Por Fernanda Zimmermann Teixeira
Bióloga, mestra e doutora em Ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É pós-doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ecologia e integrante do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF)
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Pontes de dossel são uma medida de mitigação com grande potencial para mitigar a perda de conectividade para animais arborícolas causada por infraestruturas lineares. Além da conectividade, elas também têm o potencial de reduzir o número de fatalidades de animais arborícolas em rodovias e ferrovias, caso eles prefiram atravessar pela ponte e não pelo chão.
Estudos sobre os efeitos de infraestruturas lineares e medidas de mitigação focados em espécies arborícolas ainda são escassos no mundo todo. Até o ano passado, existiam pouquíssimos trabalhos publicados com esse foco, sendo a Austrália e o Brasil dois países com pesquisas pioneiras nesse tema. Para tentar ampliar o conhecimento sobre a potencialidade das pontes de dossel como medidas mitigadoras para animais arborícolas e estimular a divulgação de dados de estudos já realizados, mas não publicados, reunimos seis pesquisadoras de diferentes países (Brasil, Austrália, África do Sul, Estados Unidos e Reino Unido) e criamos uma edição especial no periódico Folia Primatologica sobre pontes de dossel. Aos poucos, os primeiros artigos estão sendo publicados, como o que abordamos há pouco tempo, e logo mais todos estarão disponíveis.
Um desses artigos é de um estudo com as pontes de corda instaladas no Parque Estadual Fontes do Ipiranga, onde fica o Zoológico de São Paulo, na capital paulista. Quatro pontes de dossel foram instaladas no parque, sendo a primeira em 2009, a segunda em 2017 e as duas últimas em 2019, inspiradas no modelo de ponte desenvolvido pelo Programa Macacos Urbanos, em Porto Alegre (RS). As pontes foram motivadas por casos de acidentes envolvendo bugios-ruivo na região. Em 10 anos (2012-2021), dos 237 atendimentos envolvendo bugios, 144 foram identificados como tendo sido causados por atividades antrópicas. Desses, quase metade foram casos de eletrocussão (40%), seguidos por quedas em substratos pavimentados (31%) e colisões com veículos (28%).
O número de acidentes envolvendo bugios parece ter diminuído nos pontos onde foram instaladas as pontes. Um resultado muito interessante que o estudo apresenta é o tempo de habituação dos animais às pontes, que em uma delas foi de apenas dois dias! Quer dizer que dois dias após a instalação, alguns dos indivíduos mais jovens do bando começaram a atravessar. Em 10 dias, os adultos fizeram o mesmo. O monitoramento com armadilhas fotográficas também indicou que uma ponte sem uso pelos animais precisava de adequações na sua ligação com a vegetação do entorno, demonstrando a importância desses detalhes para o sucesso da mitigação.
Mas os resultados vão além dos bugios. O monitoramento demonstrou que as pontes também foram utilizadas por outras quatro espécies de mamíferos arborícolas: o ouriço-cacheiro (Coendou spinosus), o gambá-de-orelha-preta (Didelphis aurita), os saguis (Callithrix sp.) e a cuíca-lanosa (Calumorys philander). Por fim, também foi possível identificar variações na forma de locomoção de diferentes espécies nas pontes e até mesmo entre indivíduos de diferentes tamanhos corporais, como jovens e adultos de bugios que usavam diferentes partes da ponte para se locomover.
Estudos como esse demonstram como as pontes de dossel podem ser uma medida interessante para diferentes espécies e, principalmente, são um exemplo de como o monitoramento posterior é fundamental para aumentar o nosso conhecimento e subsidiar o planejamento de novas estruturas como essas em outros locais. Que mais estudos sejam desenvolvidos e publicados com as pontes por aí!
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