Falando de insetos no fim do verão

O entomólogo Elidiomar Ribeiro da Silva comenta as participações em eventos que abordam a questão dos insetos realizados durante o verão.

Elidiomar Ribeiro da Silva

Licenciado em Ciências Biológicas, mestre e doutor em Zoologia pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor do Departamento de Zoologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), sendo responsável pelo Laboratório de Entomologia Urbana e Cultural.
Entomólogo, tem carreira centrada no estudo da taxonomia das ordens Ephemeroptera, Hemiptera e Lepidoptera, sendo que recentemente vem se dedicando ao estudo da presença simbólica de animais nas manifestações culturais, a chamada zoologia cultural. Com mais de cem artigos científicos publicados, cerca de 200 trabalhos apresentados em congressos científicos, nove livros editados e sete capítulos de livros, orientou dez dissertações de mestrado e três teses de doutorado. É idealizador e editor do periódico A Bruxa, uma revista de biologia cultural, e do fanzine sobre ciência Homem-Leoa. É também o criador e organizador do Colóquio de Zoologia Cultural e da Mostra de Biologia Cultural.

22 de março de 2023

Recém acabou o verão, mas, ao menos aqui no Rio de Janeiro (RJ), a sensação é que o outono não assumiu de fato, pois o calor ainda está de matar. Enfim, não é o meu caso, mas há quem goste de calor e, provavelmente, para eles o verão é a estação do ano favorita. Ajuda nessa preferência o fato de o verão estar muito associado a férias, diversão e lazer.

Muitos também vão frisar que é no verão que os insetos mais adentram nossas casas, mesmo nas áreas urbanas. Realmente, é nessa estação que há mais reclamações nas redes sociais sobre o grande número de mosquitos e as baratas voadoras que atravessam as janelas e nos tocam o terror. Mas não só esses insetos tidos como indesejados caracterizam o verão brasileiro: há também interessantes eventos acadêmicos, dedicados aos insetos, na mais quente das estações do ano.

Em fevereiro de 2003, estudantes do Programa de Pós-graduação em Entomologia da Universidade de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto, concretizaram a ideia e a iniciativa de divulgar as linhas de pesquisa do programa e aprimorar a formação em Entomologia (o estudo dos insetos) de alunos de graduação em Ciências Biológicas e Agronomia. Fizeram isso tratando de assuntos e temas que não são frequentemente abordados nos cursos de graduação pelo país. Nascia assim o I Curso de Verão em Entomologia da USP, evento que começou pequeno, com abrangência regional, mas cresceu gradativamente e, atualmente, tem grande prestígio, com participações de alunos de diversos Estados brasileiros e até de outros países da América Latina.

O sucesso resultou na repetição anual do evento. Após duas edições realizadas em modo remoto (2021 e 2022), a edição de 2023 ocorreu presencialmente, de 23 de janeiro a 3 de fevereiro, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto. Assim, o XXI Curso de Verão em Entomologia da USP recebeu 42 estudantes selecionados, que assistiram a uma intensa programação de palestras, workshops, minicursos e atividades práticas, tudo isso proferido por especialistas convidados pela organização, cobrindo áreas como taxonomia, sistemática, filogenia, comportamento, ecologia, desenvolvimento, visitas técnicas, entomologia econômica e cultural [1].

Curso de Verão em Entomologia da USP – Foto: acervo pessoal

Evento na Universidade Estadual do Maranhão – Imagem: acervo pessoal

O sucesso e a longevidade da empreitada dos acadêmicos da USP de Ribeirão Preto, verdadeiro marco na Entomologia brasileira, inspiraram a realização de outra iniciativa muito bem-vinda. Professores do curso de graduação em Ciências Biológicas da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), campus Caxias, realizaram o I Curso de Verão em Entomologia do Nordeste, objetivando proporcionar aos estudantes participantes noções básicas e atuais no estudo dos insetos. As aulas ocorreram entre os dias 6 e 12 de março [2], em formato híbrido, com palestras on-line e minicursos teórico-práticos presenciais, além de uma saída de campo, cobrindo áreas temáticas equivalentes às do evento da USP [3].

