Por Suzana Padua
Mestra em educação ambiental e doutora em desenvolvimento sustentável. Co-fundadora e presidente do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas e da Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade (Escas)
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A Organização das Nações Unidas (ONU) há décadas vem tentando emplacar conceitos que levem em conta a sustentabilidade do planeta. Primeiro foram as Metas do Milênio, ou Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), proposta de 2000, seguidas pelos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), como parte de um plano global de sustentabilidade a ser alcançado até 2030. Os ODS têm como missão incluir o que faltou nos ODM, com temas como mudanças climáticas, desigualdades sociais e econômicas, diversidade, inovação e empreendedorismo, justiça e paz, tendo a intenção de envolver governos, setor privado e sociedade civil. Até aí, a ONU estava mais focada nos governos, considerando que esta é a esfera onde as decisões podem influenciar exponencialmente os rumos de seus respectivos países. Não deixa de ter razão, mas o tempo foi passando e os resultados ficaram aquém da expectativa das mudanças esperadas.
No âmbito da sociedade civil, sempre houve envolvimento em causas diversificadas, conseguindo provocar mudanças muitas vezes exemplares, mas sem o alcance de transformações de grande porte. A continuidade nesse setor é bem mais estável, o que é um diferencial das propostas governamentais, que mudam de acordo com a flutuação dos resultados eleitorais. As organizações da sociedade civil são, muitas vezes, fontes de inspiração, mas o alcance de suas iniciativas é restrito. Nesse cenário, surge agora a necessidade de envolver o mundo corporativo com seu poder econômico, agente responsável, em grande parte, pelas decisões do que é prioridade.
O surgimento do ESG, sigla em inglês para Ambiental, Social e Governança, responde diretamente a anseios de envolver o setor privado em uma gestão que pressupõe posturas socialmente justas e ambientalmente sustentáveis. Mesmo no mundo corporativo, a ideia não é nova. Desde a década de 1950 foi proposto o conceito de responsabilidade social corporativa com foco nas melhorias das condições humanas. Diversas empresas adotaram algumas medidas, mas sem cobrança, e o resultado foi tímido. Em 2000, foi elaborado o Pacto Global, que visou aproximar as empresas do conceito de sustentabilidade, pois estava cada vez mais claro o papel preponderante das corporações sobre as riquezas do planeta. Em entrevista recente, o CEO da Grape Global ESG, Ricardo Assunção, apontou que entre as 100 maiores economias do mundo, 69% são empresas. O impacto desse setor é, portanto, inquestionável e crescente. Daí a importância de se pensar formas de sensibilizar, conscientizar, cativar e envolver profissionais do setor privado em princípios de sustentabilidade socioambientais que levem a práticas que favoreçam melhorias planetárias.
A pandemia parece ter trazido ganhos nesse sentido. Em meio a tantas perdas e mortes causadas pelo vírus Covid-19, a humanidade surpreendeu-se também com enchentes, calor excessivo em países que nunca haviam experimentado temperaturas tão elevadas, além de furacões – todos efeitos das mudanças climáticas. Esses acontecimentos, no entanto, podem estar ajudando a provocar reflexões sobre a necessidade de se assumir mais efetivamente as responsabilidades por tudo o que se faz. Hoje não há mais dúvidas do impacto de cada ato, o que tem levado muitos a pensarem em como causar menor efeito deletério, seja no âmbito social, seja no ambiental. Ganhos econômicos dependem do equilíbrio do tripé proposto por John Elkington, o triple bottom line, que enfatiza a importância de se contemplar o contexto ambiental, a qualidade social e o valor econômico em qualquer proposta de desenvolvimento, projeto ou política empresarial ou governamental.
A ideia de incluir o ambiental nas decisões econômicas vem sendo tentada há décadas. Herman Daly, economista do Banco Mundial, descreveu sua frustração ao tentar incorporar meio ambiente nas premissas do setor produtivo. Segundo ele, os inputs são os insumos necessários para qualquer produção e advém da natureza. Os outputs e suas externalidades negativas, que resultam do processo produtivo e de consumo, incluem o lixo que polui o planeta se não reaproveitado ou descartado adequadamente. Daly nunca obteve sucesso em colocar todo esse esquema dentro de um círculo com a palavra ambiente. Depois do seu documento ser revisado por outros profissionais, o gráfico voltava sem o termo ambiente. A natureza não entrava na equação da produção.
