Por Marcelo Calazans
Técnico em agropecuária, administrador de empresas e fotógrafo. Foi professor da disciplina Fotografia de Natureza pelo Senac (MS)
photoanimal@faunanews.com.br
E mais um ano começa e com ele a expectativa de captura de grandes registros da vida selvagem! As aventuras em busca de novas espécies e fotografias nos motivam a seguir sempre em frente, mesmo em um momento tão delicado para a humanidade (pandemia). Façamos a nossa parte e logo tudo passará.
Como nos três primeiros artigos desta série, em que eu trouxe curiosidades e receitas básicas para a fotografia de quatis, jacarés-do-pantanal e macacos-prego (que são espécies abundantes na área urbana onde moro, em Campo Grande – MS), finalizo com uma espécie de ave das mais comuns – senão a mais comum – em área urbana: a coruja-buraqueira. Essa espécie nos garante registros incríveis, pois sua curiosidade proporciona aproximações incríveis (guardando a distância de segurança, sempre!).
Carismática, essas belezinhas atraem os olhares de todos que as encontram. Facilmente vistas em parques, praças, gramados, terrenos baldios e demais áreas verdes dos centros urbanos, têm uma importância muito grande para o ser humano, já que são controladoras de “pragas” urbanas como ratos, camundongos, morcegos e insetos. É uma predadora de pequeno porte, com hábito carnívoro-insetívoro, sendo considerada generalista por consumir as presas mais abundantes de acordo com a estação do ano, tendo preferência por roedores. Espécie pequena, chegando a medir de 23centímetros a 27centímetros quando adulta e pesando entre 170 gramas e 214 gramas. Envergadura entre 53 centímetros e 61centímetros, de cabeça redonda, olhos amarelo-brilhantes e bico acinzentado. Suas asas são, geralmente, marrons com várias manchas amarelas.
Como seu nome diz, são encontradas em buracos, onde fazem seus ninhos. Podem escavar suas tocas ou então aproveitar buracos abandonados de outras espécies, como tatus. Algumas de suas características como cor dos olhos, bico e altura variam de acordo com a subespécie. Seus pés longos e cinzentos são próprios para andar, geralmente marchando. Cauda curta. Sua visão e seus voos suaves são perfeitamente adaptados para a caça. Enxergam 100 vezes mais que os humanos (que inveja!) e têm uma audição excelente. Possuem a capacidade de girar a cabeça em um ângulo de até 270 graus, aumentando assim seu campo de visão.
As corujas-buraqueiras têm que virar o pescoço assim pois seus grandes olhos estão dispostos lado a lado num mesmo plano. Essa disposição proporciona à espécie uma visão binocular (enxerga um objeto com ambos os olhos e ao mesmo tempo). Isso quer dizer que elas podem ver objetos em três dimensões, com altura, profundidade e largura. Seus olhos são bem grandes, às vezes sendo até maior que seu cérebro. Isso lhes garante eficiência na caça em condições de baixa luminosidade, captando e processando melhor a luz disponível.
As corujas adultas possuem um tom de cor forte, com o peito e a barriga com coloração parda, traços cor de terra e variações de marrom que lembram machas e barras. As jovens são similares na aparência, mas são gorduchinhas, desengonçadas, com as penas descabeladas e coloração leve. Seu peito é totalmente branco, sem as variações marrons, possuem uma barra amarela passando por toda a asa superior. Os machos e as fêmeas são similares no tamanho e na aparência, entretanto os machos adultos são ligeiramente maiores e as fêmeas, normalmente, mais escuras.
Essas corujas possuem um comportamento peculiar, além dos próprios das demais corujas: pode ser vista durante o dia e ficar pousada, ereta, em locais expostos ou no solo, em postes, troncos, placas, muros, casas etc. Têm o hábito de ficar sobre uma só perna, o que não é copiado por outras corujas. Daí a facilidade em registrá-las e conseguir flagrantes dessas ações únicas. É uma coruja tímida, mas ligeiramente tolerante à presença humana.
O maior inimigo da coruja-buraqueira é o homem, visto que, por ser uma ave de rapina, essa espécie quase não tem predadores naturais. O trânsito de veículos em áreas onde existem ninhos é o principal fator de mortes, pois ao passarem sobre a boca dos ninhos, esses veículos soterram o túnel, matando a mãe e filhotes asfixiados.
