Fotografando jiboias e sucuris

Olá, como vai? Continuando com os “tutoriais” de como fotografar espécies brasileiras, senti falta de falar um pouco sobre répteis e decidi trazer nesse texto dois dos meus animais favoritos: as jiboias (Boa spp.) e as sucuris (Eunectes spp.).

Jiboias

No Brasil, temos duas espécies de “jiboias-verdadeiras” (isto é, excluindo as jiboias-arco-íris, do gênero Epicrates, e a jiboia-do-ribeira, do gênero Corallus). A primeira é a jiboia-constritora (Boa constrictor), que pode chegar a quatro metros de comprimento e ser encontrada em praticamente todo o território nacional. Já a segunda, a jiboia-da-mata-atlântica (Boa atlantica), foi descrita este ano e é endêmica da Mata Atlântica, além de ser um pouco menor, raramente passando de 2,5 metros de comprimento. Até a oficialização de sua nova taxonomia, acreditava-se que Boa atlantica era apenas uma subespécie de Boa constrictor.

Ambas as espécies se alimentam principalmente de pequenos e médios mamíferos, aves e lagartos e não possuem nenhum tipo de peçonha, utilizando apenas a constrição como método de caça. Morfologicamente são muito parecidas, sendo coloridas com diferentes padrões de marrom, cinza e manchas avermelhadas, as quais são mais vibrantes na região da cauda.

Atualmente, a jiboia-constritora está listada como “pouco preocupante” pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) e com uma tendência populacional negativa, ou seja, é esperado que seus números diminuam nos próximos anos por conta da perda de habitat, tráfico e outros impactos ambientais (a última avaliação foi feita em 2014). Quanto à jiboia-da-mata-atlântica, justamente por ser uma descoberta muito recente, ainda não foram feitos estudos suficientes para determinar com precisão seu estado de conservação.

Sucuris

Também temos duas espécies de sucuris que habitam o Brasil: a sucuri-verde (Eunectes murinus) e a sucuri-amarela (Eunectes notaeus). A sucuri-verde é a maior serpente do Brasil e a segunda maior do mundo em comprimento, só perdendo para a píton-reticulada (Python reticulatus). Ela pode passar dos seis metros de comprimento e atingir cerca de 100 quilos, mas existem relatos de espécimes com mais de 7,5 metros e com peso estimado de quase 200 quilos. Também pode ser encontrada em todas as regiões do Brasil, porém os maiores indivíduos ocorrem na Amazônia, considerando que este ambiente oferece as condições ideais para a sobrevivência desses animais.

Já a sucuri-amarela é consideravelmente menor (e mais amarela, obviamente) e tem sua distribuição um pouco mais restrita. Pode medir cerca de 4,5 metros de comprimento e pesar aproximadamente 40 quilos, medidas semelhantes às das jiboias. Pode ser encontrada no Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, em regiões pantanosas, florestas e até cavernas.

Assim como as jiboias, as sucuris também matam suas presas por constrição. Além disso, por serem maiores, incluem animais de maior porte nas suas dietas, como jacarés, cervos, capivaras, gado etc.

Tanto a sucuri-verde como a sucuri-amarela estão classificadas como “pouco preocupantes” pela IUCN e não há previsão quanto ao aumento ou diminuição das suas populações (os dados foram atualizados em 2014 e 2020, respectivamente).

Localização

As jiboias são serpentes relativamente comuns de serem encontradas, em comparação a outras espécies. Basta procurar no lugar certo e ter um pouquinho de sorte que, eventualmente, você consegue achá-las. Como dito anteriormente, é possível encontrar uma jiboia-constritora em praticamente qualquer ambiente do Brasil (até em regiões urbanas), apesar dela preferir habitar florestas tropicais que oferecem as melhores condições de temperatura, umidade e variedade de presas e esconderijos para sua sobrevivência. Já a “recém-nascida” jiboia-da-mata-atlântica, como o próprio nome diz, pode ser encontrada somente nessa floresta.

Assim como observamos nas onças, na estreia da série, as jiboias são extremamente adaptadas a diferentes situações dentro de um mesmo hábitat. Além de se locomoverem pelo solo, também são excelentes escaladoras e nadadoras, sendo frequentemente encontradas próximas de cursos d’água. Também costumam se esconder em tocas feitas por outros animais, geralmente mamíferos. Portanto, quando estiver em campo, preste bastante atenção em literalmente tudo ao seu redor, pois nunca se sabe onde uma jiboia poderá aparecer.

A sucuri-verde também pode ser encontrada em todas as regiões do Brasil, mas a maior concentração de indivíduos está situada na floresta amazônica. Enquanto isso, a sucuri-amarela é praticamente endêmica do Pantanal, tendo apenas poucos registros da sua presença nas regiões Sul e Sudeste.

Ambas as espécies de sucuris estão fortemente ligadas à água – seus indivíduos raramente são encontrados longe de fontes desse recurso. Pântanos, áreas alagadas, lagos e rios com pouca correnteza são os melhores lugares para achá-las. Eu escolheria o Pantanal como destino, já que lá é possível matar dois coelhos numa cajadada só, ou melhor, fotografar as duas sucuris numa viagem só.

