Geoparque é reconhecido pela Unesco no Rio Grande do Sul

O paleontólogo Thiago Mariani conta sobre o reconhecimento da UNESCO de um Geoparque no Rio Grande do Sul.

Thiago Mariani

Licenciado e bacharel em Ciências Biológicas, mestre em Biologia Animal pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e doutor em Zoologia pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (MN/UFRJ).
Desenvolve pesquisas sobre a evolução de tartarugas, com foco em um grupo conhecido como Pleurodira, usando particularmente morfologia comparada e morfometria em ossos do crânio e nas vértebras do pescoço. Gosta de estudar ossos dos fósseis, mas não deixa de olhar os ossos das espécies viventes; buscando sempre entender como as características ósseas estão conectadas com os hábitos de vida e evolutivos das espécies (e vice-versa).
É vinculado ao Laboratório de Paleontologia e Osteologia Comparada da UFV, onde desenvolve suas pesquisas e participa da formação de recursos humanos. Também é colaborador do Laboratório de Processamento de Imagens do Museu Nacional (MN).
Para variar, adora os filmes do Jurassic Park. É apreciador de café, basquete e metal – especialmente das bandas brasileiras (Sugestões? Só falar!).

23 de junho de 2023

Biólogo e doutor em Zoologia pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É vinculado ao Laboratório de Paleontologia e Osteologia Comparada da Universidade Federal de Viçosa e colaborador do Laboratório de Processamento de Imagens do Museu Nacional. Desenvolve pesquisas sobre a evolução de tartarugas, com foco em um grupo conhecido como Pleurodira.
tuneldotempo@faunanews.com.br

Em maio deste ano, tivemos um grande feito: a região da Quarta Colônia foi reconhecida pela Unesco como um geoparque! Isso é um feito e tanto para o local, para o estado do Rio Grande do Sul e para o Brasil, porque essa nomeação aconteceu depois de muitos esforços para o reconhecimento dos patrimônios geológicos, fossilíferos e culturais da região. Mais um local no país em que um geoparque é reconhecido e chancelado pela Unesco.

Afinal, o que é um geoparque e o que é necessário para que uma região tenha esse reconhecimento?
Os geoparques da Unesco, como o próprio nome mostra, são locais com características geológicas, fossilíferas e geomorfológicas que sejam de destaque e cuja conservação de seu patrimônio tenha relevância mundial. Junto a essas características, existem outros tipos de patrimônios associados à localidade, que englobam ambiente e natureza, tradições e culturas locais, turismo, condições socioeconômicas, entre outros, cada um com seu papel para o desenvolvimento sustentável da região. O reconhecimento pela Unesco de todas essas características de uma região contribui para sua proteção e garante destaque para que seu desenvolvimento continue acontecendo.

Junto com o Geoparque da Quarta Colônia, também foi reconhecido o Geoparque de Caçapava, no extremo sul do país, no estado do Rio Grande do Sul. Esses geoparques se somam aos outros três já reconhecidos no Brasil. O primeiro deles foi o Geoparque do Araripe, em 2006, cujos holofotes comumente se voltam para os maravilhosos estados de preservação e diversidade biológica de seus fósseis. Mais outros dois locais foram reconhecidos em 2022: os geoparques Seridó, Rio Grande do Norte, e Caminhos dos Cânions do Sul, entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Assim, o Brasil tem, atualmente, cinco geoparques chancelados pela Unesco.

A região da Quarta Colônia, no Rio Grande do Sul, localiza-se perto de Santa Maria e é composta por nove municípios: Silveira Martins, Ivorá, Faxinal do Soturno, Dona Francisca, Nova Palma, São João do Polêsine, Agudo, Restinga Seca e Pinhal Grande. O território possui uma combinação de condições de biodiversidade, geodiversidade, patrimônio fossilífero e cultural que permitiu sua certificação.

A rica história da região, cuja cultura atual abrange elementos dos povos originários, dos escravos afrodescendentes e quilombos, e dos imigrantes alemães e italianos, é vista nos artesanatos, na culinária, nas festas tradicionais e nas manifestações religiosas. A história geomorfológica do território criou áreas com cascatas e riachos onde a Mata Atlântica floresceu e, com ela, sua biodiversidade. Essas partes possuem trilhas, mirantes, campings e passeios de trem para as pessoas terem seus momentos de lazer, se aventurarem e conhecerem a região.

Mapa da região da Quarta Colônia, onde se localiza o Geoparque Quarta Colônia, e foto da sinalização da Rota Paleontológica em Santa Maria – Ilustração: Ziemann & Figueiró, 2017; Foto: Wikimedia Commons

Mas o grande destaque para este artigo é o patrimônio fossilífero existente na região. As rochas onde os fósseis mais conhecidos foram encontrados são datadas do início do Triássico (aproximadamente 250 milhões de anos) e preservaram um registro biológico bastante significativo de um período bem particular da história da Terra: os milhões de anos após o maior evento de extinção, a extinção Permo-Triássica, em que grande parte da biota do planeta se extinguiu (em proporções diferentes entre mar e terra) e o supercontinente Pangeia se formou. Sendo assim, os fósseis da região são testemunhos das mudanças climáticas e geológicas que afetaram o globo todo, evidenciando a recuperação faunística após esse grande evento de extinção e como extinções (como as que ocorrem atualmente causadas pelo ser humano) e biodiversidade se conectam.

