Análise de Dimas Marques
Editor-chefe
dimasmarques@faunanews.com.br
Em 1950, Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, lançava um disco com um de seus maiores clássicos: Assum Preto. Que música triste!
“Tudo em vorta é só beleza
Sol de Abril e a mata em frô
Mas Assum Preto, cego dos óio
Num vendo a luz, ai, canta de dor
Mas Assum Preto, cego dos óio
Num vendo a luz, ai, canta de dor
Tarvez por ignorança
Ou mardade das pió
Furaro os óio do Assum Preto
Pra ele assim, ai, cantá mió
Furaro os óio do Assum Preto
Pra ele assim, ai, cantá mió
Assum Preto veve sorto
Mas num pode avuá
Mil vez a sina de uma gaiola
Desde que o céu, ai, pudesse oiá
Mil vez a sina de uma gaiola
Desde que o céu, ai, pudesse oiá
Assum Preto, o meu cantar
É tão triste como o teu
Também roubaro o meu amor
Que era a luz, ai, dos óios meus
Também roubaro o meu amor
Que era a luz, ai, dos óios meus”
A composição de Luiz Gonzaga e de Humberto Teixeira relata a dor da ave que, além de cega, perde a liberdade. Sem poder enxergar, seu voo torna-se impossível, sendo, portanto, cativa da condição imposta pela falta da visão. A impossibilidade de ver o céu lhe traz sofrimento tão grande que ela preferiria viver cativa em uma gaiola, desde que ainda pudesse enxergar a liberdade perdida (céu).
Tamanha dor foi usada como analogia para dar dimensão da perda de um amor.
Essa composição tem 70 anos e escancara uma prática que, já naquela época, Luiz Gonzaga mostrava ser resultado de ignorância ou maldade. Pois as décadas passaram e o assum-preto (Gnorimopsar chopi) continua tendo seus olhos furados para que cante mais e melhor. Uma crença infundada e cruel.
“Os policiais do Batalhão de Policiamento Ambiental resgataram duas corujas e um papagaio, além de vários pássaros de outras espécies que eram mantidos em gaiolas, durante operações de fiscalização neste fim de semana. Os animais foram libertados, exceto o papagaio e um assum-preto, porque estavam debilitados demais para retornar à natureza.
As operações aconteceram durante todo o sábado (28), em diversos pontos da zona rural de Teresina. Seis pessoas foram autuadas por manter em cativeiro animais silvestres da fauna brasileira, e tiveram de assinar um Termo Circunstanciado de Ocorrência.
Os animais foram resgatados e soltos em seguida, nas margens de uma lagoa, ainda na zona rural da capital. Com exceção de um papagaio, que segundo a capitã Liliane, da PM Ambiental, estava bastante debilitado, e de um pássaro da espécie chico-preto ou assum-preto, que ficou cedo depois que teve os olhos perfurados.
“Os papagaios geralmente já estão há bastante tempo aprisionados e não têm condições de serem soltos de imediato. Têm que passar por um período de readaptação. Já o caso do chico preto, são os caçadores que furam os olhos do pássaro, pra ele não distinguir dia de noite. Daí ele canta mais”, explicou a capitã Liliane.” – texto da matéria “Polícia Ambiental resgata corujas, papagaio e outros pássaros silvestres na zona rural de Teresina”, publicada em 29 de novembro e 2020 pelo portal G1
Não bastasse o sofrimento da perda da liberdade para viver em uma gaiola pelo resto da vida imposto a um animal, o homem consegue fazer pior. E tudo pelo seu prazer em ouvir o lamento (não o canto) da sua vítima.
Por fim, mais um comentário: o portal G1 perde uma oportunidade de informar seus leitores sobre o tamanho da crueldade envolvida e, principalmente, desincentivar aos que acreditam que furar olhos de pássaros é uma forma de melhorar o canto. Não foi escrita uma linha sequer sobre essa prática absurda.
Pior. Ainda reforçaram essa crença ao publicarem a fala da oficial da PM Ambiental do Piauí que, no último parágrafo, afirma que o a prática realmente aumenta o canto.
https://youtu.be/g2nbs-wPNmA