Casal que há mais de 30 anos viaja até os lugares mais remotos do Brasil para fotografar a natureza. São adeptos da ciência cidadã, ou seja, do registro e fornecimento de dados e informações para a geração de conhecimento científico
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Era maio de 2018 e aguardávamos ansiosos pelo maior encontro de observadores de aves do Brasil, o Avistar. Um evento muito importante para os observadores de aves, com muitas palestras interessantes, apresentações de roteiros para viagens e a oportunidade de reencontrar amigos e conhecer pessoalmente observadores que, muitas vezes, só conhecemos pelas redes sociais. É uma excelente oportunidade para ajudar na escolha dos locais para futuras passarinhadas.
Chegado o tão esperado evento, fomos surpreendidos logo no primeiro dia com o convite tentador dos amigos Thomaz Lipparelli e Marcelo Calazans para participar da primeira expedição fotográfica na serra do Amolar, que seria no mês de novembro do mesmo ano. Tudo era muito interessante e diferente: a viagem seria feita em um barco-hotel, o local até então era pouco explorado pelos observadores de aves e a natureza local deslumbrante. Rapidamente nos juntamos a um grupo de amigas e amigos que já tinha decidido participar dessa expedição.
Do Avistar até a chegada da data da viagem, planejamos todos os detalhes e lemos muitos artigos sobre a serra do Amolar. Tudo isso aumentou ainda mais nossa expectativa para essa expedição.
Enfim, chegou o esperado grande dia. Saímos de São Paulo em 13 de novembro e fomos para Campo Grande (MS), onde começaria a expedição. Para começar, vamos falar um pouquinho da serra do Amolar. É um distrito de Corumbá e tem apenas 307 habitantes, estando situada entre Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e a fronteira boliviana. A região é uma das mais misteriosas do Pantanal, sendo considerada distante e secreta. Tem uma geografia peculiar, possuindo montanhas, rios e campos alagados durante o ano inteiro. É um local de difícil sobrevivência para o homem, que precisa aprender a conviver com a água, e onde os índios guatós (antigos habitantes da região) acreditam que a Ilha Ínsua, local onde vivem, é o centro da Terra.
O Amolar não sofre com o ciclo das águas, permanecendo alagado o ano inteiro por causa das montanhas, que formam um contraste não existente em outras partes do Pantanal. Em função do terreno alagado, nessa região ocorrem predominantemente animais aquáticos, como lontras, ariranhas, capivaras, garças, biguás, tuiuiús, antas, além de uma grande quantidade de jacarés. Um animal terrestre que se adaptou a região foi a onça-pintada, que terá grande destaque neste nosso artigo.
No fim do século XIX e início do século XX, o rio Paraguai, que cruza a serra do Amolar, se destacou como importante via de navegação comercial, interligando as cidades pantaneiras à bacia do Prata, o que trouxe crescimento econômico significativo para Corumbá, na época. Parte da região também foi palco da guerra do Paraguai (1864-1870), permanecendo dominada por pelo menos dois anos pelas forças paraguaias. O nome serra do Amolar é devido às pedras de arenito usadas para amolar ferramentas.
Voltando para nossa expedição… Saímos de Campo Grande junto com todos os participantes, sendo que alguns já eram nossos amigos e outros foram se tornando amigos durante a tão sonhada viagem. Pegamos a rodovia MS-262 e fomos tendo surpresas pelo caminho. Encontramos um enorme ninho de tuiuiú com a família e ficamos vários minutos observando e fotografando o comportamento do filhote que ficava o tempo todo saltitando, já ensaiando futuros voos. Muito lindo de se ver! Vimos a alegria no rosto de cada participante pelo fato de poder fazer tão belos registros.
Enfim, chegamos na marina em Corumbá, aonde o grande barco Lord Pantanal com sua equipe nos aguardavam para o início da expedição. Havia uma grande expectativa pelo que viria pela frente. Assim começava nossa viagem.
