exemplo, o livro As borboletas, o besouro e a fada da biodiversidade [7], de 2019, obra elaborada por Lucas da Silva Torres e Jane Margaret Costa de Frontin Werneck. O livro enaltece as diferenças entre as várias espécies de insetos, mostrando a importância da diversidade do grupo. Estão presentes no livro, ricamente ilustrado como bem manda a ludicidade, cupins (ordem Blattodea), louva-a-deus (ordem Mantodea), bichos-pau (ordem Phasmida), cigarras (ordem Hemiptera), formigas e abelhas (ordem Hymenoptera), além das borboletas e besouros, dentre outros. Ao final, são apresentadas as espécies mencionadas, dentro das boas regras da taxonomia. A obra, em formato PDF e disponível gratuitamente para download, junta informação científica, arte e entretenimento, tudo associado por meio de uma bela narrativa, se prestando muito bem a interações coletivas, como a leitura familiar e as atividades em sala de aula ou em espaços não formais.
Também escrito por Lucas e Jane, Eu, o bicho-pau [8], de 2021, incentiva o estudo da biodiversidade e o respeito pelas mais diversas criaturas da natureza, contando a estória de uma criança que encontra um misterioso inseto com formato de graveto. Como o título diz, a obra é centrada nos bichos-pau e também está disponível gratuitamente em formato PDF.
As universidades públicas também prestam inestimável papel para a popularização da Entomologia. O Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro (NUPEM/UFRJ), através da Editora NUPEM, publicou em 2021 o livro Titica rola-bosta [9], tendo como autores Caio Henrique Cutrim, Ingrid Nazzari, Yasmim Alvarenga de Abreu, Mateus de Oliveira Soares, Sabrina da Silva Pinheiro de Almeida e Vinícius Albano Araújo, do projeto InsetVidas [10]. De forma lúdica, o livro aborda os besouros da subfamília Scarabaeinae conhecidos popularmente como rola-bostas, porque muitas espécies formam pequenas esferas com sua fonte principal de alimento, excremento de mamíferos, onde depositam seus ovos, e depois rolam para um local longe da fonte de origem. Também se trata de uma obra disponível em formato PDF e gratuita para download.
Também produzido pelo projeto InsetVidas, Borboletas da Restinga – Parque Natural Municipal da Restinga do Barreto [11], de autoria de Camila Tavares Brito Guedes, Juliana Ferreira Meireles, July da Silva, Alexandre Soares, Amanda Soares Miranda, além dos autores do livro anteriormente citado, Mateus, Yasmim e Vinícius, foi publicado em 2021, como volume especial da revista A Bruxa. Rica em ilustrações e apostando no carisma das borboletas e mariposas, a obra tem linguagem cativante e acessível a público de todas as idades. Como todo o conteúdo publicado em A Bruxa, o livro também está disponível gratuitamente no formato PDF.
Interessantes iniciativas fora das instituições públicas também merecem destaque. É o caso de As aventuras do detetive Grasshopper e da agente Cigarrinha [12], em processo de publicação. Escrita por Antonini Moliterno, a obra pretende mostrar aos leitores, de modo natural e descontraído, as diferentes façanhas desempenhadas pelos insetos. Os insetos que dão título ao livro pertencem, respectivamente, às ordens Orthoptera e Hemiptera, mas muitos outros aparecem na trama, repleta de reviravoltas investigativas a la Sherlock Holmes ou As aventuras de Tintim. Para ser publicada, a obra depende do financiamento coletivo no Catarse e aqui fica o convite para que você, caro leitor, conheça esse e outros projetos semelhantes e, se quiser, considere apoiá-los. Seu apoio poderá fazer toda a diferença.
Concluindo o nosso resumidíssimo passeio pelo criativo e importante mundo da contação literária sobre insetos para crianças, adolescentes e jovens de todas as idades, não há como não mencionar o saudoso professor Ângelo Barbosa Monteiro Machado (in memoriam). Sobrinho da escritora Lúcia Machado de Almeida (sim, a autora de O escaravelho do diabo e O caso da borboleta Atíria já mencionada lá em cima), e uma das mais destacadas autoridades mundiais no estudo das libélulas (ordem Odonata), o célebre entomólogo também se dedicou, brilhantemente, à literatura infantil [13], tendo publicado 37 livros nessa linha [14], tais como, por exemplo, O menino e o rio (1989) e O dilema do bicho-pau (2016), só para ficar nos centrados em insetos.
Em suma, uma das formas de se retirar estereótipos e preconceitos que cercam os insetos é torná-los conhecidos, cotidianos, falar sobre eles, especialmente às crianças, e mostrar o que são e fazem. Finalizo nossa conversa de hoje com um trecho do prefácio que, com muita felicidade, escrevi para Eu, o bicho-pau:
“A Terra é o planeta dos insetos! Eles estão presentes
em todos os lugares e desempenham toda sorte de papeis
nos diferentes ambientes. Porém, na mesma medida em
que são numerosos, os insetos são também estereotipados
e incompreendidos, isso para ser polido. Na real, na real
mesmo, quase ninguém gosta deles! Eles são nossos vizinhos
indesejáveis, muitas vezes por puro preconceito. Logo eles, os
polinizadores, agricultores, zeladores, caçadores, construtores,
colonizadores. Logo eles, trabalhadores de todas as profissões,
labores e ofícios.
Precisamos acabar com essa “bronca” contra os insetos.
Algo muito difícil pois, uma vez estabelecido o “ranço”, ele
raramente é superado. Logo, temos que apostar nas crianças.
(…)
A partir de
obras como esta, não é difícil imaginar que, daqui a uma
ou duas gerações, nossa visão sobre os pequenos donos do
planeta será bem mais positiva.”
[1] https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/36806/1/2019_Let%C3%ADcia
FernandaRodriguesdosAnjos.pdf
[2] https://www.brazilianjournals.com/index.php/BJAER/article/view/15343
[3] https://www.revistaabruxa.com/_files/ugd/b05672_caed59f3b0564808a980d9ea787cbd89.pdf
[4] https://printstore.com.br/blog/entenda-por-que-voce-deveria-apostar-no-mercado-de-livros-infantis
[5] Da-Silva, E.R. 2022. As atividades de Zoologia Cultural no Laboratório de Entomologia Urbana e Cultural. In: https://www.unirio.br/ccbs/InformativoNotasdoCCBSVol02Num022022.pdf
[6] https://www.revistabula.com/14383-os-15-melhores-livros-da-colecao-vaga-lume
[7] https://www.fiocruz.br/ioc/media/livro_biodiversidade.pdf
[8] https://www.fiocruz.br/ioc/media/eu_o_bicho_pau.pdf
[9] https://nupem.ufrj.br/editora-livro-titica-rolabosta/
[10] https://www.youtube.com/watch?v=45uXKh0z83o
[11] https://www.revistaabruxa.com/_files/ugd/b05672_9b8583e33d7044ff8068768
efe7e5d04.pdf
[12] https://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/terra-da-gente/noticia/2022/05/06/livro-infantil-ensina-sobre-insetos-da-mata-atlantica-de-maneira-divertida.ghtml
[13] https://www.researchgate.net/publication/341553594_A_Zoologia_brasileira_
se_despede_do_Professor_Angelo_Barbosa_Monteiro_Machado_1934-2020
[14] https://www.researchgate.net/publication/343415631_Hetaerina_Boletin_de_la_
Sociedad_de_Odonatologia_Latinoamericana_Vol_2_Num_2
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