Como o ESG está entrando no cenário empresarial?
A visão ESG parece ter vindo para ficar. Já foi incorporada por muitas empresas e se mostrando como um caminho capaz de responder às crescentes exigências de consumidores conscientes. Além disso, a própria sobrevivência sadia das corporações depende de sustentabilidade. A finitude dos recursos naturais parece ser melhor compreendida, talvez em decorrência de tantas crises. Além disso, os financiamentos agora também estão atrelados às boas condutas empresariais. Como me chamou atenção a economista e ministra de Estado em dois governos distintos Dorothea Werneck. em conversa pessoal sobre o assunto, os bancos hoje miram quesitos incluídos nos ESG para reduzir os riscos de longo prazo e, talvez por isso, o sucesso da abordagem seja tão promissor. Mesmo que a razão seja apenas financeira, o bom é que está reverberando como uma nova onda que pode ser benéfica.
O ESG apareceu como um caminho promissor para transformar realidades que se mostravam desesperançosas. Como disse Gustavo Moraes, do escritório Veirano de advocacia, em uma live promovida pela Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (IBEF) sobre ESG, da qual eu participei, aprende-se pelo amor, pela dor ou pelo bolso. O ideal teria sido por amor, claro, pois evitaria muitos dessabores que agora estamos enfrentando, mas a humanidade ainda não mostra sinais de ter chegado a esse nível de evolução. Não parece disposta a abrir mão de regalias individuais para priorizar o bem coletivo, o bem planetário. Por isso, passa agora pela dor advinda dos maus tratos ao meio ambiente e mesmo a outros seres humanos, com efeitos nefastos como mudanças climáticas, por exemplo, ou a concentração alarmante de riquezas na mão de poucos do mundo atual. Mas, quem sabe pelo bolso as lições podem ser aprendidas com maior efetividade? Tomara!
Além do cenário econômico, existe outro fator que pode influenciar positivamente. A nova geração vem exigindo propósito em sua trajetória pessoal e profissional. O fenômeno tem sido percebido inclusive por gestores de grandes fortunas que alertam para esse diferencial geracional. Os milleniums, geração Y, Z, ou qualquer nomenclatura que estejam dando aos jovens, vêm com exigências de se cumprir missões que adicionam valor à vida – com propósitos de mudar o mundo para melhor. Nesse contexto, a adoção dos princípios ESG poderá se propagar rapidamente nos próximos anos. Mais uma vez, tomara!
Essa nova onda traz mais do que esperanças utópicas – traz resultados. As empresas que vêm adotando práticas socialmente justas e ambientalmente sustentáveis têm sido as mais lucrativas. Um estudo feito por Harvard que durou 18 anos (de 1993 a 2010), citado recentemente pela coordenadora do Laboratório de Sustentabilidade da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, a professora Tereza Cristina Carvalho, indica que as companhias que se alinharam com visões sistêmicas e inclusivas foram as mais lucrativas. Ou seja, houve retorno financeiro, além de outros ganhos mais gerais e de imagem ao tomarem atitudes éticas e empáticas.
Educação ambiental empresarial
É chegada a hora de se pensar em uma educação ambiental direcionada à nova tendência ESG. O tema é novo e, portanto, ainda não se têm respostas precisas sobre como fazer. Mas, algumas ideias podem ser lançadas para estimular outros profissionais a ousarem embarcar nessa direção.
Com uma visão mais geral, uma iniciativa que venho acompanhando há algum tempo, capitaneada pela ex-CEO da GE no Brasil e na América Latina, Adriana Machado, chama-se Briyah Institute. Sua intenção é criar pontes entre inovação, prática e propósito empresarial, de modo a promover uma economia de impacto positivo e de visão sistêmica. Briyah acompanha tendências do que está sendo adotado nas empresas cuja gestão é condizente com esses princípios e apresenta reflexões e lições aprendidas, incluindo as chamadas empresas B, que observam o ESG para sua certificação e constituem um movimento sólido para transformá-las em uma força para o bem comum. Essas empresas buscam um equilíbrio entre propósito e lucro e hoje estão baseadas em um arcabouço legal que avalia suas decisões em relação a funcionários, clientes, fornecedores, comunidade e meio ambiente. Por meio de entrevistas com lideranças que praticam esse novo pensar, Briyah traz ideias inspiradoras no panorama corporativo que podem servir de base para quem quiser delinear uma educação ambiental empresarial.
