Por Gabriela Schuck de Oliveira
Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e mestranda junto ao Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF) da mesma instituição
transportes@faunanews.com.br
Uma estrada pode ser classificada de diversas formas, mas normalmente é definida como uma via rural não asfaltada de uso livre. Neste artigo, vamos falar de estradas que têm acesso restrito, além de tráfego e velocidade reduzidos. Elas não estão imunes de impactos negativos para fauna, mas em situações excepcionais podem oferecer certos benefícios.
É o caso dos acessos internos e aceiros (abertura na vegetação para impedir a propagação de fogo, que também pode ser interpretado como uma estrada) da Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Sesc Pantanal, que possui 107.996 hectares e uma densidade de aproximadamente 0,22 quilômetro de estradas por quilômetro quadrado. Essas vias são utilizadas para movimento interno dos funcionários e combate ao fogo.
Vale lembrar que estradas em outras unidades de conservação normalmente não são semelhantes aos acessos internos da RPPN Sesc Pantanal e podem gerar muito mais impactos do que benefícios. Isso porque muitas são asfaltadas, possuem o tráfego livre e os usuários não respeitam a velocidade máxima permitida, ocasionando frequentemente atropelamentos. Inclusive a presença de estradas pode auxiliar o acesso de pessoas que colocam fogo de forma criminosa, além de desmatamento, caça e tráfico de fauna.
Ainda que a utilização de estradas como rota de fuga de fogo possa ser uma armadilha ecológica por causa dos atropelamentos, em situações específicas, como a da RPPN Sesc Pantanal, elas podem ser uma grande aliada dos animais sobreviventes. Muitos animais tendem a seguir rotas lineares e após o fogo ficam desnorteados e evitam pisar no solo queimado, então acabam optando por andar em caminhos “limpos” como as estradas.
Na RPPN Sesc Pantanal, esse comportamento da fauna foi observado por pesquisadores e então planos emergenciais foram acionados para auxiliar no oferecimento de recursos para os animais sobreviventes das queimadas recentes. Foram instalados 163 cochos de água ao longo das estradas e nove toneladas de alimentos distribuídos junto aos cochos e em outros ambientes que a fauna costuma utilizar, como tanques de água e barreiros. Além disso, o acesso da equipe de resgate a ambientes que os animais estão utilizando no pós-fogo só foi possível por conta da existência das estradas e aceiros, que estão em constante manutenção para a realização dessa ação. Apesar desse plano emergencial ainda estar em andamento, já é possível observar a fauna utilizando os recursos oferecidos, que continuarão ofertados até que a vegetação pós-fogo se regenere e os ciclos sejam restabelecidos.
Essa situação da RPPN Sesc Pantanal é excepcional, mas deve ser relatada e divulgada já que estamos passando por uma situação catastrófica de queimadas no país. É praticamente um ato humanitário dar suporte aos animais que tanto estão sofrendo as consequências do fogo. Apesar de nos passar conforto ver a fauna recebendo ajuda, devemos entender que essas ações são medidas paliativas e não soluções. Mesmo oferecendo esse suporte, devemos nos preocupar com a luta contra os incêndios criminosos que causam tanta devastação e sofrimento para a natureza.
– Leia outros artigos da coluna FAUNA E TRANSPORTES
Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
no artigo são de responsabilidade exclusiva de seu(s) autor(es)