Por Kamila Bandeira
Bióloga com mestrado em Zoologia pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É doutoranda no mesmo programa, além de pesquisadora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Suas pesquisas estão focadas em Paleontologia de vertebrados
tuneldotempo@faunanews.com.br
A região Sudeste do Brasil é particularmente muito rica em fósseis de vertebrados, especialmente de dinossauros e crocodiliformes. Alguns desses animais pré-históricos já foram reportados por aqui, como o Arrudatitan, encontrado em Monte Alto (SP), o Ypupiara, de Peirópolis (MG), e o Coronelsuchus, achado em rochas de Coronel Goulart (SP). Nas últimas décadas, um município em particular têm se destacado devido a uma grande diversidade de fósseis de vertebrados: Presidente Prudente.
Localizado no interior do estado de São Paulo, a 558 km da capital estadual, o município de Presidente Prudente tem afloramentos de rochas datadas do final do Cretáceo, pertencentes a uma unidade geológica chamada grupo Bauru, que compreende um intervalo de tempo do Aptiano ao Maastrichtiano (entre 120 até 65 milhões de anos atrás). Mais especificamente, na mesorregião de Presidente Prudente, um conjunto de sobreposição de rochas em particular indica que toda essa área foi um paleoambiente fluvial, com um rio de alta sinuosidade e grandes regiões alagadiças – como no nosso Pantanal atual.
Devido a essa conformação, geólogos elegeram que mesorregião de Presidente Prudente deveria ter uma formação geológica própria, que acabou batizada em homenagem a cidade. É na formação Presidente Prudente (que também aflora em Alfredo Marcondes e Alvares Machado) que importantes achados paleontológicos nas últimas décadas foram reportados: é dessa formação que foi encontrado o titanossauro Austroposeidon, que podia chegar aos 25 m de comprimento. Também são conhecidos os outros titanossauros, um tanto menores, como o Gondwanatitan e o Brasilotitan. Muitos outros elementos ósseos de dinossauros também são conhecidos para a formação Presidente Prudente, como dentes e ossos de téropodes encontrados isolados (reportado por Candeiro et al. 2004, e Azevedo et al., 2013). Outros répteis fósseis conhecidos para a formação são a tartaruga Baruemys elegans, e os crocodiliformes Pepesuchus e Roxochampsa, reiterando o quão diversa essa região é para achados paleontológico.
Talvez, o achado mais importante da formação Presidente Prudente são os fósseis de aves, relatados pela primeira vez em 2004. Centenas de minúsculos e frágeis fósseis de pequenas aves ajudaram a nomear informalmente o ponto como Sítio das Aves. Eles chamaram atenção não apenas pela qualidade de preservação para fósseis tão pequenos como também por estarem aflorando em área urbana. Além disso, esses pequeninos fósseis são os primeiros registros de aves do Mesozóico no Sudeste brasileiro e um dos únicos da América do Sul. Para se ter ideia, outras aves fósseis do final do Cretáceo são conhecidas apenas para a Argentina (Novas et al., 2010). Mais do que isso, a preservação dessas aves permitiu entender, pela primeira vez e através do uso de tomografia computadorizada, como ocorria a substituição dentária nesses animais primitivos. Os estudos de Wu et al. (2021) mostraram que há um padrão de substituição dentária intercalada (substituição dentária é conhecido como zahnreihen).
O processo pode ser simplificado como um padrão de substituição de dente alternado em que todos os dentes ímpares estão sob substituição e sincronizados nos mesmos estágios de desenvolvimento, enquanto os pares permanecem intactos até que chegue a vez de serem substituídos. Esse padrão é consistente com o padrão encontrado entre vários répteis fósseis e alguns atuais, mas nunca tinha sido relatado para aves fósseis antes.
Por fim, esse achado reforça a grande importância da mesorregião de Presidente Prudente para o entendimento das relações evolutivas e paleoecológicas de muitos grupos de vertebrados durante o final do Cretáceo brasileiro. E, para quem interessar, essas aves fósseis – ainda sem nome oficial – se encontram alojadas no Museu de Paleontologia de Marília (SP).
Referências
– AZEVEDO R.P.F., SIMBRAS F.M., FURTADO M.R., CANDEIRO C.R.A., BERGQVIST L.P. 2013. First Brazilian carcharodontosaurid and other new theropod dinosaur fossils from the Campanian-Maastrichtian Presidente Prudente Formation, São Paulo State, southeastern Brazil. Cret Res 40: 1-12.
– CANDEIRO, C.R.A.; ABRANCHES, C; ABRANTES, E; AVILLA, L; MARTINS, V; MOREIRA, A; TORRES, S; BERGQVIST, L.P. 2004. Dinosaur remains from western São Paulo state, Brazil (Bauru Basin, Adamantina Formation, Upper Cretaceous). Journal of African Earth Science, 18:1–10.
– NOVAS F.E., AGNOLÍN F.L., SCANFERLA C.A. 2010. New enantiornithine bird (Aves, Ornithothoraces) from the Late Cretaceous of NW Argentina. Comptes Rendus Palevol., 9(8):499-503.
– WU, YH., CHIAPPE, L.M., BOTTJER, D.J. et al. 2021. Dental replacement in Mesozoic birds: evidence from newly discovered Brazilian enantiornithines. Sci Rep 11, 19349. https://doi.org/10.1038/s41598-021-98335-8
– Leia outros artigos da coluna TÚNEL DO TEMPO
Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
no artigo são de responsabilidade exclusiva de seu(s) autor(es)