Estado de São Paulo não investe em soltura de fauna apreendida

O estado de São Paulo, por meio da Secretaria de Meio Ambiente (Simpla), está promovendo um encontro com diferentes atores ligados ao manejo de fauna silvestre. Este encontro tem como finalidade criar um plano de destinação de fauna que pretende promover um melhor aproveitamento dos recursos já existentes e permitir a definição de necessidades e demandas para esse assunto tão complexo.

O estado de São Paulo, semelhante ao Ibama, possui um sistema digital ambiental, denominado SIGAM, que permite a integração de diferentes áreas ambientais, inclusive integrando o portal eletrônico do Ibama, o SEI.

Dentro do SIGAM existe um painel denominado Plano de Destinação de Fauna – Painel, com dados sobre fauna apreendida por ano, por tipo e por localidade. A plataforma compila dados de 2017 até 2021.

Mas qual a relação dessa plataforma com as ações de soltura realizadas no Estado? Em uma única palavra: compreensão!

De acordo com os dados da plataforma, o estado de São Paulo possui 48 áreas de soltura, em um universo de 699 empreendimentos de fauna divididos em outras oito categorias, tais como zoológicos, associações de criadores amadores e criadores comerciais. Porém apenas áreas de soltura estão diretamente ligadas à ação de soltura, o que representa apenas cerca de 7% dentro do total de empreendimentos.

Ainda há que se ressaltar que, apesar de estarem cadastrados 48 empreendimentos como áreas de soltura, nem todos possuem o licenciamento para a realização regular da atividade, seja porque estão em início do processo de cadastro, seja porque estão inabilitados para recepção de animais.

Outro dado interessante da plataforma é que, de todos os animais silvestres recebidos, apenas 31,2% vão efetivamente para soltura, sendo o restante, 68,8%, destinados a cativeiro – ou o que o sistema chama de “outros”. Isso significa que, geralmente, não é feita a soltura.

O Relatório de Qualidade Ambiental do estado de São Paulo (RQA 2022) indica, na página 247 do documento, os dados da atuação da Polícia Militar Ambiental paulista no que tange a destinação de fauna silvestre. Do total de animais de 2021, apenas 25% dos animais foram para centros de reabilitação, zoológicos ou “outros”. Lembrando que as áreas de soltura licenciadas pelo estado só podem receber animais vindos dos centros de triagem. Em resumo, no ano de 2021, de acordo com a PM Ambiental e conforme consta no relatório oficial, apenas 37,7% dos animais foram destinados à soltura, contra 62,3% de destinação para outras finalidades.

Independentemente do que se possa argumentar, os dados falam mais alto. Isto é, tanto a atuação da PMA quanto a atuação do sistema paulista de fauna têm mantido animais silvestres em cativeiro em empreendimentos licenciados ou até mesmo com os próprios infratores acusados de crimes ambientais na condição de “fiel depositário”. De acordo com os dados do sistema ambiental paulista até 2021, 29.443 animais silvestres foram destinados sob a etiqueta de “Depósito”.

Soltura deveria ser prioridade
Agora vejamos o que diz a legislação. O estado de São Paulo possui uma enorme quantidade de Resoluções e Decretos relacionados à destinação de fauna, porém até hoje o poder público paulista não foi capaz de produzir uma Política Estadual de Fauna Silvestre. Isso que dificulta muito o trabalho de quem atua na área, uma vez que é preciso uma constante vigilância para saber o que vale ou não vale em termos de fauna. A situação é tão complexa que ,muitas vezes, o Estado se vale até de mesmo de Instruções Normativas de órgãos federais para criar orientações. Mas, até o momento, o que vale é mesmo é a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998). Analisemos a seguir:

“Artigo 25 – Verificada a infração, serão apreendidos seus produtos e instrumentos, lavrando-se os respectivos autos.

Parágrafo 1º –  Os animais serão prioritariamente libertados em seu habitat ou, sendo tal medida inviável ou não recomendável por questões sanitárias, entregues a jardins zoológicos, fundações ou entidades assemelhadas, para guarda e cuidados sob a responsabilidade de técnicos habilitados.

Parágrafo 2º – Até que os animais sejam entregues às instituições mencionadas no § 1º deste artigo, o órgão autuante zelará para que eles sejam mantidos em condições adequadas de acondicionamento e transporte que garantam o seu bem-estar físico.”

