Biólogo, mestre em Zoologia e doutor em Ecologia. Foi coordenador do Programa Fauna nos Aeroportos Brasileiros no Aeroporto Internacional de Manaus – Eduardo Gomes e no Aeroporto Internacional de Salvador – Luiz Eduardo Magalhães. Foi Segundo Tenente Biólogo da Força Aérea Brasileira, atuando no Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), na Assessoria de Risco de Fauna. É Sócio Diretor da ProHabitat Assessoria Ambiental.
Conflito entre aeronaves e a fauna existe desde os primórdios da aviação. No entanto, a forma de lidar com essa problemática foi evoluindo ao longo das décadas. Obviamente, no Brasil não foi diferente. Apesar de nossas ações terem se iniciado, de certa maneira, tardiamente, é possível notar como nosso país vem alterando, nos últimos 30 anos, a abordagem relativa ao gerenciamento de risco de fauna (GRF).
Enquanto países como Estados Unidos e Canadá apresentam estudos e métodos de gerenciamento que remetem aos anos 1960, no Brasil, observamos que o risco causado pela presença de animais nas proximidades de aeroportos ou trajetórias de aeronaves foi tratado de diferentes formas ao longo do tempo. Quando olhamos para os anos 1990 e 2000, percebemos que o problema era tratado atribuindo as causas do conflito a questões relacionadas ao desenvolvimento desordenado das cidades e à má gestão dos resíduos sólidos.
Nessa época, a maioria das colisões em nosso país eram com urubus e os debates focavam principalmente em como acabar com os problemas dos lixões a céu aberto. Mas até então, pouco se olhava para dentro dos aeroportos. E os animais que eram atraídos para os aeroportos, que são verdadeiros “oásis verdes” em meio ao ambiente densamente urbanizado?
Até perto do final dos anos 2000, não havia profissionais especializados no tema para atuar dentro dos aeroportos, realizando diagnósticos das espécies que ocupavam os sítios aeroportuários e se envolviam em colisões. A culpa não era apenas dos urubus.
Próximo ao final dos anos 2000, a Infraero, até então maior operadora aeroportuária do Brasil, inseriu biólogos em seu quadro de colaboradores, sendo o risco de fauna um dos focos de atuação desses profissionais. Na sequência, ela firmou um convênio com a Universidade de Brasília (UnB) e implementou o Programa Fauna nos Aeroportos Brasileiros, instituindo equipes de manejo de fauna em diversos aeroportos da rede.
Essa foi uma virada de chave no GRF em nosso país, quando o assunto passou a ser tratado de forma mais técnica. Apesar disso, como todo início de processo, as ações adotadas no escopo do Programa acabaram tendo um viés de manejo direto de fauna, no qual o grande objetivo estava na identificação das espécies de risco e na adoção de medidas sobre as populações dessas espécies, com foco em captura, translocação e, até mesmo, abate.
Hoje, sabemos que ações de manejo direto da fauna fazem parte de um conjunto com diversas outras medidas, que visam mitigar o risco causado pelos animais à aviação. No entanto, a parceria firmada entre Infraero e UnB foi um marco histórico e fundamental para o GRF. O convênio vigorou entre 2009 e 2014.
A década de 2010 foi marcada pela pavimentação legal da temática em nosso país, com a publicação de lei federal, regulamentos, resoluções e portarias de diversas autoridades a respeito do tema. Em 2012, foi publicada a Lei Federal n° 12.725, que dispõe sobre o controle da fauna nas imediações de aeródromos. Em 2014, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) emitiu o primeiro Regulamento Brasileiro da Aviação Civil (RBAC), que tratava especificamente de GRF, o RBAC n° 164. Em 2015, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) publicou a Resolução n° 466, que versa sobre a elaboração e execução de planos de manejo de fauna em aeródromos. Em 2018, o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) publicou o Manual de Gerenciamento de Risco de Fauna, o MCA 3-8.
Todos esses documentos passaram a apontar outros aspectos necessários para um GRF eficiente e eficaz. Os animais, em si, deixaram de ser os únicos problemas e o contexto do ambiente e sua atratividade passaram a ser inseridos nas discussões. Antes de pensar em qualquer tipo de manejo direto de uma determinada espécie, é preciso olhar com cuidado para os fatores que estão contribuindo para sua presença no aeródromo. Desse modo, antes de intervir sobre uma população de animais, é necessário controlar aquilo que os atrai, seguindo uma linha de priorização de ações, como demonstra a ilustração abaixo.
Chegam, então, os anos 2020, e ao que tudo indica, uma nova abordagem do GRF está se estabelecendo. Se tudo começou com foco no manejo de fauna em aeródromos, passando pela inserção do ambiente como peça-chave, agora a abordagem do GRF entra na filosofia do Safety Management System (SMS), que é um sistema de gerenciamento de risco.
Em 2021, a Anac revogou o RBAC n° 164, incorporando o seu conteúdo ao RBAC n° 153, que trata de operação, manutenção e resposta à emergência. Esse regulamento aponta que o operador de aeródromo deve estabelecer e implementar procedimentos de GRF associados ao Sistema de Gerenciamento de Segurança Operacional (SGSO) do aeródromo. O SGSO é uma ferramenta baseada nos princípios do SMS.
Esse sistema é baseado em componentes e elementos que estabelecem as políticas e os objetivos da organização, definem e implementam as medidas de gerenciamento, garantem a eficácia do programa por meio de métricas de desempenho e promovem a cultura de segurança positiva em toda a organização. Hoje, está claro que a abordagem do GRF precisa estar alicerçada nesse modelo de gerenciamento de risco.
No entanto, tratar o GRF no contexto do SMS não chega a ser uma novidade em nosso país, pelo menos quando pensamos do ponto de vista teórico. Uma dissertação de mestrado desenvolvida no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), defendida em 2014, já recomendava a utilização desse modelo no GRF (Oliveira, 2014).
Importante salientar que nenhuma das abordagens citadas neste artigo exclui as demais. Cada uma vem para complementar e aperfeiçoar a forma como o problema é tratado, quantificando o grau de risco, adotando as medidas mitigadoras necessárias e garantindo, assim, que as aeronaves operem dentro de níveis de risco aceitáveis, incluindo os riscos decorrentes da presença de fauna nos aeródromos brasileiros.
Referências
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