Existe no sistema? Reflexão sobre o sistema de destinação de fauna

Um dos importantes apoios às ações de soltura e destinação de fauna é o acesso à informação. Hoje, podemos encontrar facilmente na internet dados sobre o status de conservação de uma espécie silvestre e até dados de avistamento e armadilhamento fotográfico em sites como o Wildlife Insights e o Sistema de Informação da Biodiversidade Brasileira, entre outros.

Esses dados constituem fonte de informação importante quando se trata de avaliar os dados de monitoramento de uma soltura. Outra forma importante da tecnologia são os sistemas eletrônicos de informação para gestão da fauna silvestre.

O Ibama utiliza o SEI, Sistema Federal Eletrônico de Informações. Lá estão relacionados todos os processos, permitindo a manifestação dos interessados e a inserção de documentos. Toda e qualquer soltura de animais passa por uma autorização de destinação para o empreendimento que, devidamente licenciado, recebe os animais acompanhados de um Termo de Transporte e Destinação de fauna. Nesse documento, além dos dados do empreendimento, estão descritos os nomes científico e popular da espécie, a origem do animal (apreendido pela Polícia Militar, por exemplo), número de anilha quando couber, data e quantidade de indivíduos. Ou seja, tudo controlado e conferido.

O estado de São Paulo possui sistema próprio, denominado Sistema Integrado de Gestão Ambiental (Sigam). Conforme consta do site da Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística (Semil) do Estado:

“A principal função do Sigam – Sistema Integrado de Gestão Ambiental é registrar, controlar e fornecer informações (operacionais e gerenciais) sobre processos e documentos relacionados às atividades da SMA (hoje, Semil – observação do Fauna News) e seus órgãos vinculados.  O Sigam oferece apoio operacional e gerencial de acordo com permissões específicas para cada perfil de usuário, com objetivo de facilitar, agilizar e suprir de informações adequadas todos as unidades (internas e/ou externas) relacionadas à SMA e seus órgãos vinculados”.

Legal, não é mesmo?

Em recente Encontro Nacional de Centros de Triagem e Reabilitação de Fauna Silvestre (Enacs), realizado em Jundiaí (SP), um grupo de áreas de soltura, através de um porta-voz, questionou representantes da Semil sobre a necessidade de indicar aos centros de triagem e reabilitação de animais silvestres (Cetras) as Áreas de Soltura e Monitoramento de Animais Silvestres (ASM) com disponibilidade para receber espécimes liberados para destinação. Isto porque cada ASM passa por um demorado processo de autorização de manejo para cada espécie destinada a soltura, inclusive devendo apresentar levantamento atualizado de fauna no local onde se encontra o empreendimento. Nesse sentido, a pergunta feita foi: como melhorar as ações de soltura em uma parceria mais próxima com os Cetras? É possível criar um canal de comunicação direto com os Cetras?

Parece lógico, não é mesmo, caro leitor? Um empreendimento quer destinar e outro quer receber, portanto o canal de comunicação deve ser fácil e rápido, certo?

Mas nada é fácil no mundo da soltura.

A resposta dos técnicos presentes foi um anticlímax. Em menos de cinco segundos a afirmação foi de que todas as informações já estavam disponíveis no sistema.

Ninguém nunca sabe nada! Especialmente quem faz soltura! Foi essa a sensação de quem fez a pergunta, porque não é nada fácil se colocar para um representante oficial do governo em um grupo de mais de 200 pessoas. Não há quem não “trema na base”.

Falta de comunicação entre órgãos

Escrevo este artigo para informar que não, as informações necessárias não estão no sistema. Nem a pau, Juvenal!

Para começo de conversa, quando um Cetras tem animais para destinar, ele deve inserir cada indivíduo dentro do seu perfil no Sigam. Tudo certo? Resolvido? Não. A partir dessa etapa, ele deve encontrar o empreendimento (no caso a ASM) correto para receber cada espécie e, claro, quanto mais demorar o processamento de cada indivíduo, mais difícil será para o animal se adaptar novamente à vida livre. Uma verdadeira corrida de obstáculos.

Será que o sistema já aponta em uma lista todos os empreendimentos de forma automática? Claro que não. É preciso pesquisar. O Cetras, então, deve previamente saber o CPF ou CNPJ do empreendimento. Agora, imaginem fazer isso animal por animal em um cenário de mais de cinco mil animais recebidos por ano! E pergunta se os Cetras têm funcionários especializados só para fazer isso? Claro que não!

Mas, vamos adiante… Imaginado que esse Cetras já tem essa informação. Agora ficou fácil. Nada disso, porque agora o centro tem saber se o empreendimento (ASM) que vai receber possui a autorização de manejo válida para cada espécie.

Será que esta lista está de fácil acesso para o Cetras? Claro que não! É uma planilha Excel com muitas entradas que precisa ser cotejada manualmente pelo empreendimento que deseja destinar. Agora acabou né? Claro que não…

O Cetras, então, depende do aceite de cada animal pela ASM apta a receber dentro do sistema e, só então, o requerimento segue para análise técnica. Quando se está com muita sorte e tudo está certinho, demora um mês. Nesse meio tempo, o animal a ser destinado pode ter morrido? Sim.

Agora, com certeza acabou, né? Não. Isso porque, depois de recebido, o animal, que normalmente a ASM pagou para ir buscar, deve ser dado como recebido no sistema. Caso contrário a página do Cetras fica em aberto, complicando novas destinações. Um passeio no parque, não é mesmo?

Fica bastante claro que a comunicação entre Cetras e ASM está longe de ser próxima e fácil.

Mas poderia ser diferente.

Em que pese que o Sigam representa um avanço e uma segurança na gestão da fauna, é preciso promover mudanças. Se não em resposta aos pedidos das ASM e dos Cetras, mas pelos animais. E o mais incrível é que as informações já estão disponíveis no sistema e poderiam ser melhor integradas para se dizer o mínimo.

Voltando à resposta dos representantes da Semil: afinal, quais informações estão disponíveis a todos?

Existe, de fato, uma página que apresenta um mapa com pontinhos localizando os empreendimentos. Mas essa é a informação que os Cetras precisam?

Como destinar um animal para soltura se não é fácil encontrar o empreendimento, obter informações de autorizações de manejo por espécie de forma fácil e rápida para, ao fim, fazer contato com a ASM?

É isso que não abordamos na discussão sobre protocolos de reabilitação, em que a falta de comunicação entre Cetras e ASMs pode levar a óbito um animal destinado a soltura.

Sem comunicação eficiente não há soltura!

E aí, amigo leitor, está tudo no sistema? Parece que não.

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