Por Ana Carolina Pontes Maciel
Bióloga, especialista em Gerenciamento Ambiental e mestra em Sustentabilidade na Gestão Ambiental. É militar da Força Aérea Brasileira na Guarnição da Aeronáutica de Canoas (RS), trabalhando com logística sustentável, meio ambiente e segurança de voo. Integra a REET Brasil
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Espécie-problema, do ponto de vista da aviação, é aquela que interfere, direta ou indiretamente, na segurança da operação nos aeródromos, tanto localmente quanto em âmbito nacional. Em geral, esses animais são sinantrópicos, isto é, beneficiam-se da presença e alterações causadas no ambiente pelo homem. Hoje, conheceremos algumas das principais, presentes no ranking brasileiro de severidade relativa de espécies de fauna, e o que as leva a estarem presentes no ambiente aeroportuário.
No ano de 2019, foram reportadas 185 colisões de aeronaves com fauna (birdstrikes) que causaram danos em todo Brasil – ou seja, eventos que tiveram como consequência alguma avaria ou estrago, ainda que não tenha ocorrido impacto entre aeronave e animal (CENIPA, 2020).
Dessas, 33 ocorreram com urubus de três diferentes espécies, todos da família Cathartidae, mas com destaque para o urubu-de-cabeça-preta (Coragyps atratus), liderando esse ranking. Houve também a presença do urubu-de-cabeça-amarela (Cathartes burrovianus) e do urubu-de-cabeça-vermelha (Cathartes aura), porém em quantidade bem menor, já que são espécies mais sensíveis à presença humana. Em segundo lugar, com 19 reportes, está o quero-quero (Vanellus chilensis), e, em terceiro, o carcará (Caracara plancus), com 13 reportes. Mas o que faz com que essas aves estejam no ambiente aeroportuário?
Urubu-de-cabeça-preta (Coragyps atratus): na artigo de 25 de junho (“Cuidar do vizinho não é fofoca: na aviação é caso de vida ou acidente com fauna”), vimos um pouco sobre como esses animais são atraídos para o entorno de aeródromos, especialmente quanto à questão de vazadouros de lixo e resíduos orgânicos. Remanescentes de áreas verdes nas proximidades dos locais com grande oferta de alimento também podem ser utilizados pela espécie como dormitórios comunitários. Coragyps atratus é uma espécie importante para o gerenciamento de risco de fauna pelo porte (1,6 a 2 quilos) e pelo hábito de voar em bandos.
Quero-quero (Vanellus chilensis): beneficia-se da área aeroportuária pela presença de grandes extensões gramadas, que, abrigando inúmeros artrópodes e pequenos moluscos, oferecem alimento além de um ambiente propício para nidificação. Aves dessa espécie constroem ninhos em substrato rochoso ou em grama baixa e se reproduzem principalmente durante a primavera. Outro fator que coloca o quero-quero na lista de espécies-problema, além da sua alta frequência nos aeroportos, é um comportamento chamado mobbing. Ao se sentirem ameaçados, ficam agitados e passam a voar e a vocalizar, muitas vezes investindo em direção ao potencial predador. Esse temperamento “briguento” os deixa vulneráveis em um local onde há movimentação de aeronaves.
Carcará (Caracara plancus): é normalmente atraído às atividades de roçagem de gramado. É uma ave generalista, que pode se alimentar de artrópodes, pequenos roedores, aves menores, frutos e até mesmo vísceras de animais, podendo ser encontrado junto aos urubus. Quando a grama é roçada, os insetos ficam bastante expostos e se tornam presas fáceis, facilitando o forrageio do Caracara plancus, que pode acabar se aproximando demais ou até mesmo cruzando as pistas de pouso e decolagem em busca desse banquete – aumentando, portanto, o risco de colisão.
Colisões com danos também podem ser causadas por espécies de menor porte, como morcegos e andorinhas, como aconteceu em alguns eventos reportados no ano de 2019, especialmente se esses animais estiverem voando em bandos e mais de um indivíduo colidir – o que chamamos de colisões múltiplas – pois, nesse caso, a massa total, ou seja, a soma das massas de cada um dos indivíduos que se envolveu na colisão, é maior, tornando o evento bastante significativo.
Por meio desses exemplos é possível notar que cada espécie é atraída ao ambiente aeroportuário e seus arredores por diferentes fatores, além de ter comportamentos distintos. Logo, é fundamental conhecê-las e estudá-las, a fim de subsidiar as ações de manejo.
Por fim, o dado que mais deve nos chamar atenção dentro dessas estatísticas é o de espécies não identificadas, que totalizam 53% das colisões com dano. A falta da identificação dificulta as ações de gerenciamento. Por esse motivo, é importante recolher e fotografar as carcaças de animais envolvidos em birdstrikes, sempre que presentes, ou coletar amostras de material para análise genômica, quando for o caso, de acordo com as normativas que regulamentam o tema. Conhecer as espécies envolvidas nesses eventos permite o estudo de seus atrativos e a proposição de medidas de manejo adequadas – motivo pelo qual o setor de aviação vem buscando ampliar a capacidade de identificação em laboratório.
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