Com muita felicidade, tive a oportunidade de participar de ambos os eventos supra mencionados, proferindo a palestra “Entomologia cultural: do pop ao popular”, tendo a versão da USP (presencial) duração de uma hora e a da UEMA (on-line), duas. Essa última encontra-se disponível no canal de YouTube da instituição [4]. Nesses dois momentos de fala, abordei bastante coisa do que nós conversamos aqui neste espaço, usando e abusando dos textos da coluna que contêm algum viés cultural, indo desde as homenagens a celebridades da cultura pop nos nomes científicos [5] e a presença de insetos no futebol [6] até as cantigas de roda [7], crendices [8] [9] [10], ditados [11], religiosidade [12] e outras manifestações da cultura popular com referências a esses animais.

Falar de insetos é sempre muito necessário, quer seja em eventos acadêmicos ou em espaços considerados como leigos. Aliás, nesses últimos é absolutamente necessário, posto que esse importante grupo costuma ter má fama e não ser lá muito querido pela população em geral. A real é que a gente precisa de pessoas passíveis de engajamento na causa da conservação dos insetos pois, afinal, não teríamos um planeta sem eles [13]. Tenho tentado seguir essa forma de divulgação dos insetos à risca, ocupando até mesmo espaços que não são destinados à Entomologia, Zoologia ou às ciências de modo geral. Espaços culturais, por exemplo.

O Instagram costuma ser repleto de “desafios” culturais, com propostas coordenadas e organizadas de se fazer desenhos, poemas, textos e composições diversas, dentro de determinados temas propostos pela organização do tal desafio. E, penso, esses espaços são propícios para se falar um pouco sobre insetos e, eventualmente, atingir um público normalmente alheio ao tema.

Estou participando, por exemplo, de um desafio muito interessante, proposto no Instagram pela Editora 3 Serpentes [14]: escrever diariamente, durante o mês de março, ao menos um micro conto de até 350 caracteres (sem contar espaços nem o título), obrigatoriamente baseados no tema do dia. Dentro desse desafio, coloquei como meta sempre dar um jeito de incluir insetos nos meus micro contos do desafio, o que, evidentemente, aumenta um pouco a dificuldade. Sem qualquer pendor ou expectativa artística, minha participação em um evento de cunho literário pretende apenas aproveitar cada espaço para, simplesmente, falar sobre insetos. Coisa que tenho feito escrevendo, versando, compondo ou desenhando, na base de uma tremenda cara de pau.

Até o momento em que escrevo esta nossa conversa, compus dezenove micro contos. Sem mérito técnico, mas todos com insetos incluídos. Aos que quiserem conferir, está tudo lá no meu Instagram [15]. Seis desses micro contos estão expostos abaixo, com a devida explicação entomológica.

Tema: SEDA

METAMORFOSE
Cada fio de seda é traçado com delicadeza de artesã e precisão de alfaiate. Linha a linha, ponto a ponto, o casulo ganha forma e função. A lagarta vai-se transformar à mariposa.

Os insetos com metamorfose completa, como é o caso da ordem Lepidoptera, apresentam ciclo de desenvolvimento incluindo os estágios de ovo, larva, pupa e adulto. As larvas, que, no caso dos lepidópteros, são conhecidas como lagartas, produzem seda, eventualmente utilizada na confecção dos casulos, onde fica protegida a pupa.

Tema: CACTO

ENTOMOFAGIA
Vegano convicto, brigou na lanchonete após ter recebido um misto ao invés do pão com margarina pedido. Estressado, na volta para casa comeu um docinho de morango, sem saber que o corante fora extraído da cochonilha carmim do cacto opúncia.

