Por Dimas Marques
Editor do Fauna News
dimasmarques@faunanews.com.br
A Proteção Animal Mundial (World Animal Protection) está lançando no Brasil a campanha “Animal silvestre não é pet”. A ONG internacional é conhecida mundialmente por suas ações na defesa do bem-estar animal – sejam eles domésticos, silvestres ou os chamados de “produção” (bovinos e suínos, por exemplo).
A Proteção Animal Mundial, que já se chamou Sociedade Mundial de Proteção Animal (WSPA na sigla em inglês), nasceu em 1981, a partir da união da World Federation for the Protection of Animals com a International Society for the Protection of Animals. Com sede em Londres, a ONG chegou ao Brasil em 1989 e participou da luta contra a farro do boi em Santa Catarina.
Na área dos animais silvestres, a Proteção Animal Mundial também mantém as campanhas “Silvestres. Não entretenimento”, que visa promover o bem-estar animal na indústria turística e acabar com práticas cruéis, e “Sea change” (que no Brasil ficou com o nome “Pesca fantasma”), para abordar o problema das redes fantasma no oceano e prevenir a morte de milhões de animais marinhos.
Para saber mais sobre a campanha “Animal silvestre não é pet”, o Fauna News entrevistou o gerente de campanhas de vida silvestre para o Brasil da Proteção Animal Mundial, Roberto Vieto. Costa-riquenho, médico veterinário, ele tem 10 anos de experiencia no setor das organizações da sociedade civil, com foco na promoção do bem-estar animal. Por aqui, já atuou ativamente em ações contra a caça de botos-cor-de-rosa na região amazônica.
Fauna News – A Proteção Animal Mundial está lançando a campanha no Brasil “Animal silvestre não é pet”. Qual é o objetivo dessa campanha? Quais os resultados vocês pretendem atingir?
Roberto Vieto – Estamos lançando a campanha “Animal silvestre não é pet” para fazer um chamado sobre a grande quantidade de animais silvestres que estão sendo comercializados globalmente como se fossem pets e os problemas de bem-estar que estão por trás dessa indústria.
O nosso principal objetivo é combater o tráfico ilegal e reduzir a demanda por esses animais. As espécies silvestres não passaram por um processo de domesticação e a maioria das pessoas não sabe o grande sofrimento que os animais silvestres experimentam quando são capturados na natureza, transportados, comercializados e mantidos uma vida inteira em cativeiro.
Um animal silvestre, seja vindo do tráfico ilegal, seja do comercio legalizado, sofre em cativeiro, já que é quase impossível satisfazer a suas necessidades de bem-estar, de comportamento, de dieta, entre outras.
Como resultado da nossa campanha, esperamos prevenir a entrada de milhares de animais silvestres no tráfico ilegal e na comercialização legal, consolidar um movimento de indivíduos, organizações da sociedade civil e instituições do governo que nos ajudem a espalhar as mensagens da campanha e, assim, consigamos medidas mais rigorosas para controlar essa atividade e prevenir a crueldade para com os animais silvestres.
Fauna News – Quais ações a Proteção Animal Mundial está planejando para essa campanha?
Roberto Vieto – Esta é uma campanha de conscientização, que busca engajar as pessoas a refletirem antes de adquirir um bicho de estimação e não fazer uma escolha que possa gerar um extremo sofrimento para os animais.
Estamos lançando junto com a campanha o relatório Crueldade à Venda, que traz dados concretos da grande quantidade de animais silvestres mantidos em cativeiro como pets no Brasil, seus problemas de bem-estar, conservação, saúde pública e a sobrecarga no poder público.
Dentro da campanha global, já lançamos, em fevereiro, uma petição solicitando a Turkish Airlines que parasse com o transporte de papagaios-do-Congo vindos da República Democrática do Congo. Esses animais eram traficados nos aviões da companhia. Após uma resposta positiva da empresa, estamos trabalhando em conjunto para que sejam tomadas medidas efetivas contra o tráfico de animais.
Lançamos também um relatório sobre o aumento na procura de lontras asiáticas como bichos de estimação e o surgimento de cafeterias que mantêm esses animais presos para divertir seus visitantes no Japão.
