Veterinária, mestra em Epidemiologia, doutora em Patologia e com pós-doutorado pela San Diego Zoo Institute for Conservation Research (EUA). É professora de Medicina de Animais Selvagens da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisadora colaboradora do Instituto Brasileiro para Medicina da Conservação – Tríade
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As doenças transmitidas entre os seres humanos e os animais são denominadas zoonoses. Mais especificamente, as enfermidades que são transmitidas dos animais para os humanos são denominadas antropozoonoses e dos humanos para os animais são denominadas zooantropozoonoeses. Continuando minha abordagem na coluna com as doenças que podemos transmitir para os animais (o artigo anterior foi “O outro lado da moeda: quando o homem transmite a doença“), ou seja, as zooantropozoonoses, o tema proposto é a questão do Herpesvirus simplex tipo 1 (HSV-1) que afeta os primatas não humanos.
Os primatas não humanos estão divididos em dois grandes grupos: os primatas do Velho Mundo, distribuídos na África e Ásia, e os primatas do Novo Mundo, presentes nas Américas, principalmente nas regiões neotropicais. Uma diferença básica dos grupos é que os primatas do Velho Mundo apresentam o focinho longo e as narinas voltadas para baixo e os primatas do Novo Mundo possuem focinho mais curto e as narinas voltadas para o lado. O Brasil possui a maior diversidade de primatas não humanos do mundo.
Há diversas causas que contribuem para a diminuição ou mesmo extinção de populações de primatas não humanos, que pode estar ligada fatores como a perda de habitat, tráfico ilegal, caça, introdução de fauna exótica e enfermidades. O contato próximo aos seres humanos também pode acarretar a transmissão de doenças e pressionar ainda mais populações de espécies que, muitas vezes, já estão no seu limite.
A maioria da população humana apresenta anticorpos para o Herpesvirus simplex tipo 1 (HSV-1), causador de doença popularmente conhecida como herpes. A infecção pode ser assintomática ou caracterizada por lesões vesiculares na boca ou na junção muco cutânea dos lábios. Os humanos se tornam portadores por toda vida e as lesões podem reaparecer quanto há estresse físico e mental, febre, exposição ao sol e imunossupressão. O vírus é transmitido pela saliva e pelas secreções de vesículas e úlceras, penetrando no organismo do indivíduo suscetível pela pele ou mucosa lesada. O vírus pode ser eliminado pela saliva de humanos que não apresentam sintomatologia nenhuma.
Os primatas não humanos não são naturalmente infectados pelo HSV-1 e só adquirem a doença pelo contato com humanos. A enfermidade já foi descritas em primatas do Velho Mundo como gorilas, chipanzés e gibões, em que os sinais clínicos são mais parecidos com humanos. Em primatas do Novo Mundo, já foi descrita em algumas espécies como sagui-de-tufo-branco, sagui-de-tufo-preto, macaco-da-noite, sagui-de-cara-branca, bugio, macaco-prego e parauacu. A enfermidade é descrita mais frequentemente em saguis-de-tufo-branco e de tufo-preto devido à grande proximidade deles com os humanos, seja como animais de estimação ou por serem de espécies que se adaptaram bem a meio urbano e convivem próximos das pessoas.
Os primatas do Novo Mundo são considerados altamente suscetíveis ao HSV-1, podendo sofrer com lesões ulcerativas em boca e língua, além de distúrbios neurológicos que geralmente levam o animal a morte. A doença pode ser transmitida dos humanos para os animais por meio de contato próximo ou de alimentos contaminados com saliva e entregue para os macacos. A enfermidade é aguda e tem uma evolução rápida. Um fator relevante é que, após contraída de um ser humano, a herpes pode ser transmitida de um animal para o outro ou até mesmo para outras espécies que estão ameaçadas de extinção.
O contato próximo de seres humanos com primatas não humanos, além de todas as questões relativas ao bem estar animal, representa um sério risco à sua saúde. A indicação é que a população não tenha esses primatas não humanos como pets e evite alimentá-los em eventuais contatos com animais de vida livre.
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