O corante natural carmim de cochonilha, muito presente em doces com sabor de morango, é extraído da cochonilha-do-carmim (Dactylopius opuntiae – ordem Hemiptera, família Dactylopiidae), de ampla distribuição mundial, incluindo o Nordeste brasileiro, onde se alimenta em cactos do gênero Opuntia (ordem Caryophyllales, família Cactaceae).

Tema: DINHEIRO

SORTE
Quando o gafanhoto verde entrou pela janela, ele vibrou de alegria pois, na sua família, isso sempre foi sinal de boa sorte. Será que algum dinheiro inesperado estaria por vir? Na manhã seguinte, foi chamado ao RH para acertar o aviso prévio.

Conforme já comentado neste nosso espaço [9], em Santa Catarina há a crendice que diz que os gafanhotos (ordem Orthoptera, família Acrididae) verdes trazem boas notícias, enquanto os de outras cores representam maus presságios.

Tema: GRILO

NOME EM VÃO
Acordou cedo e, após lauto café da manhã, pegou a caminhonete 4×4 para, duas horas depois, chegar ao limite da fazenda. Enquanto acendia o cigarro, escutou o canto tardio de um grilo distante, tipo de protesto velado do inseto por ter seu nome usado em algo tão sórdido quanto a grilagem de terras.

Também já mencionei na nossa conversa [11] que o grilo (ordem Orthoptera, família Gryllidae) inspirou o nome da “grilagem”, prática bandida de envelhecer documentos falsos de posse de terra e, assim, dar-lhes uma aparente credibilidade.

Adultos de insetos da ordem Ephemeroptera vivem em torno de um dia – Foto: Elidiomar Ribeiro da Silva

Tema: RUGAS

EFÊMERA
Acordar, encarar o espelho e enxergar as rugas ainda não cobertas de maquiagem, aumentou-lhe a dor pela rejeição do mercado e do amor. À beira da depressão, ligou a TV e viu num documentário de ciência que há insetos que vivem menos de um dia enquanto adultos. Percebeu que a vida é efêmera demais para sofrimentos.

Os insetos da ordem Ephemeroptera, que também já foi tema nesta coluna [16], passam grande parte da vida no estágio de ninfa, ocupando os ambientes de água doce. À fase ninfal segue-se o estádio de subimago, que é alado e terrícola, mas ainda não completamente amadurecido. Tanto subimago quanto o estádio seguinte, imago ou adulto, não têm peças bucais funcionais, não podendo se alimentar. Assim, a fase adulta é dedicada inteiramente à função de reprodução, durando de poucas horas a alguns dias, dependendo da espécie.

Tema: FOGO

SELETIVIDADE
Com razão, chorou quando viu o martírio das onças nas queimadas no Pantanal. Porém, sem razão, sequer pensou nas incontáveis vidas de insetos e aranhas tiradas pelo mesmo fogo.

Esse foi, literalmente, um tema abordado aqui na coluna [13]. Geralmente nos sensibilizamos muito com o martírio dos animais tidos como mais carismáticos, notadamente os vertebrados. E, por outro lado, desprezamos grupos invertebrados, em que pese sejam exatamente eles os mais destacados pilares da biodiversidade.

Por fim, deixo uma convocação aos que gostam de insetos: falem sobre eles. Sobre as fundamentais ações ecossistêmicas que eles executam, sobre sua maravilhosa importância cultural, sobre qualquer assunto relacionado ao grupo. Façam isso mesmo que represente uma saída da zona de conforto. Ousem e arrisquem. Falem de inseto em todos os espaços, em todas as estações. E um ótimo outono a todos.

Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
no artigo são de responsabilidade exclusiva de seu(s) autor(es).

Sobre o autor / Elidiomar Ribeiro da Silva

Licenciado em Ciências Biológicas, mestre e doutor em Zoologia pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor do Departamento de Zoologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), sendo responsável pelo Laboratório de Entomologia Urbana e Cultural. Entomólogo, tem carreira centrada no estudo da taxonomia das ordens Ephemeroptera, Hemiptera […]