
Por Karoline Pachêco Abilhôa Freitas
Bióloga Especialista em Inventariamento e Monitoramento de Fauna e integrante do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (NERF-UFRGS)
estradas@faunanews.com.br
Será mesmo necessário conhecermos algo para só então protegê-lo? Quando falamos em meio ambiente, em fauna, o simples fato de se tratar de vidas já não basta? Ao observarmos a foto acima, de uma fêmea de muriqui (Brachyteles arachnoides) alimentando seu filhote, não está claro que devemos protegê-los? Talvez para a maioria sim, mas infelizmente ainda não somos unanimidade nesse assunto.
No último mês de novembro, tive o prazer de conhecer um pouco de um importante parque de São Paulo, o Parque Estadual Carlos Botelho (PECB), local onde ocorrem os muriquis (maior espécie de primatas das Américas, rara, endêmica e ameaçada de extinção). O muriqui é apenas uma das várias espécies ameaçadas de extinção, como a anta, o tamanduá-bandeira, a onça-parda e a onça-pintada, já registradas nos quase 38 mil hectares de remanescentes de Mata Atlântica dentro do PECB.
O parque é cortado por um trecho de pouco mais de 30 quilômetros da Rodovia Nequinho Fogaça (SP-139), que liga São Miguel Arcanjo a Sete Barras. Inaugurada em novembro de 2015, após ficar fechada por dois anos para obras, foi considerada a maior obra de pavimentação ecológica do país (com bloquetes de concreto intertravados, para melhor escoamento da água da chuva e menor retenção do calor) e oferece diversas atrações turísticas, como rios, cachoeiras, quiosques e mirantes.
A estrada-parque foi idealizada buscando assegurar a preservação ambiental e a sustentabilidade da região através do ecoturismo responsável, mas apenas idealizar não basta. É preciso educar para que o (eco)turismo e também as idas e vindas pelos caminhos que nos levam até ele sejam responsáveis.
A página da estrada no Facebook (Estrada Parque “Serra da Macaca” SP-139) mostra: que o movimento da fauna é comum durante o dia todo; que os animais usam a estrada não apenas para atravessá-la, que espécies muito pequenas também vivem no parque, que os animais são atropelados, que os usuários “perdem” alguns pertences quando passam (por exemplo, bitucas de cigarro), que veículos são estacionados irregularmente, que alunos de escolas visitam o parque e, portanto, crianças e adolescentes andam pela estrada.
Existe gente que cuida e que se importa com as vidas dos animais, das plantas e das pessoas. Então, nós, enquanto motoristas, passageiros, visitantes ou turistas também deveríamos respeitar as regras, mas não somente nos poucos quilômetros que cortam o PECB, e sim por todos os quilômetros pelos quais passarmos durante nossa vida.
Sabemos que muitos animais silvestres são atropelados em estradas pelo país afora. No PECB, apesar de medidas mitigadoras como o fechamento diário da estrada das 20h às 6h (quando há redução da visibilidade dos motoristas e maior atividade dos animais), não seria diferente. Ainda que medidas para evitar atropelamentos e outros impactos sejam implementadas, é impossível reduzi-los a zero. Durante nossa breve, informal, curiosa e atenta passagem pelo parque, avistamos alguns animais atropelados, como cobras-cegas, sapos e serpentes.
A velocidade máxima permitida no trecho que corta o parque foi reduzida, variando entre 20 e 40 km/h, o que não impediu que os animais que avistamos fossem atropelados. Entre outras medidas divulgadas estão: implantação de 10 radares, 15 lombo-faixas, placas de sinalização, 16 passagens aéreas e 12 passagens inferiores.
O que muitos ainda não se dão conta é que existem medidas muito mais simples, de fácil implantação e sem nenhum custo, e que, sem elas, as demais podem ser comprometidas, que são o respeito, a educação e a proteção. Já que somos uma espécie muito curiosa e que para protegermos temos que conhecer, precisamos buscar saber quem são esses animais silvestres, entender como vivem e, principalmente, conhecer seus problemas (sem causar outros). Sabendo quais são os impactos gerados por uma rodovia, teremos consciência da responsabilidade de nossos atos, podendo, assim, mudar algumas atitudes e também nos tornarmos conservadores da natureza.
Obras como essa estrada-parque são importantes, mas mais importante que isso é encararmos a natureza como parte de nós, pois, além da infinidade de belas paisagens, ela abriga e mantém um número inimaginável de vidas através dos serviços que presta. Se somos os maiores e, por que não dizer, os únicos beneficiados com essas grandes obras, por que não mudarmos o nosso pensar e, principalmente, o nosso agir?
Infelizmente, e eu sinto muito em afirmar isso, sempre que houver a presença humana, principalmente nessas áreas de proteção, que já não suportam mais os danos causados pela nossa espécie, os impactos são fatos e não apenas hipóteses.