Bióloga pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde é mestranda junto ao Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF)
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Compreender o processo de transmissão de um patógeno é essencial para desenhar as estratégias de controle de uma doença. A dinâmica que observamos em enfermidades infecciosas é determinada por processos com múltiplas escalas, sendo dois particularmente importantes e que podem um influenciar ao outro: o primeiro está relacionado ao progresso da infecção em um único indivíduo e o segundo em como ela é transmitida entre múltiplos indivíduos de uma população. Sendo assim, o caminho da doença pode apresentar diferentes padrões, pois a transmissibilidade pode mudar dependendo do indivíduo que ela infecta, onde ele se encontra e qual o comportamento que o infectado apresenta.
Eu poderia tratar aqui sobre a pandemia que estamos vivendo. E não haveria melhor momento e circunstâncias para exemplificar a importância de identificar os processos e as dinâmicas de uma doença a fim de prever e prevenir sua disseminação e, assim, preservar vidas. Mas estou abordando um estudo, publicado em março de 2020, que analisou os caminhos de transmissão de um fungo que acomete plantas e que se dispersa por esporos. Os pesquisadores consideraram uma rede de transmissão complexa para entender a disseminação dessa doença.
Os resultados do estudo mostraram que a malha de estradas determina onde esse patógeno ocorre, não apenas por propiciar um habitat favorável à planta hospedeira do fungo, mas por também aumentar a transmissão dele ao longo das rodovias, que servem de corredores para doença. Assim como acontece com a Covid-19, onde há mais estradas há maior chance dispersão do patógeno (confira em matéria da Forbes e em artigo científico). No caso do fungo, conforme os veículos passam próximos à vegetação da margem das rodovias, produzem uma rajada de vento que “varre” os esporos e os espalha pelas plantas seguintes.
Embora esse estudo trate de uma doença que atinge a flora, ele serve de alerta, já que outros patógenos, com características similares de disseminação e que podem atingir a fauna, também tenderiam a seguir esse padrão. Uma pesquisa de 2017 também encontrou essa relação das rodovias com os patógenos, sendo facilitadoras para a disseminação do vírus da raiva em cães domésticos. Outro caso, mais conhecido, é o do fungo quitrídio (Batrachochytrium dendrobatidis), que já atingiu mais de 500 espécies de anfíbios no mundo, fenômeno apontado como a maior pandemia da vida silvestre. Apesar de ainda estar sendo estudada, sabe-se agora que o fungo teve origem na Ásia e se espalhou pelas populações de anfíbios com “ajuda” dos seres humanos, sendo o transporte global o grande facilitador.
Boa parte do que se sabe sobre a dispersão de doenças facilitada pelas rodovias vem de pesquisas relacionadas à agricultura ou às doenças humanas e de animais domésticos. São pioneiros os estudos que avaliam isso dentro do contexto da fauna e flora silvestres. Entretanto, com o aumento da malha viária, inclusive em áreas mais remotas, cortando remanescentes de vegetação nativa e grandes florestas, uma nova rede para transmissão de patógenos pode ser criada – o que merece a nossa atenção. Estejamos melhor preparados para enfrentar novas epidemias e pandemias e sejamos capazes não só de desenvolver ferramentas para avaliar os caminhos dessas doenças, mas de tomar atitudes individuais e coletivas, baseadas em evidências científicas, que de fato contenham o avanço de patógenos seja em populações da flora, da fauna ou na nossa.
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