O Lord Pantanal é barco-hotel com 15 suítes, restaurante, sala de estar e TV, um belo deck com piscina e vários barcos de alumínio a motor para passeios durante o dia. Cada barco de alumínio era conduzido por um piloteiro que conhecia muito bem toda a região. O nosso piloteiro era o Almir, uma pessoa extremamente educada e gentil.
De Corumbá até a serra do Amolar percorremos 250 quilômetros com o barco, Mesmo antes de chegar, saíamos todas as manhãs com os barcos de alumínio navegando pelo rio Paraguai e seus afluentes para conhecer a região e fazer os registros fotográficos – nada escapava das nossas lentes. Os participantes se encontravam para o almoço e de tarde faziam mais uma saída pelos rios.
Paisagens lindas e um verdadeiro paraíso com muita floresta, rios e inúmeros animais e aves.
Em algumas ocasiões, parávamos com o barco para conversar com os ribeirinhos, escutar as interessantes histórias locais e entender um pouco do que significava viver naquele local, sem estradas e onde a forma comum de acesso e transporte são barcos e canoas – inclusive o transporte de animais, visto que o uso de pequenas aeronaves é um privilégio para poucos.
O amanhecer e o pôr do sol eram deslumbrantes. As cores do céu e os reflexos da mata nos rios eram algo de beleza indescritível!
As onças-pintadas da região são extremamente selvagens, não estando habituadas com a presença humana. O sonho e o desafio da maioria dos participantes era encontrar o maior felino das Américas – o rei desse local. Tanto os barqueiros quanto os ribeirinhos se referem à onça-pintada com muito respeito. Algumas histórias contadas por eles ilustraram muito bem a razão desse sentimento de respeito.
Nos passeios pelos rios, nada fugia desapercebido pelo nosso barqueiro. Porém, ver uma onça-pintada na natureza sem auxílio de seva não é uma tarefa fácil. Tal era o nosso desejo de fotografar esse felino que em um belo dia avistamos uma enorme onça em um barranco na beira do rio. O piloteiro desligou o motor do barco e fomos nos aproximando da margem à remo, até encostar no barranco.
Lá estava a onça, agachada dentro de uma moita nos observando. Estávamos a cerca de cinco metros com apenas alguns cipós e ramos nos separando dela. Dada a pequena distância, a lente fixa do Wagner já não conseguia mais focar e ele foi obrigado trocar por outra. A cada foto que tirávamos. percebíamos que o felino estava atento e olhando diretamente para nossos olhos. Na hora ficamos muito empolgados e só pensávamos em fazer belos registros.
Enquanto fazíamos as fotos, um enorme jacaré-de-papo-amarelo ao lado do barco emitia um rugido bem alto, parecendo não estar satisfeito com nossa presença. Para aumentar nossa segurança, afastamos o barco do barranco e nesse momento a onça se levantou e entrou na mata. Foi nossa maior emoção durante toda a expedição. Como dizem os nativos da região: não é você que encontra a onça, é ela que o encontra decide ou não se vai se mostrar para você. Foi de perder o folego!
Voltando para o Lord Pantanal, avistamos um barco de alumínio que vinha em nossa direção. Era a equipe do programa Terra da Gente, da EPTV (retransmissora da Rede Globo em parte do interior paulista), com jornalistas e cinegrafistas que estavam na região produzindo uma reportagem. De pronto, levamos eles até o local do avistamento, mas só foi possível observar as pegadas do felino. Fomos presenteados em poder vivenciar essa emoção e eternizar esse momento com nossas lentes.
Foi uma expedição muito bem planejada e realizada pelos amigos Lipparelli, Calazans e por toda equipe do barco Lord Pantanal.
De volta, trouxemos o conhecimento de que a região já teve no passado o seu momento de glória. Hoje a região tem pequena presença humana e tivemos o sentimento que tanto os ribeirinhos quanto a região estão abandonados à própria sorte. Esperamos que as queimadas que ali estão ocorrendo no momento possam ser controladas e que essa natureza e sua biodiversidade permaneçam para as próximas gerações.
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