Equipamento

O equipamento utilizado vai depender bastante do seu estilo, já que é possível fotografar serpentes com basicamente todo tipo de lente. Se preferir manter distância ou não for possível se aproximar, as teleobjetivas dão conta do recado. As lentes grande-angulares também podem render ótimos resultados com pontos de vista mais criativos. Por fim, as lentes macro são a melhor escolha caso queira revelar os mínimos detalhes desses répteis (em conjunto com os periféricos da macrofotografia, como flashes, disparadores, difusores/rebatedores etc).

Apesar de ser extremamente difícil, também é possível fotografar sucuris debaixo d’água. O fotógrafo Luciano Candisani já realizou o feito e conseguiu resultados excepcionais.

Normalmente você irá encontrar essas serpentes paradas em algum lugar, já que elas costumam ser mais ativas só quando estão caçando. Nessas situações, temos bastante tempo para preparar nosso equipamento, por isso um tripé pode ser útil para facilitar a estabilização da câmera e o enquadramento.

Escolha bem o que vestir e reforce sua segurança: apesar de não serem peçonhentas, a mordida dessas cobras é bem dolorosa e pode causar infecções graves. Utilize perneiras e tenha bom senso ao se aproximar delas. Como esses animais estão quase sempre perto d’água, principalmente as sucuris, pode ser interessante levar galochas, roupas impermeáveis e proteção para a câmera, caso precise se molhar para conseguir alguma foto.

Técnicas

Com esse tamanho todo, claramente esses répteis são bem lentos fora d’água, dispensando a necessidade de utilizar velocidades muito altas do obturador. Utilize o suficiente para deixar o assunto nítido, juntamente com uma boa abertura e um ISO o mais baixo possível para expor corretamente a imagem e evitar o ruído indesejado. Se o local que encontrar a serpente estiver muito escuro, lembre-se de utilizar o tripé para poder diminuir ainda mais a velocidade sem deixar a foto tremida.

Instintivamente, é normal apontarmos a câmera e clicar assim que avistamos um animal na nossa frente. Porém, fotos de serpentes tiradas de pé de forma espontânea não costumam ser muito harmoniosas. Um ângulo muito grande de cima para baixo pode fazer a cobra se confundir com outros elementos e até sumir no solo (ainda mais se ela for bem camuflada), além de perder o senso de escala e perspectiva. Tente se agachar ou até deitar no chão a fim de se manter no nível dos olhos da jiboia ou da sucuri – isso fará uma enorme diferença em dar a devida atenção ao assunto principal da sua foto. Faça com cuidado para não assustá-las,  já que as serpentes são adaptadas para sentir as mais leves vibrações no solo.

Na macrofotografia, é possível utilizar o focus stacking (ou empilhamento de foco) para deixar todos os pontos da serpente bem nítidos. Essa técnica consiste em tirar várias fotos sem alterar a posição da câmera (necessitando de tripé ou um outro apoio) e mudar ligeiramente o ponto de foco em cada uma delas. Depois, em um software de edição, é só mesclar todas essas fotos para combinar tudo em um só grande e perfeito foco no animal (ele também não pode se mexer nem um centímetro entre as fotos, senão será preciso recomeçar do zero).

Dicas extras

Depois que essas serpentes constritoras conseguem uma caça bem sucedida de uma presa de tamanho considerável (algo que leva muita paciência e inúmeras tentativas), elas podem ficar semanas e até meses sem comer novamente por conta do seu metabolismo lento. A própria digestão delas demora alguns dias, durante os quais elas se sentem bastante vulneráveis. Para isso, elas desenvolveram um mecanismo de defesa de regurgitar suas presas para possibilitar uma fuga de um possível predador. Portanto, se estiver visível que uma jiboia ou sucuri está com a barriga cheia, evite chegar muito perto e causar qualquer tipo de estresse ao animal – ele merece aproveitar sua recompensa de um duro trabalho em paz.

E por falar em predação, as sucuris são conhecidas por emboscar suas vítimas na água, sendo adaptadas iguais aos crocodilianos com as narinas e olhos no topo da cabeça, os quais ficam acima da superfície enquanto seu corpo permanece submerso. Fique atento a qualquer “carinha” para fora d’água e não se confunda com uma simples tartaruga. Ás vezes pode ser a tão sonhada sucuri…

Outro momento que devemos ter um pouco mais de cuidado ao se aproximar dessas serpentes é quando elas estão prestes a trocar de pele, indicado pela falta de brilho no corpo, cores menos chamativas e olhos opacos. Elas produzem uma secreção que serve para lubrificar o espaço entre a pele antiga e nova, a qual pode se acumular e cobrir sua visão durante alguns dias. Justamente por não estar enxergando muito bem, as cobras ficam mais desconfiadas e agressivas durante esse período.

Em alguns dos meus artigos aqui na coluna, já expressei o quanto sou fascinado por serpentes e sempre que tiver a oportunidade vou repetir isso. Durante minha vida de fotógrafo, tive algumas chances de encontrar e fotografar jiboias – inclusive já até resgatei uma que estava dando um mergulho na minha piscina durante a pandemia. Porém, registrar as sucuris ainda é algo que tenho como prioridade na minha lista de desejos.

Quando abordamos espécies-bandeira, as serpentes são frequentemente esquecidas. Então quis dar um espacinho para elas nesta série. Fotógrafo(a) ou não, espero que este texto tenha sido interessante para você. Agradeço seu tempo comigo e torço pela sua volta na semana que vem. Abraço!

Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
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