Por Fabíola Campos
Brasileira nascida na zona leste da capital paulista, em São Miguel Paulista. Artista visual, ilustradora e muralista. Dedica-se profissionalmente às artes desde 1988. Com exposições individuais e coletivas, possui várias premiações em sua carreira.
Ilustrou o livro Aves Brasileiras Extintas e Ameaçadas, iniciativa apoiada pela SAVE Brasil
observacaodeaves@faunanews.com.br
Quando criança, sentia um chamado interno que na época nem sabia o que era. Apenas fazia rabiscos coordenados, que pela pouca idade, causavam estranhamento pela beleza. O que para mim era natural, as pessoas achavam extraordinário para uma criança. Minha motivação eram os programas de TV que falavam da vida selvagem. Eu assistia e ficava deslumbrada, pois amava os animais. Então, queria expressar minha paixão fazendo desenhos coloridos incessantemente. Fazia desenhos em que guepardos corriam atrás de impalas, girafas, pavões – entre muitos outros.
O legal dessa história sempre foi poder observar os bichos ao meu redor: acompanhar um pardal entrar em sua casa em busca de migalhas de pão, ouvir um canto bonito e descobrir que vinha de um lindo pássaro azul. Além dos desenhos animados, acompanhar uma lagarta fazendo casulo e se transformando em uma linda borboleta, ver um bem-te-vi à espreita para comê-la em seu primeiro voo – eu ficava brava! Mas cresci e logo entendi que isso faz parte da natureza, assim como uma árvore é morada de ninhos, é sombra, é alimento, é ar. Resumindo, tudo é sui generis.
Acredito que assim nasceu minha consciência ambiental. Parte vinda da observação e outra de minhas aptidões artísticas. Então, com o surgimento do Greenpeace, comecei a acompanhar ações pela biodiversidade e a entender mais sobre as causas ambientais, me identificando com as pessoas que lutam ferozmente pela natureza. Assim como a SAVE Brasil e suas ações de proteção de aves que estão em risco no Brasil me fazem acreditar ainda mais nessa luta.
Arte: expressão de ideias
Vejo minha arte como uma bandeira com a qual posso expressar minhas ideias, sensibilizando as pessoas com a beleza dos pássaros para a preservação da biodiversidade. No decorrer de minha carreira de mais de trinta anos, já fiz muitas exposições, participei de salões de arte e conquistei muitas premiações. Contudo, foi num singelo passeio no Parque Villa Lobos, em São Paulo (SP), que tive a sorte de cruzar com um evento chamado Avistar. Pareceu-me um sonho, pois não fazia ideia de que existiam pessoas reunidas em um lugar para falar sobre pássaros e nem que existia turismo voltado para a observação desses seres tão incríveis! Depois de conhecê-lo, realmente uma nova página em minha história foi criada.
No ano seguinte, eu já estava expondo meus trabalhos em congressos sobre aves. Conheci inúmeras pessoas e profissionais incríveis, envolvidos com a observação das aves, biólogos, ornitólogos, fotógrafos(as), todos comprometidos com as aves. Muitos também conheceram meu trabalho como artista dedicada a pintar aves, animais e botânica. Foi uma ótima troca, somente feita porque o amor às aves existe.
Assim surgiu também a amizade com Rodrigo Agostinho. Rodrigo me contou sobre o livro que estava escrevendo sobre aves brasileiras extintas e ameaçadas e que tinha fotografias dessas aves feitas por Cláudia Brasileiro. Entretanto, das aves que estavam extintas e desaparecidas não havia registros. Ele disse então que eu conseguiria dar vida a esses pássaros através de minha técnica e estilo de pintura. Surgiu assim o convite para que eu ilustrasse o livro a partir dos desenhos das aves extintas. Fiquei surpresa e muito feliz com esse chamado tão importante, mas confesso que, a princípio, não sabia da magnitude do desafio que me foi proposto.
Não havia referências fotográficas da maioria das espécies que eu tive que fazer. Eram, em sua maioria, peles taxidermizadas ou desgastadas pelo tempo. O desafio foi grande e eu sabia que era minha responsabilidade: estava assumindo o posto de referência ao retratar aves que sumiram por completo. Eu interpretava os textos descritivos das espécies para tentar ser fiel e honrar a existência dessas aves, que um dia viveram em seu ciclo pleno e, por interferência humana, seja por tráfico, caça predatória e/ou desmatamento, infelizmente não estão mais entre nós.
Após todo o árduo e lindo trabalho em equipe que nós três tivemos, o livro foi lançado em agosto deste ano e está sendo um enorme sucesso em seu segmento. É ótimo ver que mais pessoas estão se interessando pela observação e estudo de aves e a obra é mais um passo para isso. Assim, conseguimos compartilhar nosso conhecimento e fazer com que mais e mais pessoas passem a cuidar da nossa grande e linda biodiversidade.
É por isso que ainda tenho esperança nos projetos ambientais, na ciência cidadã e nos órgãos públicos sérios para inibir essa situação que vivemos atualmente. Não podemos nos esquecer que somos parte da natureza e precisamos preservá-la. Um bom exemplo para trazer esperança é o da ararinha-azul (Cyanopsitta spixii), que está de volta ao Brasil, já com indivíduos sendo reintroduzidos em nosso ecossistema, na Bahia, na cidade de Curuçá.
A arte da ilustração mostra o que existe ou existiu, mas se tiver a poesia, delicadeza e amor pelo seu ofício – assim como eu tenho ao desenhar as aves -, tudo fica muito melhor! E é assim que eu entendo minha arte.
Me veio à mente a canção Força Estranha, de Caetano Veloso:
“Eu vi muitos cabelos brancos na fronte do artista
O tempo passa e, no entanto, ele nunca envelhece”
Eu vou um dia, mas minha luta e minha arte ficarão.
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Este artigo foi escrito por Fabiola Campos, artista visual, ilustradora e muralista. Ela faz parte dos Amigos da SAVE Brasil, uma rede de pessoas conectadas e engajadas pela conservação das aves na natureza. Você também pode fazer parte contribuindo anualmente com uma doação. Para isso, basta acessar savebrasil.colabore.org.br.
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