No Brasil, nosso intuito é iniciar uma discussão e construir um movimento que nos ajudem a mudar a triste realidade dos animais. Queremos conscientizar a população e estimular as denúncias de atos ilícitos e, assim, promover a proteção de animais silvestres no seu habitat natural.
Fauna News – Você poderia detalhar por que animal silvestre não deve ser criado como bicho de estimação? Isso inclui também os nascidos em cativeiro, como os espécimes de criadouros comerciais legalizados e de passeriformes reproduzidos por criadores amadores?
Roberto Vieto – Os animais silvestres não passaram por um processo de domesticação e, por isso, não estão adaptados para uma vida em cativeiro em nossas casas, convivendo com os humanos. Animais como cachorros e gatos passaram por um processo de domesticação de milhares de anos antes de serem denominados como pets.
A criação comercial ou amadorista de animais silvestres não significa que estejam domesticados. De uma forma simples, eles foram apenas amansados sem perder seus instintos e necessidade de expressar seus comportamentos naturais, como voar, escolher um parceiro, ter uma dieta variada e cumprir seu papel ecológico nos ecossistemas.
Se utilizamos como exemplo o papagaio verdadeiro, este é um animal muito inteligente, que vive em grupos de dezenas de indivíduos, que pode voar vários quilômetros por dia, que forma casais e pode viver mais de 50 anos. O confinamento numa pequena gaiola, onde perde sua capacidade de voar, de procurar seu alimento e viver em grupo, compromete seu bem-estar.
Fauna News – De alguma forma, a criação comercial e amadora de silvestres como bichos de estimação incentiva o tráfico de fauna?
Roberto Vieto – Glorificar ou promover os animais silvestres como bichos de estimação é um grande problema, tanto para o bem-estar dos animais como para sua conservação. Por exemplo, o valor de animais destas espécies no mercado legalizado é muito elevado (de 30 a até 80 vezes mais alto) e, por conta do valor, as pessoas optam por animais provenientes do tráfico ilegal.
Por conta da procura, os animais percorrem dois caminhos até chegarem ao comércio. No primeiro, eles são capturados na natureza e, por meios fraudulentos, entram para a comercialização. O outro modo é que, por conta da legislação, é permitido que animais apreendidos do tráfico sejam destinados a criadouros comerciais e transformados em matrizes reprodutoras.
Nosso relatório evidencia que, apenas no estado de São Paulo, 87% dos papagaios-verdadeiros que foram destinados para criadores comerciais, vindos dos Cetas (centros de triagem de animais silvestres) do estado, tinham uma origem ilegal, o que cria um círculo vicioso de consumo.
Fauna News – Ser contrário à criação de animais silvestres como pets é um princípio da Proteção Animal Mundial? É assim em todos os países onde vocês atuam?
Roberto Vieto – Para nós da Proteção Animal Mundial, os animais silvestres pertencem à natureza, lugar onde devem ser protegidos e respeitados. Essa campanha não busca culpar quem já comprou um animal silvestre ou quem atualmente cuida de um em casa. Sabemos que muitas pessoas amam os animais, cuidam deles com carinho, contudo, não fazem ideia da crueldade que está por trás desta indústria.
É muito importante que as pessoas que já possuem um animal silvestre de origem legalizada cuidem dele da melhor maneira possível, que não os soltem ou abandonem. Isso geraria um grande sofrimento ao animal e, muito possivelmente, sua morte. O mais importante é procurar assistência veterinária especializada e se comprometer a não adquirir outro animal ou reproduzi-lo em casa.
Fauna News – Você comentou que campanhas como essa lançada no Brasil também estão sendo feitas pela Proteção Animal Mundial em outros países. Essa campanha faz parte de alguma estratégia global de vocês?
Roberto Vieto – Sim. A campanha “Animal silvestre não é pet” é global, já que o tráfico ilegal de animais silvestres e a sua comercialização são um problema de escala mundial. Estima-se que esta indústria movimente de 30 a 42 bilhões de dólares por ano, dos quais 20 bilhões estão vinculados com o tráfico ilegal.
Fauna News – Como é a receptividade e quais são os resultados dessa campanha fora do Brasil?
Roberto Vieto – Desde o lançamento da campanha, temos recebido um grande apoio dos nossos seguidores. Só com a petição realizada para a Turkish Airlines, conseguimos mais de 180 mil assinaturas globalmente.
