Importância da abordagem temporal para identificar pontos de atropelamentos de fauna

Já mencionamos que diversas características das estradas e dos animais influenciam nos atropelamentos de fauna, tais como fluxo de veículos, sinuosidade da via e comportamento de travessia do animal, entre outros. Para diminuir esse impacto – mortalidade por colisão – uma das alternativas é implementar medidas mitigadoras, como instalação de cercas em trechos críticos, ou seja, nos trechos com maior agregação de fatalidades, popularmente conhecido como hotspots.

Existem diversas formas de identificar os trechos críticos de fatalidades que deveriam ser priorizados para a mitigação em uma rodovia, no entanto, não entrarei nesses detalhes aqui. O que quero destacar é a reflexão de que, ao avaliarmos a localização desses trechos, fazemos a priorização com base no momento da avaliação. Contudo, após alguns anos ou décadas, os trechos prioritários podem não ser mais nos mesmos locais, tornando as medidas mitigadoras instaladas menos eficientes e demandando a implantação de novas.

Atropelamentos de coalas na Austrália

Embora essa preocupação seja intuitivamente aceitável, eu desconhecia evidências que a ela dão suporte. Isso mudou ao ler um estudo realizado na Austrália, que utilizou uma base de dados de 20 anos registrando coalas mortos em rodovias na região de Queensland. Os autores analisaram a presença e a distribuição dos trechos críticos de fatalidades ao longo desses 20 anos e em quatro conjuntos temporais, com os registros agrupados a cada cinco anos. Eles encontraram que há diferença na quantidade e na distribuição dos pontos críticos ao avaliar o conjunto inteiro de duas décadas em comparação com os grupos de cada cinco anos. Também sugeriram que utilizar um conjunto de dados extenso, como de 20 anos, para decidir onde mitigar não é uma escolha ideal, pois é difícil detectar pequenas mudanças ao longo do tempo, o que pode mascarar a persistência ou surgimento de novos pontos críticos.

Ao analisar os agrupamentos temporais separadamente, os pesquisadores puderam observar diferenças na presença e distribuição dos pontos críticos. Essa escala mais fina também revelou dois períodos distintos para surgimento e desaparecimento desses pontos, os quais foram associados à expansão urbana da região. Áreas mais urbanizadas apresentavam mais pontos críticos, enquanto áreas menos urbanizadas não os apresentavam durante o mesmo período, além dessa dinâmica mudar à medida que as áreas menos urbanizadas se tornaram mais urbanas com o tempo. É evidente que, juntamente com a expansão de área urbanas, ocorre o aumento no fluxo de veículos na região.

Os autores ressaltam que há uma tendência consistente de declínio nas colisões veículos-coalas ao longo dos 20 anos, apesar de não existirem medidas mitigadoras direcionadas para os coalas nos trechos críticos. Isso alerta para a possibilidade da ocorrência de um declínio populacional da espécie nessa região, conforme já demonstrado em outro trabalho. Os autores refletem que identificar pontos críticos para mitigação, considerando apenas o contexto atual do estudo e sem levar em conta a dimensão temporal, pode tornar as medidas mitigadoras implementadas limitadas e não cumprir o objetivo de evitar o declínio populacional. Por exemplo, direcionar recursos limitados para áreas em que a população já se extinguiu em detrimento a trechos onde ela está declinando.

As populações de fauna silvestres, bem como a população humana, são dinâmicas, podem alterar seus comportamentos e áreas de distribuição, podendo até deixar de ocorrer em uma determinada área. No caso dos animais em relação às estradas, a extinção local pode ocorrer devido às colisões com veículos, caso nenhuma ação seja executada para reduzir tal impacto previamente, como relatado no artigo mencionado.

É fundamental que haja estudos de longa duração para avaliar se há mudanças nos pontos críticos de fatalidades. Mas é ainda mais importante implementar ações de mitigação, seja para evitar o declínio populacional naquela região, preferencialmente na etapa de construção da rodovia, seja para possibilitar a recolonização, reduzindo a probabilidade de indivíduos dispersantes morrerem.  Em uma paisagem em contínua transformação, a efetividade de medidas de mitigação jamais será permanente e, por isso, o monitoramento da mortalidade, a avaliação das medidas implantadas e os ajustes nos programas de mitigação precisam ser recorrentes.