Biólogo, mestre em Zoologia e doutor em Ecologia. Foi coordenador do Programa Fauna nos Aeroportos Brasileiros no Aeroporto Internacional de Manaus – Eduardo Gomes e no Aeroporto Internacional de Salvador – Luiz Eduardo Magalhães. Foi Segundo Tenente Biólogo da Força Aérea Brasileira, atuando no Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), na Assessoria de Risco de Fauna. É Sócio Diretor da ProHabitat Assessoria Ambiental.
Final do ano está chegando, é hora de preparar as estatísticas e indicadores para avaliarmos a eficiência do nosso gerenciamento de risco de fauna (GRF). Mas quais números devo olhar? Como saber se o trabalho realizado obteve êxito?
Nessa hora, observamos que ainda há muito o que discutir e evoluir no GRF no Brasil. Percebemos que algumas avaliações de desempenho são realizadas com base em indicadores que pouco refletem o real risco de fauna no aeródromo.
Hoje, trago alguns exemplos de como o mau uso de um indicador pode gerar falsas conclusões.
Embora existam pelo menos oito indicadores de risco de fauna recomendados por documentos oficiais de autoridades aeronáuticas brasileiras, ainda vemos aeroportos olhando para o número absoluto de colisões ou para o índice de colisões por movimentos de aeronaves como referência para avaliar seu desempenho no GRF.
Esses indicadores são tão ruins que devem ser descartados? Obviamente que não. No entanto, olhar para eles sem considerar outros parâmetros poderá fazer com que a visão do seu cenário seja distorcida, e consequentemente, decisões equivocadas poderão ser tomadas.
Vou usar aqui alguns exemplos, baseados no Manual de Gerenciamento de Risco de Fauna do Comando da Aeronáutica (MCA 3-8) para mostrar o problema de se olhar um indicador isoladamente.
Vejamos o cenário de dois aeroportos distintos. Tanto no Aeroporto A quanto no Aeroporto B, o número absoluto de colisões ao longo dos últimos 12 meses foi 25. Se olharmos apenas para esse valor, poderíamos dizer que o risco de fauna nesses dois aeroportos foi o mesmo.
Mas não podemos olhar apenas para o número absoluto, não é mesmo? Para resolver isso, precisamos incorporar o movimento de aeronaves no aeródromo para que eles estejam inseridos dentro da sua realidade. Olhando para o movimento em cada um deles, identificamos que o Aeroporto A registrou 50 mil movimentos (pousos e decolagens), enquanto o Aeroporto B registrou a metade, ou seja, 25 mil movimentos.
Fazendo o cálculo do indicador por movimento, o famoso Índice de Colisão por 10 mil Movimentos (IC10M), temos o Aeroporto A com o índice de 5 colisões por 10 mil movimentos e o Aeroporto B com 10 colisões por 10 mil movimentos.
Agora parece estar claro que o Aeroporto B apresenta o dobro do risco observado no Aeroporto A, certo? Aqui está um dos grandes erros de olhar para o IC10M como única referência de risco no aeródromo. Vejamos o porquê.
Apesar do IC10M no Aeroporto B ser o dobro do Aeroporto A, não podemos limitar nossa análise a esse indicador. Podem existir diversas situações sendo camufladas por esses números. Uma delas é a quantidade de colisões que causaram danos às aeronaves. Ou seja, colisões que impactaram as operações, os custos das companhias aéreas, dentre outros aspectos.
Considerando agora para as colisões com dano, o Aeroporto A registrou 12 desses eventos e o Aeroporto B registrou três. Podemos extrair dois indicadores das colisões com dano: a Proporção de Colisões com Dano (PCD), que é calculada em relação ao total de colisões, e o Índice de Colisões com Dano por 10 mil Movimentos (CD10M).
Assim, o Aeroporto A apresentou um PCD de 0,48 (ou seja, 48% das colisões tiveram dano) e um CD10M de 2,4. Enquanto isso, o Aeroporto B teve um PCD de 0,12 (12% de colisões com dano) e um CD10M de 1,2.