E voltando ao assunto do artigo, vou postar três fotos de corujas-buraqueiras e comentar como cada uma foi feita. Bora lá!
A foto acima ilustra uma das características marcantes que tornam a coruja-buraqueira muito fotogênica: sua cara de “brava”. As expressões faciais dessa espécie são as mais diversas, garantindo ótimos registros. Caretas de preguiça, de espanto e outras são frequentes e impossíveis de não serem fotografadas. Essa da imagem estava pousada em um mourão de cerca, em torno da área denominada “Praça do Papa”, aqui em Campo Grande. Me aproximei o suficiente para garantir o registro e depois fui entender o porquê desse olhar: sua toca estava logo abaixo do mourão da cerca e seus 3 filhotes me espiavam de lá. Era um aviso de que estava me aproximando demais. Recuei e continuei registrando, agora a família inteira. Os dados técnicos da foto são os seguintes: f/5.6, ISO 200, exposição em 1/400s, e distância focal de 150 mm, pois estava bem perto dela. As condições de luminosidade e as configurações de câmera garantiram o desfoque total do plano de fundo, que mostravam casas e prédios próximos e não enriqueceriam a composição, no meu ponto de vista. Abaixo, uma foto dos filhotes:
E sigamos para a próxima imagem. Voilà!
Esse indivíduo tem a coloração de um dos olhos quase totalmente preta. Mas a parte amarela que resta forma o símbolo do Yin-Yang. Daí, resolvi batizá-la com esse nome. Esse fenômeno de coloração diferente nos olhos se confunde com cegueira, mas pode ser resultado de questões genéticas. É uma característica incomum e rara para a espécie, que tem olhos amarelos. De acordo com a pesquisadora Nancy Richie (relato feito no blog avesderapina.com, do meu camarada Willian Menq), que monitorou por anos a população de corujas-buraqueira na cidade de Marco Island, na Flórida (EUA), a alteração na cor dos olhos é causada pela presença de um gene recessivo responsável pela cor da íris, herdado pelos pais, sendo os olhos amarelos a cor dominante. Dessa forma, se um casal adulto com estes genes recessivos acasalarem, poderão produzir filhotes com olhos de cores diferentes. Legal, né?
Essa eu tive a sorte de encontrar aqui em Campo Grande, no Parque dos Poderes, que já citei em artigo anterior. Estava na frente do ninho (que tem até cobertura para fazer sombra) fazendo a guarda. Acredito que seja um macho, pelas características físicas e comportamento. Consegui vários registros em diferentes posições e para essa imagem eu utilizei a seguinte configuração: f/6.3, lente em 500 mm (distância de segurança), ISO 160 para compensar a pouca luminosidade, velocidade em 1/500s e disparo! Momento eternizado!
E para fechar a tríade de imagens da espécie, segue:
A última foto exemplifica a capacidade dessa espécie em se confundir com o meio ambiente. Em um primeiro instante, fica difícil de localizar a coruja-buraqueira na foto. Mas olhando atentamente, a gente consegue vê-la do lado esquerdo da imagem. Suas cores se misturam perfeitamente ao meio, fazendo com que localizar e se aproximar de sua toca seja um pouco difícil. Nessa imagem, eu tive que me deitar no chão para ficar no mesmo nível que os olhos dela. Isso permitiu uma aproximação até que fácil, em vista de outras ocasiões que perdi flagrantes incríveis de alimentação por não cuidar desse aspecto. Vale muito sujar a roupa!
E as configurações da imagem foram as seguintes: f/6.3, exposição em 1/1000s, ISO 400 e distância focal em 500 mm. Pronto, registro feito e com significado próprio para uso em ciência cidadã, já que mostra um aspecto curioso da espécie.
Sendo assim, encerro mais esse artigo. Espero que tenha gostado e nos vemos no mês que vem. Grande abraço e até lá!
Fontes
– “As buraqueiras de olhos escuros”, em Aves de Rapina do Brasil
– Wikiaves
– Leia outros artigos da coluna PHOTO ANIMAL
Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
no artigo são de responsabilidade exclusiva de seu(s) autor(es)