Espécie brasileira pode ajudar a entender maior evento de diversificação de espécies

Aqui na Túnel do Tempo, a gente tem muito o costume de escrever sobre os fósseis de vertebrados. Ou é dino ou é croc ou é tartaruga, e por aí vai. Acontece que, desta vez, a coluna vai voltar mesmo no tempo para falar de um invertebrado. Esse animal é das antigas, datado do Pré-Cambriano (período datado da formação da Terra, há cerca de 4,6 bilhões de anos, até aproximadamente 542 milhões de anos) e foi encontrado no Mato Grosso do Sul.

O nome desse animal é Corumbella werneri. Os primeiros fósseis foram encontrados na década de 1970 na região de Corumbá, mas sua descrição formal aconteceu somente em 1982. Já dá para ver que o nome do gênero faz referência à cidade. Outros fósseis dessa espécie também foram encontrados no Paraguai, que faz fronteira com o Mato Grosso do Sul, e na América do Norte.

Agora é que voltamos muito no tempo. A Corumbella foi encontrada em rochas da formação Tamengo, que datam dentro de um intervalo de 555 a 542 milhões de anos atrás. Essa idade é correspondente ao finalzinho de uma era chamada Neoproterozoico, quando alguns eventos muito importantes da história terrestre aconteceram, como a Terra Bola de Neve e a formação de dois supercontinentes, Rodínia e Pannotia – eventos cruciais para todos os que aconteceram depois. Esse finalzinho de era corresponde a um período chamado Ediacarano, um tempo em que houve uma grande expansão da vida multicelular nos mares da Terra.

Muitos desses seres foram descobertos e descritos, porém vários são compostos somente por partes moles, cujas impressões nas rochas tornam bastante difícil a associação a algum grande grupo de ser vivo, especialmente de animais. Algumas espécies possuem partes mineralizadas, mas não tanto quanto os animais que surgiram na Explosão Cambriana, quando fósseis de todos os grandes grupos animais conhecidos (como artrópodes, moluscos e cordados) já foram encontrados.

Uma espécie que possui partes mineralizadas é a Corumbella. Foi um animal séssil, fixo ao substrato marinho, com o corpo composto por uma série de anéis rígidos mineralizados, cujas articulações davam flexibilidade ao mesmo tempo em que davam estrutura e um aspecto tubular a ele. A afinidade taxonômica da Corumbella é controversa. Ela já foi considerada como um cnidário cifozoário, o grupo das águas vivas em que a fase de vida livre natante, chamada medusa, é predominante; mas também foi classificada com afinidade aos anelídeos do grupo Siboglinidae, vermes que atualmente habitam as fontes termais oceânicas.

Difícil classificação da espécie
O fato de a Corumbella ter anéis mineralizados levanta a pergunta sobre como ocorreu o surgimento dessa característica de muitos vertebrados. Lembrando que existem muitos animais que assimilam compostos minerais, como aqueles formados por cálcio, e formam estruturas rígidas, um processo conhecido por biomineralização. A concha dos moluscos e os ossos dos vertebrados são resultados de biomineralização.

Como se pode deduzir, essas partes rígidas dão bastante vantagem de sobrevivência. Tanto que na Explosão Cambriana, logo após o fim do Ediacarano, muitos dos grupos animais que surgiram possuíam partes mineralizadas e/ou rígidas, como os artrópodes, e obtiveram um enorme sucesso de diversificação.

Entretanto, antes desse evento importante acontecer, alguns processos vitais já deveriam ter surgido, mesmo que existindo de formas diferentes nas espécies do Ediacarano. E a Corumbella pode trazer informações valiosas quanto a isso.

Uma pesquisa recente de pesquisadores brasileiros conseguiu detectar que as partes rígidas da Corumbella foram formadas por um processo controlado pelo próprio animal. Esse resultado evidencia que a biomineralização surgiu antes da Explosão Cambriana, como já era previsto. Além do mais, a organização dos anéis mineralizados tornava o corpo do animal flexível e, junto com a organização corporal dele, permitiu identificar uma afinidade de parentesco com os animais bilaterais (aqueles cujos corpos são divididos nos lados direito e esquerdo).

Entretanto, isso não significa que a Corumbella seja um parente desses animais, uma vez que a fauna do Ediacarano é composta principalmente por partes moles cuja fossilização, nas raras ocasiões em que ocorre, dificilmente preserva evidência morfológica suficiente para comparar com espécies que surgiram nos milhões de anos seguintes. Um fator crucial para se entender melhor essa questão é que se encontrem fósseis cujas partes mineralizadas estejam associadas às partes moles.

A Corumbella é um fóssil essencial para se entender o desenvolvimento da vida no planeta, particularmente a Explosão Cambriana. O que sua estrutura morfológica mostra é que os processos biológicos necessários para a fabricação de estruturas rígidas e mineralizadas já existiam ao final do Ediacarano e culminaram no surgimento de vários grupos animais com partes duras. Inclusive, é possível que a transição para a diversificação Cambriana tenha começado ainda no Ediacarano.

Referências
– Babcock LE et al. 2005. Corumbella, an Ediacaran-grade organism from the Late Neoproterozoic of Brazil. Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology 220, 7-18.
– Osés GL et al. 2022. Ediacaran Corumbella has a cataphract calcareous skeleton with controlled biomineralization. iScience vol. 25, no. 12, 105676.
– Pacheco MLA et al. 2015. Insights into the skeletonization, lifestyle, and affinity of the unusual Ediacaran fossil Corumbella. PLoSONE 10(3): e0114219.
– Walde DH et al. 2019. Taphonomy of Corumbella werneri from the Ediacaran of Brazil: sinotubulitid tube or conulariid test? Alcheringa: An Australian Journal of Palaeontology, 43:3, 335-350.

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