Esperamos que com este novo lançamento no Brasil e com o compromisso que estamos solicitando às pessoas, seja possível criar um movimento para mudar a situação dos animais silvestres no mundo.
Fauna News – Vocês acham que enfrentarão forte oposição no Brasil? Afinal, há grupos, inclusive de ambientalistas, que consideram a criação comercial e a venda de animais silvestres como mascotes ferramentas contra a retirada de espécimes da natureza e, portanto, ajudariam no combate ao tráfico de fauna.
Roberto Vieto – No Brasil, temos muitos seguidores e apoiadores de nossas diferentes campanhas. Nosso principal interesse é converter o amor e o carinho que as pessoas sentem pela vida silvestre em apoio para esforços contra o tráfico ilegal de animais silvestres e promover sua proteção no habitat natural.
Nosso propósito é reduzir a demanda pelos animais silvestres para deter práticas cruéis e diminuir o incentivo à captura deles na natureza. De acordo com uma pesquisa que realizamos, 60% das espécies mais traficadas são também as mais criadas de forma amadorista e comercial e isso é uma situação que deve mudar.
Fauna News – No Brasil, a criação de animais de algumas espécies silvestres nativas é permitida por lei? Vocês acham que a legislação precisa mudar? Há alguma possibilidade disso?
Roberto Vieto – Mesmo sendo legalizada, a prática de manter animais silvestres como bichos de estimação deve mudar. Existem espécies que sofrem muito quando mantidas em cativeiro como pets, que têm uma longevidade não compatível para serem mantida em cativeiro e que podem representar riscos para as pessoas, para a saúde pública e para a biodiversidade. Esses são argumentos que devem ser levados em conta de maneira urgente.
É necessário um regulamento rigoroso que coloque o bem-estar animal, a conservação das espécies e a saúde pública como principais pilares, acompanhados de campanhas educativas que desincentivem a compra de animais silvestres como pets.
Fauna News – E para os animais de espécies exóticas (não nativas do Brasil) criados como pets? Há muita falta de controle pelo poder público. Eles também não devem ser criados como bichos de estimação?
Roberto Vieto – Infelizmente, o volume de animais silvestres sendo criados e comercializados como pets é muito elevado. Esses bichos são oferecidos em feiras de animais, petshops, pela internet e outras vias. Eles representam, em muitos casos, um risco invasor e podem trazer doenças que afetam, tanto os humanos, quanto os animais silvestres nativos.
O fato de ser um animal exótico não os tornam menos importante na perspectiva de bem-estar animal. Contudo, existem desafios a serem superados. Um dos principais é que, quando não são animais nativos, eles não podem, portanto, serem libertados aqui e os processos de repatriação são extremamente complexos. Desse modo, as apreensões em grande quantidade desses animais e sua destinação competem com ações de fiscalização e manejo de espécies nativas, que podem estar ameaçadas.
Fauna News – A Proteção Animal Mundial precisa ou gostaria de ter ajuda e parceiros nesta campanha? Como ajudar?
Roberto Vieto – O trabalho com parceiros, seguidores e instituições do governo é indispensável. Desse modo, poderemos fazer uma maior conscientização, ter um respaldo técnico sólido na tomada de decisões e influir para que medidas rigorosas sejam tomadas para prevenir o tráfico e regulamentar a indústria dos bichos de estimação.
Todos podem ajudar. As pessoas que não têm um animal silvestre em casa ou têm um animal doméstico podem assinar nosso compromisso de não comprar um animal silvestre; aqueles que já têm assumem o compromisso de não soltar ou abandonar e, principalmente, não adquirir outro ou reproduzi-lo em cativeiro. Depois disso, o mais importante é compartilhar as mensagens da campanha com amigos e familiares. Assim, todos colaboram para a mudança de comportamento e na conscientização contra o sofrimento animal.
Nosso intuito não é responsabilizar nenhum dono de animal. Queremos conscientizar para que esta seja a última geração de animais silvestres que são tratados como pets e que, a partir da nossa campanha, eles não soltem e não reproduzam esses animais.
Nossa missão é levantar a discussão e trazer luz para o principal problema que é o tráfico de animais.
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