Por Raul Rennó Braga
Biólogo, mestre e doutor em Ecologia e Conservação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Atualmente, é professor da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e pesquisador colaborador do Laboratório de Análise e Síntese em Biodiversidade (LASB) da UFPR e do Laboratório de Ecologia e Conservação (LEC) da mesma instituição. Atua principalmente com pesquisas relacionadas a ictiologia e a invasões biológicas.
aquaticos@faunanews.com.br
Espécies exóticas (não nativas de uma região) são uma ameaça global à biodiversidade, sejam elas de plantas, de microrganismos ou, como já abordamos em outro artigo (“Um passaporte brasileiro para espécies exóticas. O caso da tilápia“), de peixes. Frequentemente, há maior incidência dessas espécies em locais próximos a centros urbanos ou com grande influência de alguma atividade antrópica (humana). Por isso, quando se trata do bioma amazônico, intuitivamente imaginamos que essa problemática não será muito intensa.
Mas será que realmente não devemos nos preocupar?
Um estudo recente publicado mês passado na revista Frontiers in Ecology and Evolution por um grupo de pesquisadores do Brasil, Peru, Bolívia, Equador, Venezuela e Colômbia mostra que devemos sim nos atentar aos potenciais impactos causados por peixes exóticos na Amazônia e que o número de espécies é muito maior do que antes descrito.
Ao buscar informações em publicações científicas e registros de museus de história natural (ainda bem que nem todos sofreram incêndios), os pesquisadores criaram uma base de dados inédita para peixes exóticos na Amazônia, que até o momento conta com mais de 1.300 registros divididos em 41 espécies identificadas. Até então, outros estudos apontavam a presença de, apenas, entre 5 e 18 espécies exóticas de peixes na região.
A maioria das espécies são conhecidas por serem utilizadas na aquicultura, aquariofilia e pesca esportiva, indicando então quais são as principais atividades responsáveis pela introdução delas. Com maior número de registro estão o pirarucu (Arapaima gigas), a tilápia (Oreochromis niloticus) e o guppy, também conhecido como barrigudinho (Poecilia reticulata).
Os levantamentos apontaram que o primeiro registro data de 1939, no entanto 75% foram feitos nos últimos 20 anos. Essa aceleração é bastante preocupante já que demonstra que a questão está muito longe de ser controlada e, pelo contrário, enfrentaremos ainda muitos problemas ecológicos no futuro.
Infelizmente, ainda poucos estudos avaliaram as consequências dessas espécies na região, apesar de, em muitos casos, como o da tilápia, já serem conhecidos intensos impactos ecológicos em diversos rios do mundo todo. No caso do grande número de registros do pirarucu, é importante ressaltar que se trata de uma espécie de grande porte que pode atingir três metros de comprimento e pesar 200 quilos. Quando adulto, se alimenta de ao menos dez espécies de peixes comercialmente importantes. Percebe-se, portanto, que seu potencial impacto é muito grande, especialmente por se tratar de uma população em crescimento.
Agora a Amazônia se preocupa não só com o avanço das atividades agropecuárias, construção de barragens e mineração, mas também com espécies de peixes exóticos que podem começar a impactar a comunidade local e, consequentemente, a pesca artesanal. Estamos diante de um novo desafio na tentativa de manter a integridade dos ecossistemas aquáticos do bioma. Considerando o conhecimento ainda escasso sobre a biodiversidade na Amazônia, espécies podem ser extintas sem serem conhecidas pela Ciência.
O arco do desmatamento na região sul e leste da Amazônia deve ser a porta de entrada de muitas espécies exóticas. O rio Madeira, por exemplo, apresentou o maior número de espécies não nativas. A invasão do pirarucu no alto rio Madeira tem sido especialmente preocupante devido ao aumento expressivo de sua população. Inclusive, a pesca como medida de controle nessa região foi implementada. Esse caso ressalta a complexidade das medidas de controle e da legislação, uma vez que a espécie ocorre naturalmente no baixo rio Madeira. Parece estranho? Mas sim, uma espécie pode ser exótica e invasora mesmo dentro de um mesmo rio, basta que ela seja transportada para uma localidade em que não conseguiria chegar sem o auxílio do homem. No caso do pirarucu do rio Madeira, uma série de corredeiras que separa o baixo (região mais próxima de onde ele deságua) do alto rio (região mais próxima da nascente) atuou historicamente como uma barreira geográfica para a colonização natural da espécie na porção a montante (do alto Madeira).
Uma espécie de peixes quando é introduzida em um novo rio é inicialmente “invisível”, ou seja, extremamente difícil de se encontrar um indivíduo, especialmente numa região tão vasta como a Amazônia. É muito diferente de espécies de plantas exóticas, por exemplo, que estão visíveis aos olhos de quem passa por ela. Somente quando as espécies já estão presentes há algum tempo, se reproduzindo e sua população está crescendo é que sua presença se torna perceptível. O problema é que nesse estágio já é muito difícil que alguma medida seja tomada para retirá-la do ambiente. Por isso, é extremamente importante que as espécies não sejam introduzidas.
Sabemos que as introduções ocorrem principalmente pelo escape acidental de tanques de aquicultura que não possuem barreiras efetivas para impedir que. em eventos de cheias, os rios inundem os tanques e os peixes escapem. Se a fiscalização e regulamentação dessas atividades são complexas em outras regiões do Brasil, na vasta área da Amazônia é difícil imaginar uma situação mais eficiente.
O descuido dessas atividades pode trazer um custo ambiental difícil de ser pago no futuro. Infelizmente, se nem mesmo atividades como desmatamento estão sendo combatidas eficientemente no país, é complicado imaginar uma problemática desconhecida de boa parte da população tendo um destino diferente.
– Leia outros artigos da coluna AQUÁTICOS
Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
no artigo são de responsabilidade exclusiva de seu(s) autor(es)