Incríveis adaptações do peixe-boi para a vida aquática

Recentemente, a repórter Victória Motta, do Portal da Amazônia (Rede Amazônica), me pediu ajuda para responder algumas dúvidas sobre o peixe-boi. Fiquei surpresa, já que as perguntas feitas por ela não são comuns aos visitantes do Bosque da Ciência no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM).
Até antes da pandemia da Covid-19, o Bosque da Ciência recebia, de terça-feira a domingo, cerca de 7.500 visitantes por mês, na grande maioria estudantes das escolas de Manaus e turistas de diversos lugares do mundo. O Bosque da Ciência voltou a abrir suas portas e desde outubro de 2023 passou novamente a receber visitantes.

O Parque Aquático Robin Best, no Inpa, possui três tanques circulares de 10 metros de diâmetro e 3,5 metros de profundidade, interligados por tanques intermediários retangulares e menores. Os tanques circulares têm janelas que permitem aos visitantes observarem os peixes-bois nadando, dormindo e interagindo entre eles. Hoje, o Centro abriga 65 peixes-bois entre filhotes, jovens e adultos, aguardando serem selecionados para devolução à natureza.

O peixe-boi-da-amazônia é um mamífero aquático exclusivo dos rios amazônicos. Sua dieta é essencialmente herbívora, alimentando-se de plantas aquáticas e semiaquáticas. Pesquisas sobre a dieta e digestibilidade desses animais revelaram que um peixe-boi adulto (que pode pesar até 450 quilos) ingere diariamente cerca de 8% do seu peso corporal em biomassa vegetal.

O tempo de passagem do alimento pelo trato digestório do peixe-boi é lento, podendo demorar cerca de sete dias, dependendo do tipo de alimento ingerido. Essas plantas são, em geral, ricas em fibras e celulose, o que dificulta o processo de digestão. Os peixes-bois não são ruminantes, são herbívoros monogástricos, ou seja, possuem estômago simples e de câmara única, e na parte mais posterior do trato digestório, o intestino grosso e ceco, tem a presença de bactérias simbióticas que ajudam, pelo processo de fermentação microbianana, na digestão da celulose. Esse processo resulta em intensa produção de gases intestinais, como o metano.

O peixe-boi acumula espessa camada de gordura que serve não só como depósito de energia, mas também como isolante térmico e como flutuadores, mantendo o animal na superfície da água.

Mas o que tudo isso tem a ver com as dúvidas trazidas pela Victória? E qual era mesmo a dúvida? Resumindo, ela queria saber como o peixe-boi consegue ficar parado no meio da coluna d’água, sem afundar ou sem ser forçado à superfície. Também queria saber se somente indivíduos com constipação conseguem flutuar e se esse fenômeno está relacionado com a alimentação desses animais. Victória escreveu interessante matéria para o Portal Amazônia.

Principais adaptações dos peixes-bois
Abordando o mesmo tema, achei que seria interessante compartilhar com os leitores do Fauna News as incríveis adaptações dos peixes-bois para a vida aquática.

Por serem herbívoros e não precisarem perseguir seu alimento como os animais predadores (que se alimentam de outros animais), eles permanecem no mesmo local se alimentando durante curtos períodos e sobem à superfície regularmente para respirar. Possuem baixa taxa metabólica. Essas adaptações foram desenvolvidas principalmente para conservar energia e, assim, desenvolveram estratégias para mergulhar, emergir e flutuar.

Essas atividades parecem simples, mas requerem o controle do grau de flutuabilidade e do posicionamento horizontal do corpo na coluna d’água. Desse modo, em peixes-bois essas adaptações envolvem o esqueleto, os pulmões, o diafragma, a pele e o trato digestório, como veremos a seguir.

Os mergulhadores humanos precisam de lastro de chumbo com bastante densidade para compensar a flutuabilidade e impedir que subam à superfície. Já o peixe-boi possui um esqueleto pesado, com ossos bastante densos e sólidos (sem medula óssea) que auxiliam na flutuabilidade e mobilidade embaixo d’água e que funciona como o cinto de chumbo dos mergulhadores. Outra adaptação à vida aquática desenvolvida pelos peixes-bois é a presença de pulmões compridos, finos e achatados, posicionados ao longo da região dorsal do corpo, e que efetuam de forma muito eficiente as trocas gasosas de até 90% do oxigênio a cada respiração. Os seres humanos, para comparar, só conseguem fazer 10% de trocas gasosas a cada respiração e o diafragma duplo dos peixes-bois dobra a velocidade com que podem encher os pulmões de ar.

Seus pulmões especializados também ajudam no controle da flutuabilidade e na manutenção da posição horizontal do animal na coluna d’água, além de permitir que fique por períodos superiores a 20 minutos submerso, sem voltar à superfície para respirar. De forma totalmente atípica para os mamíferos terrestres, os músculos da caixa torácica podem comprimir as costelas e espremer os pulmões, removendo o ar e aumentando a sua densidade. Dessa forma, também auxiliam o animal a afundar e manter a flutuabilidade, principalmente durante os períodos de descanso e enquanto dormem, subindo e descendo na coluna d’água, abrindo e fechando a narina para respirar e submergir.

Qual a relação da alimentação com a capacidade de mergulho e flutuabilidade do peixe-boi?
Os peixes-bois parecem que foram feitos para comer e comem grandes quantidades de biomassa vegetal por dia. A digestão dessa massa verde, rica em celulose, é feita por fermentação microbianana ao longo de um intestino muito longo, com cerca de 40 metros de comprimento, e o ceco, produzindo grande quantidade de gás metano, o que os torna muito flatulentos.

Por incrível que possa parecer, a flatulência ajuda também a melhorar flutuabilidade do peixe-boi, que controla a eliminação das quantidades de gases soltando puns. Isso mesmo, puns que são bem visíveis na coluna da água, subindo em forma de bolhas até a superfície e que podem ser bem fedidos. O acúmulo de gás faz com que o animal fique mais leve e possa boiar na superfície. Quando libera os gases acumulados, soltando puns, ele pode afundar melhor.

Todas essas características mostram as incríveis adaptações do peixe-boi para a vida no meio aquático e para a obtenção de uma flutuabilidade neutra na coluna d’água, fazendo com que as atividades de alimentação, descanso e deslocamento necessárias para sua sobrevivência sejam mais eficientes e fáceis.

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