
Por Rogério Bertani
Biólogo, mestre e doutor em Zoologia pela Universidade de São Paulo (USP). Especializado em aracnídeos, é pesquisador do Instituto Butantan
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Depois de alguns meses frios e secos no Sul e Sudeste do Brasil, os dias mais quentes e as primeiras chuvas da primavera começam a chegar. Muitas espécies de animais dependem da temperatura ambiente para manter ou acelerar seu metabolismo, e o frio e a seca do inverno fizeram com que procurassem refúgio nas camadas mais profundas do solo, em busca de temperaturas mais equilibradas e umidade. Permaneceram escondidos por meses e começam, finalmente, a se movimentar mais, deixando seus refúgios após as primeiras chuvas.
Entre essas espécies estão os escorpiões. São conhecidas cerca de 2.500 espécies de escorpiões no mundo, sendo 160 no Brasil. A grande maioria é inofensiva, com apenas quatro espécies podendo causar acidentes graves em humanos no Brasil. A principal, pelo alto número de acidentes e pela ação potente de seu veneno, é o escorpião-amarelo (Tityus serrulatus). São fáceis de serem reconhecidos. Os adultos medem aproximadamente sete centímetros e tem cor amarelada nas pernas e nos palpos, assim como a cauda, que tem uma mancha escura ventral no penúltimo segmento.
O último segmento da cauda, chamado de vesícula, contém as duas glândulas de veneno, que é injetado pelo ferrão curvo que fica em sua extremidade e que possui uma abertura em sua ponta por onde sai o veneno. Logo abaixo do ferrão existe uma pequena protuberância e nos dois últimos segmentos da cauda há duas filas de pequenos espinhos que se assemelham a uma serra, daí o nome serrulatus que foi dado a essa espécie.
A coloração amarelada das pernas e cauda, o corpo marrom acinzentado mais ou menos homogêneo, sem manchas escuras, a presença da protuberância sob o ferrão, em conjunto com a “serra” na cauda caracterizam a espécie Tityus serrulatus.
Nessa espécie os machos são raros. Foram encontrados recentemente somente em uma pequena região no norte do estado de Minas Gerais. Nas outras regiões só são conhecidas fêmeas, que se reproduzem por um processo chamado partenogênese, no qual os óvulos se desenvolvem sem a necessidade de fecundação, originando descendentes que são cópias da mãe. São gerados de um a cerca de 20 filhotes, que são colocados pela mãe em suas costas ao nascerem. Ficam ali até sofrerem a primeira troca de pele. Após esse processo, descem do dorso materno e passam a ter vida independente.
O escorpião-amarelo é uma espécie exclusivamente brasileira, mas não se sabe exatamente sua região de ocorrência original. Isso ocorre porque é uma espécie oportunista, que há muitas décadas tem ampliado sua distribuição aproveitando-se de perturbações no ambiente produzidas pelos seres humanos. Se deram muito bem na periferia de áreas urbanas, vivendo em terrenos baldios, ao longo de ferrovias, estradas, e em galerias pluviais das cidades. Alimentam-se de insetos, e nas áreas urbanas existe fartura de algumas espécies de insetos, como as baratas, que são caçadas pelos escorpiões.
Em alguns casos foram transportados junto com mercadorias e levados para regiões distantes da sua área original. Como se adaptam bem a áreas urbanas e não precisam de parceiros sexuais para reprodução por serem partenogenéticos, acabam sendo introduzidos com relativa facilidade em novas regiões. Por causa dessa facilidade em se espalhar, o escorpião-amarelo é atualmente encontrado na maioria dos Estados brasileiros, incluindo cidades onde não ocorriam naturalmente nas regiões Norte, Sul, Centro-Oeste e Nordeste.

Como vivem bem em áreas urbanas, formando grandes populações próximas das habitações, acabam entrando nas residências à noite, quando estão ativos, e provocando acidentes. Medidas que impeçam ou dificultem a entrada desses animais nos imóveis são importantes em locais de ocorrência do escorpião-amarelo. Rodinhos ou saquinhos com areia nas portas para impedir que entrem pela abertura inferior, telas nas janelas e ralos com tampas que possam ser fechadas são algumas medidas que ajudam na prevenção. Assim como preservar os possíveis predadores dos escorpiões, como sapos, aves e gambás e manter limpos os quintais, removendo objetos e materiais que possam servir de abrigo ao escorpião-amarelo ou às suas presas (insetos).
O veneno do escorpião-amarelo é neurotóxico, causando muita dor no local da picada. É particularmente preocupante para crianças até 12 anos de idade, pois os acidentes podem evoluir rapidamente para casos graves. É importante procurar ajuda médica o mais rápido possível. O ideal é que isso ocorra em até três horas após o acidente.
Os impactos causados pelo desmatamento e pela urbanização das cidades produzem grande alteração na composição da fauna local, levando à extinção da maioria das espécies mais dependentes das condições naturais. Porém, nem todas as espécies são extintas pela presença humana, sendo que muitas são bastante beneficiadas. Dessas, várias convivem em relativa harmonia com os humanos, como algumas aves, lagartixas, alguns insetos e morcegos. Outras, nem tanto. É o caso dos ratos, baratas, moscas e mosquitos, aos quais pode-se incluir o escorpião-amarelo.
Enquanto as outras espécies citadas já são velhas conhecidas da humanidade, o escorpião-amarelo tem se tornado um problema mais sério há apenas algumas décadas. O número de acidentes tem aumentado a cada ano, assim como as áreas de ocorrência da espécie. Por outro lado, sabemos ainda muito pouco sobre o escorpião-amarelo, e, sem o conhecimento necessário, fica difícil combatê-lo. É urgente que mais pesquisas científicas sejam feitas, tentando compreender os hábitos, biologia e ecologia da espécie.
É a partir do conhecimento obtido pela pesquisa científica que poderemos encontrar formas de prevenir acidentes e controlar as populações desse escorpião. Enquanto isso, quem mora em áreas de ocorrência do Tityus serrulatus deve ficar atento no período mais quente e chuvoso do ano, que se inicia agora, e aplicar as medidas preventivas para evitar acidentes.
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