Região é famosa pelos dinossauros mais antigos do Brasil
A biota da região é famosíssima pelos dinossauros mais antigos de que se tem registro. A primeira espécie descrita foi o Staurikosaurus pricei, em 1970, que também foi o primeiro dinossauro para o Brasil. Nos últimos anos, várias outras espécies foram descritas, como o Gnathovorax cabrerai, Bagualosaurus agudoensis, Macrocollum itaquii e Guaibasaurus candelariensis. Essas espécies marcam um tempo da história da Terra em que a evolução dos dinossauros começou.

Macrocollum itaquii, dinossauro encontrado e descrito na região da Quarta Colônia. Classificado como um sauropodomorfo, um grupo de animais que marcam o início da evolução dos dinossauros saurópodes, não tinha um corpo de um saurópode típico, mas já continha características em estágios iniciais de suas evoluções. Essa espécie já mostrava uma tendência ao alongamento do pescoço, característica típica dos saurópodes, com vértebras cervicais mais alongadas em relação a espécies anteriores – Fonte: Márcio L. Castro, Wikimedia Commons; Müller et al., 2018

Mas não só de dinossauros são feitos os registros fossilíferos nas rochas da Quarta Colônia. Outros grupos de vertebrados foram encontrados, como rincossauros, e os Pseudosuchia, representado pelas espécies Polesinesuchus aurelioi, Decuriasuchus quartacolonia, Dynamosuchus collisensis e o famoso Prestosuchus chiniquensis, um dos maiores predadores da época e que já foi tema da coluna.

Outro grupo que também é bastante rico é o dos cinodontes (Cynodontia), animais aparentados com os mamíferos – mas que ainda não são mamíferos. A maioria desses animais era herbívora, mas alguns são considerados onívoros, como a espécie Exaeretodon riograndensis. Algumas das espécies são extremamente relevantes para a reconstrução das relações de parentesco dos mamíferos, como o Brasilodon quadrangularis, e, como consequência, seu panorama evolutivo.

Nos últimos anos, houve registros de procolofonídeos (Soturnia caliodon), animais temnospôndilos, como o Compsocerops, encontrado também na Índia; do Cargninia enigmatica, um membro antigo da linhagem dos lagartos e serpentes, e de duas espécies de um grupo chamado Rhynchocephalia: o Clevosaurus brasiliensis e o Lanceirosphenodon ferigoloi – esse grupo é atualmente representado pelas tuataras, animais que só existem na Nova Zelândia.

Como se pode ver, a região é bastante importante e o reconhecimento como geoparque se faz por si só. Os estudos paleontológicos de lá são majoritariamente conduzidos pelos pesquisadores da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e do Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica (CAPPA), cujo trabalho de educação, divulgação e construção do patrimônio cultural da região, em parceria com diversos setores da UFSM, é equiparado – senão maior – ao potencial científico da região. Tanto que a UNESCO chancelou a região com seu selo, levando um reconhecimento global à localidade.

Grande parte do que foi escrito aqui por foi mostrado (e, de modo bastante modesto, vivenciado) no XII Simpósio Brasileiro de Paleontologia de Vertebrados, ocorrido em Santa Maria, e os evolvidos na elaboração do geoparque tem, aqui, o reconhecimento de um trabalho louvável e admirável.

Atividades desempenhadas pelo Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica (CAPPA), em São João do Polêsine (RS). O centro possui uma pequena exposição, aberta ao público, onde desenvolvem atividades de extensão na região. Os pesquisadores também realizam escavações, coletando fósseis que frequentemente são encontrados pelos próprios moradores – Fotos: CAPPA/UFSM

Esse resultado pode inspirar novos locais com potenciais similares (não só fossilíferos) a buscar o reconhecimento da organização. Isso já aconteceu com a Chapada dos Guimarães, no Mato Grosso, cujos responsáveis protocolaram um pedido para o selo de geoparque. Aguardemos e torçamos para que ganhem!

Referências
– Geoparque da Quarta Colônia
– Geociências e Geoparques Mundiais da UNESCO no Brasil | UNESCO
– Müller RT, Langer MC, Dias-da-Silva S. 2018. An exceptionally preserved association of complete dinosaur skeletons reveals the oldest long-necked sauropodomorphs. Biology Letters 14.
– Ziemann, DR & Figueiró, AS. 2017. Avaliação do potencial geoturístico no território da proposta Geoparque Quarta Colônia. Revista do Departamento de Geografia, Universidade de São Paulo 34, 137-149.
– UNESCO avalia município de MT que pode se tornar o 6º Geoparque do Brasil
– UNESCO nomeia 18 novos Geoparques Mundiais | UNESCO
– UNESCO escolhe oito novas áreas para a Rede Mundial de Geoparques: duas estão no Brasil | UNESCO

Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
no artigo são de responsabilidade exclusiva de seu(s) autor(es)

Sobre o autor / Thiago Mariani

Licenciado e bacharel em Ciências Biológicas, mestre em Biologia Animal pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e doutor em Zoologia pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (MN/UFRJ). Desenvolve pesquisas sobre a evolução de tartarugas, com foco em um grupo conhecido como Pleurodira, usando particularmente morfologia comparada e morfometria em ossos do […]