Se a prioridade é soltar, mas não soltamos, qual a justificativa? Claro! A falta de áreas de soltura! Então, como sanar esse empecilho? Abrindo e cadastrando áreas de soltura.

Vejamos a seguir como abrir e cadastrar uma área de soltura no estado de São Paulo.

Transcrevo abaixo o conteúdo do link.

“Áreas de Soltura e Monitoramento de Fauna Silvestre: são empreendimentos homologados pelo órgão ambiental competente, autorizados a receber, soltar e monitorar animais silvestres. Serão soltos os animais que depois de tratados e reabilitados pelos Cetas e Cras, foram avaliados pela equipe técnica como tendo condições de retornar à vida em liberdade e somente aqueles cuja espécie ocorre ou ocorria naturalmente na área onde será solto. De uma forma resumida uma Área de Soltura e Monitoramento de Fauna Silvestre consiste em:

– uma área pública ou privada, cujas características de flora e fauna sejam conhecidas.
– Uma estrutura mínima composta por cozinha para preparo/armazenamento de alimentos, uma sala de recepção e avaliação de animais, recintos para ambientação e soltura. Os recintos devem ser adequados para as espécies cuja soltura é possível e requerida na região. Sua complexidade pode variar de telas com suporte ou edificações em alvenaria.
– Uma equipe técnica responsável por cuidar dos animais enquanto no processo de reabilitação e para o monitoramento dos animais soltos ao longo das atividades. Pode ser composta de biólogo(s) ou veterinário(s), ou tratadores.

Programas de Soltura e Monitoramento de Fauna Silvestre: O espécime da fauna silvestre nativa somente poderá ser destinado para o programa de soltura mediante aprovação de projeto, de acordo com as seguintes finalidades:
I – Reintrodução;
II – Reforço populacional; ou
III – Experimentação visando o desenvolvimento de procedimentos para soltura.
O interessado em realizar o programa de soltura de animais silvestres deverá obter autorização prévia (AP) e autorização de soltura (AS).”

Vale destacar que os procedimentos para criação de Áreas de Soltura e Monitoramento de Fauna e Programas de Soltura estava, descritos na antiga Instrução Normativa Ibama n° 179/2008.

Ufa! Não precisa quase nada, não acham?

Detalhe: a Instrução Normativa do Ibama sobre áreas de soltura já foi atualizada duas vezes depois de 2008! A de 2008 não vale mais! Mas para a secretaria continua sendo uma referência válida.

Poder público não apoia áreas de soltura
Mais uma curiosidade: adivinha quem paga todos os custos de implantação de uma área de soltura? O proprietário! Agora, por favor, perguntem se os proprietários recebem algum tipo de incentivo financeiro ou até mesmo fiscal? Necas de pitibiriba! Nadinha! Legal, né?

O artigo de hoje tem a finalidade de nos fazer refletir sobre o que fazemos, de fato, quando realizamos o manejo de fauna silvestre apreendida ou resgatada. Se o animal sobrevive, hoje no estado de São Paulo, de acordo com os dados de 2021, vai majoritariamente para cativeiro.

As áreas de soltura licenciadas no estado de São Paulo só tem uma opção de ação dentro do sistema eletrônico: o da rejeição de lotes. Ou seja, as áreas de soltura não tem vez dentro do sistema de fauna, não escolhem espécies, não se manifestam sobre reabilitação nem o tamanho dos lotes a serem recebidos. No entanto, a falta delas parece ser o maior problema do sistema de fauna, pois os atores ligados à apreensão ou destinação batem sempre na mesma tecla: não destinamos para soltura porque não existem estas áreas disponíveis!

Agora que já temos os dados e já sabemos o que acontece, está mais do que na hora de mudarmos esse jogo.

Os animais silvestres que tenham condições precisam e devem voltar para o lugar de onde saíram e isso implica em translocação para reforço populacional (nome técnico para soltura), em repatriação para as espécies traficadas de outros biomas e em reintrodução de espécies extintas em áreas de sua distribuição histórica.

Para a conservação real da fauna é preciso também combater efetivamente o tráfico de animais, coibir os atropelamentos com a instalação de passagens de fauna e educar as pessoas sobre a o valor e a importância do patrimônio natural brasileiro. Se continuar como está, os animais silvestres não sobreviverá por mais muito tempo.

Lugar de animal silvestre é no seu bioma natural!

Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
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