Por Angeline Saucsen Weisheimer
Bióloga, mestra em Sistemas Costeiros e Oceânicos pela Universidade Federal do Paraná – Centro de Estudos do Mar, mergulhadora científica e integrante da Rede Brasileira de Especialistas em Ecologia de Transportes (REET Brasil)
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O impacto do modal aquaviário no bentos consolidado.
O bentos (comunidade de organismos) de substrato consolidado compreende os animais invertebrados – com exceção do subfilo Urochordata – que vivem associados a um substrato duro. Esse substrato pode ser natural, como as rochas ou carapaças de tartaruga, ou artificial, como as embarcações e as estruturas portuárias (piers, estacas, plataformas). Exemplos conhecidos de bentos consolidado são as esponjas-do-mar (filo Porifera), estrelas-do-mar (classe Echinodermata), cracas (classe Cirripedia) e ostras (classe Bivalvia).
Uma parte do bentos consolidado passa a sua infância e juventude livre no mar como meroplâncton, ou seja, com seus ovos e larvas na coluna d’água. Durante a fase adulta, esses animais procuram um substrato duro para se fixar crescer e então se reproduzir.
Um dos impactos do modal aquaviário nesse grupo é a disponibilização de substratos artificiais, como as estacas das estruturas portuárias (foto acima) e o casco de navios. Esse impacto se torna negativo quando ovos de espécies exóticas e invasoras que foram parar em uma determinada região ali se fixam. Essas espécies têm a vantagem adaptativa de se assentarem mais rápido e/ou não possuírem predador natural, isto é, são melhores competidoras que as espécies nativas. Nesse caso, elas ocasionam consequências negativas para os ecossistemas marinhos ao longo de todo o planeta (foto ao lado). Além da perda da biodiversidade, as espécies exóticas e invasoras podem impactar toda a teia trófica do local, com prejuízos econômicos para as atividades comerciais locais e regionais.
Espécies de bentos consolidado podem “pegar carona” no casco de navios e colonizar novos mares e oceanos. Existem “dois tipos de carona”: a bioincrustação e o transporte de espécies na água de lastro. Se os ovos e larvas encontrarem condições favoráveis, podem colonizar novos ambientes. O coral floco-de-neve (Carijoa riisei – filo Cnidaria) é um exemplo de uma invasão histórica e tem a sua ampla dispersão graças ao intenso tráfego marítimo.
A legislação brasileira proíbe a introdução de espécies exóticas invasoras (artigo 31 da Lei nº 9.985/2000; artigo 25, 38 e 67 do Decreto nº 6.514/2008) e incentiva o estudo/monitoramento dessas espécies a fim de nortear ações de controle (artigos 10.1.8 e 13.1.1 de Decreto nº 4.339/2002). A Diretoria de Portos e Costas (DPC) da Marinha do Brasil possui normativas para o gerenciamento da água de lastro de navios (NORMAM-20) e para o controle de sistemas anti-incrustantes em embarcações (NORMAM-23) a fim de evitar contaminação ao meio ambiente.
Na prática, a fiscalização se dá pela Marinha do Brasil através de agentes de autoridade marítima. A autoridade portuária pode auxiliar a fiscalização através de monitoramentos ambientais no âmbito das licenças de operação de portos, tais como os monitoramentos da comunidade planctônica e da bentônica a fim de detectar espécies exóticas invasoras, e a verificação da documentação referente ao gerenciamento da água de lastro, além de programa de educação ambiental para portuários e tripulantes.
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