Por Cristina Rappa
Jornalista com MBA Executivo de Administração e especialização em Comunicação Corporativa Internacional. Observadora de aves e escritora de livros infantojuvenis com temática voltada à conservação da fauna
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Em Lisboa, onde costumo passar alguns meses do ano, aproveitei neste começo de mês para fazer um dos meus passeios preferidos: visitar o Jardim Botânico Tropical e o Museu Nacional de História Natural e de Ciência (MUHNAC), vinculados à Universidade de Lisboa.
O Jardim Botânico é lindo e me alegra sempre ver grupos de estudantes examinando as plantas, guiados pelos professores, cena semelhante a que já vi – felizmente – nos jardins botânicos de São Paulo, onde moro, e do Rio de Janeiro, quando os visitei.
Mas, o que me encantou bastante nessa visita recente foi uma das exposições do MUHNAC: Viagens da Ilustração Científica em Portugal. Gosto muito de ilustrações científicas e já tinha ficado de queixo caído com a Coleção Brasiliana, no Instituto Itaú Cultural, na capital paulista, que reúne ilustrações feitas pelos naturalistas austro-húngaros Carl Martius e Johann Spix, trazidos ao Brasil no início do século 19 pela imperatriz Leopoldina, além do Historia Naturalis Brasiliae (História Natural do Brasil, em português), o primeiro livro sobre a fauna e a flora do Brasil, de 1648.
De autoria de um médico e naturalista holandês e um matemático e naturalista alemão, cuja viagem e estada no país foram viabilizadas por Maurício de Nassau, Historia Naturalis Brasiliae tem seis volumes (apenas um encontra-se no Brasil) que trazem ilustrações em branco e preto e outras coloridas, a mão, por aquarela. A obra é também mencionada na seção Terra Brasilis na mostra do MUHNAC, em Lisboa, que fala de outras expedições dos séculos 17 e 18, como as Viagens Philosophicas, a cargo do naturalista português Alexandre Rodrigues Ferreira, que regressou do Brasil a Portugal em 1792 com um riquíssimo e vasto material, incluindo manuscritos e desenhos de plantas, animais, minerais, nativos, utensílios por eles usados etc., e a já mencionada viagem dos austríacos.
Aprendo na exposição que os primórdios da moderna ilustração botânica se deram no século 16, com viagens de médicos e naturalistas portugueses à Índia. E que
o século 19 é considerado o período áureo da ilustração científica, pelo impulso às expedições, públicas e privadas, em diversas partes do mundo. Nessa época, foram produzidas muitas monografias de aves, com contribuição de naturalistas portugueses, como a History of the Birds of Europe (1871-96), entre outras realizadas a partir de expedições oceanográficas, além de livros de botânica.
Encantar o leigo
O que achei muito bacana na montagem dessa mostra do museu de Lisboa foi o cuidado em torná-la atraente para o público em geral. A exposição foi norteada pela ideia de que “o objetivo primordial da ilustração científica é comunicar Ciência”. E realmente cumpre esse objetivo, na minha opinião e pelo que pude observar do público presente – e de seu interesse e reações. O museu fica em um bairro central e muito frequentado por turistas em Lisboa, o Príncipe Real. Assim, havia muitos estrangeiros, de diversas idades, grupos de jovens e casais com crianças, entre os visitantes tanto da mostra como do Jardim Botânico.
Tudo bem que o europeu costuma apresentar um padrão cultural alto se comparado com povos de países mais jovens, mas eu acredito que muito da atratividade e da efetividade da mensagem para leigos se devem à sua apresentação.
A mostra está atraente e bem montada, com fotos e exemplares de animais empalhados do museu ao lado de suas ilustrações, e aborda diversos assuntos, como as técnicas de impressão e de desenho utilizadas. No caso da impressão, com a internet, ela não se faz mais tão necessária.
No que diz respeito ao desenho, algumas técnicas são as mesmas utilizadas há séculos, podendo ser feitas com pincel ou a lápis, em uma variedade de papéis e outros materiais. Nas últimas décadas, apareceram as tecnologias digitais, que acrescentaram técnicas e formatos mais amplos, sendo que os ilustradores podem misturar técnicas, de acordo com o seu gosto.
Um dos ilustradores dos meus livros infantis, o Maurício Veneza, desenha no computador, enquanto outro, o Rafa Anton, criou a Gata Pérola e os demais personagens no lápis.
Veneza me confessou que nunca tinha reparado em aves até ser convidado pela Editora Melhoramentos para ilustrar Topetinho Magnífico, lançado em 2012. Achou inicialmente um desafio, me pediu imagens das aves dos meus guias de aves para se basear, já que não sabia onde buscar os modelos. Até que foi se interessando cada vez mais, pesquisando e acabou dando sugestões quando ilustrou os livros posteriores.
Rótulos
A exposição ainda lembra das aplicações práticas da ilustração de fauna e flora, como a rotulagem de produtos como vinhos e azeites. Na mostra, é detalhado o processo de confecção do rótulo de um azeite com um pica-pau: o animal, sua foto, o esboço do desenho e o rótulo pronto e aplicado no vidro do produto.
Com relação ao vinho, chama a atenção em Portugal a quantidade dessas bebidas batizadas com nomes de aves, como Mocho Galego (uma espécie de coruja), Tyto Alba (outra coruja, a suindara), Papa Figos, Papo Amarelo, Abelharuco, Guarda Rios (o martim-pescador), entre muitos outros.
E, por fim, um convite para o visitante observar os desenhos, deixar a timidez de lado e experimentar a desenhar. Por que não?
Capital Verde
A mostra de ilustração científica do MUHNAC vai até 5 de novembro, tendo sido criada dentro das programações da Lisboa Capital Verde Europeia 2020, título que a capital portuguesa ganhou a partir da análise de doze indicadores que avaliaram os índices de sustentabilidade da cidade. Foi a primeira vez que uma capital do sul da Europa conquistou esse reconhecimento.
Dentro da programação, discussão e lançamento de políticas públicas de incentivo a veículos elétricos, ampliação de ciclovias e inúmeras atividades de educação ambiental, em locais como o estuário do rio Tejo e o parque florestal Monsanto, uma mancha verde de 900 hectares na parte norte da capital portuguesa.
Entre as mensagens veiculadas, chamou-me a atenção esta, abaixo, que ilustra painéis na praça da Câmara Municipal e na entrada de alguns parques:
Aos Indiferentes
Precisamos dos indiferentes, dos conformados e dos céticos.
Precisamos dos que ligam demasiado ao carro.
E dos que não desligam a luz.
Precisamos dos que deixam a água correr.
E dos que se demoram no banho.
Precisamos dos que atiram para o mar.
E dos que lançam para o ar.
Precisamos dos pessimistas e dos consumistas.
Dos que querem palhinha. E saquinho. E descartavelzinho.
Precisamos dos que reciclam desculpas e mais coisa nenhuma.
Dos que não querem e dos que não creem.
Precisamos até dos que não fazem por mal.
Precisamos dos indiferentes.
Já que não dá para salvar o mundo sem eles.
Lisboa Capital Europeia Verde 2020.
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