No Brasil, uma empresa sempre apontada como exemplar é a Natura (classificada como empresa B), que há anos inclui em sua gestão aspectos ESG, contribuindo para a proteção da natureza brasileira, a valorizando em seus produtos, além de beneficiar comunidades e a sociedade em geral por meio de projetos diversos. Outra empresa que vem despontando como exemplar e mostrando compromisso e qualidade em metas ousadas em todo o complexo ESG é a Suzano, como vem sendo apresentado por sua diretora de comunicação, Marcela Porto, em palestras, mesas redondas, entrevistas e lives sobre o tema. Marcela ainda reforça que as práticas ESG tornaram-se indicadores de sustentabilidade ambiental (E = environmental, ou ambiental) das empresas e socialmente (S = social) com o índice de inclusão também valorado. O resultado é que nesse tipo de operação, o custo da operação do capital para as empresas se torna mais acessível, por um efeito chamado Greenium, em que a dívida das companhias são lastreadas a compromissos de sustentabilidade.
Existem mais exemplos, mas a intenção é ressaltar que hoje o mundo corporativo pensa e age mais responsavelmente e divulga o que faz para atrair novos clientes, principalmente aqueles que esperam responsabilidade e resultados com menor impacto negativo possível, seja social ou ambientalmente. Aliás, esperam mais do que reduzir danos – anseiam pela recuperação e pela regeneração socioambiental, porque se torna cada vez mais claro que tudo está interligado.
O tamanho dos negócios não importa tanto. Segundo a professora de Administração da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo e de Negócios Sustentáveis da Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade do Instituto de Pesquisas Ecológicas (ESCAS/IPÊ, Graziella Comini, https://aupa.com.br/graziella-comini-o-sistema-so-mudara-quando-a-forma-como-as-grandes-corporacoes-atuam-mudar-tambem/, tanto as pequenas quanto as grandes empresas têm relevância. Por exemplo, se uma grande corporação adota medidas para cuidar da água que utiliza ou compensar o carbono que emite, claro que o efeito pode ser imenso. Mas as pequenas empresas muitas vezes inovam e adotam práticas que servem de modelo. Tornam-se vitrines com potencial de posteriormente serem levadas a escalas ampliadas por organizações maiores ou mesmo governos. Por isso, para Comini, ambas têm papel importante. Devem sempre pensar em toda a cadeia de produção, agindo além dos interesses corporativos. Precisam incorporar a missão de trazer benefícios para a comunidade, para o meio ambiente, para o planeta. O importante é que todas as empresas se conscientizem do impacto positivo (ou negativo) socioambiental que geram em sua cadeia de valor.
Claro que a conscientização é insuficiente, mas serve como insumo inicial para um protagonismo de transformação que deve ser realizado em parceria com a sociedade civil. Comini reforça a visível necessidade de educação socioambiental dentro das companhias, que deveriam oferecer cursos e treinamentos para todos os seus colaboradores, trazendo ao seu corpo de funcionários uma visão mais sistêmica da realidade e do papel que a empresa exerce como influenciadora e exemplo de responsabilidade socioambiental.
A missão ESG pode servir de base para os educadores ambientais que desejam desenhar novos ambientes de atuação. Como atrair tomadores de decisão, gestores, chefes de departamentos, funcionários e consumidores a se envolverem em projetos que retratem essa nova perspectiva? A educação ambiental tem o potencial de contribuir porque leva em conta valores, conhecimentos e reflexões que, muitas vezes, resultam em escolhas e ações conscientes. Trata-se de uma oportunidade de integrar mundos que hoje se veem aparte, mas que, a meu ver, merece ser explorado com cuidado e carinho, pois os efeitos podem ser benéficos para todos.
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