Observem como o cenário mudou. Apesar de o Aeroporto B ter mais colisões que o Aeroporto A em relação ao movimento de aeronaves, este último tem muito mais colisões com dano, que são as colisões que mais preocupam dentro do GRF.
No entanto, também não basta olhar apenas para os indicadores de colisões com dano, pois elas já aconteceram. Precisamos ter algo que nos alerte antes da colisão com dano acontecer.
Um indicador que incorpore as colisões com maior severidade associada, ou seja, aquelas que têm maior chance de causar um dano à aeronave. Esse indicador pode ser o Massa Média (MM), que nos traz a massa envolvida nas colisões em meu aeródromo. Se a massa média é elevada, significa que as colisões estão ocorrendo com animais maiores. Vamos tentar entender melhor na nossa simulação.
No Aeroporto A, o MM foi de 1.179 grama, enquanto no Aeroporto B, o MM foi de 494 grama. O que esses números representam? Que, em média, as colisões no Aeroporto A atingem uma massa de 1,1 quilo. Já no Aeroporto B, as colisões envolvem, em geral, animais que pesam menos de 500 gramas, o que quer dizer que há menor chance de haver danos às aeronaves. Analisando o indicador MM, começamos a compreender o motivo de ocorrerem mais colisões com dano no Aeroporto A.
Utilizar esse indicador permite que a equipe de gestão detecte um aumento nos valores do MM possivelmente antes das colisões com dano acontecerem, possibilitando, assim, a adoção de medidas mitigadoras preventivas.
Tanto é que o MCA 3-8 sinaliza o uso do MM associado a outro indicador de massa, o Massa Média por 10 mil movimentos (MM10M), como referência de gatilhos para aplicação de medidas mitigadoras adicionais. Sempre que o MM do mês atual for superior ao MM histórico, é necessária a adoção de mitigadoras adicionais. Se a MM estiver entre a MM e a MM10M históricos, deve-se acompanhar a eficiência das ações em curso.
Aqui, apresentei como exemplo alguns indicadores de risco de fauna que, quando olhados de forma integrada, trazem muitas informações relevantes. Existem outros recomendados pelo MCA 3-8 e pelo Guia de Boas Práticas para Elaboração de Indicadores de Segurança Operacional – BAIST, que podem ser incorporados à sua avaliação de GRF. Sua organização também pode elaborar indicadores próprios, como o índice de colisões com espécies de risco alto e muito alto, o índice de colisões que impactaram as operações do aeródromo, o tempo médio de impraticabilidade de pista por colisão, dentre outros. O importante é definir quais serão os seus indicadores-chave de desempenho (KPIs), mas não precisa se limitar a eles. Indicadores complementares podem ser elaborados e/ou acompanhados em conjunto com os indicadores-chave.
Se estamos falando de gerenciamento de risco, é preciso levar em conta os parâmetros de probabilidade e severidade de forma conjunta. A partir dos exemplos aqui expostos, conseguimos mostrar que ao considerarmos o número absoluto de colisões ou o IC10M como únicos balizadores do GRF, estamos priorizando apenas o parâmetro probabilidade e fechando os olhos para a severidade.
Um alerta MUITO importante: embora neste artigo eu tenha usado a comparação entre dois aeroportos fictícios, nunca se deve avaliar o GRF de um aeroporto comparando-o com outro, pois cada aeroporto apresenta suas peculiaridades, impedindo assim que seja feita uma comparação equilibrada. Portanto, deve-se comparar a evolução dos indicadores num mesmo aeroporto ao longo do tempo.
Por fim, espero que este artigo ajude você a finalizar o ano com uma adequada avaliação de GRF, permitindo tomar as melhores decisões para 2025.
Que tenhamos um novo ano com voos seguros para nós e para a fauna. Feliz 2025!
Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
no artigo são de responsabilidade exclusiva de seu(s) autor(es).
Biólogo, mestre em Zoologia e doutor em Ecologia. Foi coordenador do Programa Fauna nos Aeroportos Brasileiros no Aeroporto Internacional de Manaus – Eduardo Gomes e no Aeroporto Internacional de Salvador – Luiz Eduardo Magalhães. Foi Segundo Tenente Biólogo da Força Aérea Brasileira, atuando no Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), na Assessoria […]
