Fiscalização ambiental: norma penal em branco e corrupção normativa

Quando o crime ambiental atinge espécies ameaçadas de extinção, ocorre o que chamamos de agravante penal. Esse agravante está previsto no artigo 15 da Lei de Crimes Ambientais (Lei n° 9.605/1998) e, também, no parágrafo 4° do artigo 29 da mesma lei. Mas como a lei é inócua, agravar “nada” continua sendo “nada” – porém, isso é assunto para outro texto.

Mas quem define as espécies ameaçadas de extinção? Como é um assunto dinâmico, a norma penal em branco realmente auxilia, deixando sua definição para o campo técnico, que é mais ágil que qualquer mudança de lei. Assim, a previsão, mas sem definição em lei, constitui o que chamamos de norma penal em branco.

A lei indica que o crime atingindo espécies ameaçadas culminará em penas mais graves. Mas as espécies ameaçadas são definidas pelos órgãos ambientais. Os critérios devem ser técnicos e não deveria haver qualquer tipo de interferência, seja política ou por interesses econômicos. No entanto, seja na esfera da União, nos Estados ou municípios, infelizmente, os órgãos ambientais ainda não dispõem da necessária autonomia.

A autonomia traz a isenção técnica ou, ao menos, permite que ela exista. Sem autonomia, por vezes, interesses particulares podem se sobrepor ao público.

Corrupção normativa

O delegado da Polícia Federal, Jorge Pontes, anos atrás percebeu essa fragilidade e cunhou a expressão “corrupção normativa“. Ela viceja em ambientes nos quais os técnicos possuam pouca autonomia, como quando não são servidores concursados (de carreira) e seu emprego fica ameaçado caso sua manifestação, que deveria ser técnica, contrarie os interesses de grupos dominantes.

A tragédia da enchente no Rio Grande do Sul ou a seca no Pantanal demonstram algumas das consequências quando as questões técnicas ambientais são desconsideradas.

O artigo 29 da Lei 9.605/1998 proíbe o cativeiro de espécies silvestres sem a devida licença ou autorização. Os critérios para essa autorização são definidos em normas: resoluções, portarias ou instruções normativas. Como serão elaboradas estas normas? O interesse público suplantará o privado? O interesse ambiental prevalecerá sobre o econômico? A gente sempre espera que sim, mas, caso isso não ocorra, o que terá acontecido é o que chamamos de “corrupção normativa”.

Seu prejuízo ao meio ambiente supera qualquer desvio de conduta de um policial ou fiscal porque ele ocorre na base da estrutura normativa e atinge todo o sistema.

Em uma política ambiental séria é necessária a existência de mecanismos que protejam as normas de interferências em sua elaboração.  Um desses mecanismos são órgãos ambientais fortes e com servidores de carreira e autonomia funcional, ou seja, com liberdade para propor e instituir normativas baseadas em decisões técnicas seguindo a lei. Porém, em vários locais e situações, ainda não chegamos nesse nível.

Então, quando você se deparar com absurdos ambientais, mas que foram devidamente autorizados, lembre-se de que em determinado momento os interesses privados e econômicos podem ter atropelado os públicos e ambientais.

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