
Biólogo, mestre e doutor em Zoologia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro. Consultor ambiental, especialista em monitoramento de fauna e perito ambiental. Foi conselheiro da Sociedade Brasileira de Ictiologia e da da Comissão Mista de Espécies Introduzidas do Ministério do Meio Ambiente/Sociedade Brasileira de Ictiologia (MMA/SBI)
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“A sobrepesca é realmente o pecado original,
a falência da gestão da pesca”.
Dr. Daniel Pauly, Universidade de Columbia, 1983
Nos últimos anos, a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), através de seus relatórios, tem alertado que mais de dois terços dos estoques pesqueiros mundiais estão totalmente explorados. A instituição aponta também que aproximadamente um terço das populações de peixes correm risco de desaparecer devido à pesca excessiva. A entidade relata que muitas populações marinhas estão sendo superexploradas, não só afetando de forma negativa o meio ambiente, mas também reduzindo a produção pesqueira, com efeitos negativos sociais e econômicos. Não há dúvidas que a pesca causa instabilidade nos diferentes ecossistemas aquáticos e tem contribuido, em escala global, com a destruição da biodiversidade.
Compreender os mecanismos dessa destruição é o primeiro passo na busca de soluções e, para tanto, necessitamos revisitar alguns conceitos elementares. Chama-se população o conjunto de indivíduos da mesma espécie que vive em um território cujos limites são geralmente os da biocenose (comunidade biológica) da qual esta espécie faz parte. As populações possuem um certo número de características, tais como distribuição espacial dos indivíduos, a densidade, a estrutura etária, as taxas de natalidade e mortalidade, as relações de interdependência entre os indivíduos, etc. Entretanto, a manutenção dessas características e a regulação do número de indivíduos de uma população depende de fatores do meio (extrínsecos) e de fatores pertencentes à própria população (intrínsecos).
É importante compreendermos que há um conjunto de fatores internos e externos interagindo, contribuindo para que uma população tenha seu tamanho variável dentro de certos limites, permitindo que os tamanhos de outras populações, da mesma comunidade, também possam variar e se estabilizem em uma faixa de equilíbrio biológico.
A pesca, como atividade predatória, é um fator externo impactante que interfere no equilíbrio das populações e que pode ser mensurada pelo esforço de captura (quantidade de operações ou de tempo de operação das artes de pesca numa determinada pescaria, durante um determinado período). Logicamente, o esforço de pesca é diferente para cada pescaria e, dependendo do tipo de arte de pesca utilizada e do nível tecnológico das operações, pode causar um maior ou menor impacto sob as populações e, consequentemente, ao ecossistema.
Quando um determinado esforço de pesca é mantido dentro de “limites razoáveis” para o tamanho da população explorada, pode até ser benéfico, auxiliando na manutenção do tamanho dessa população, condizente com seu equilíbrio biológico e o das outras populações que participam da biocenose. Entretanto, quando o esforço de pesca extrapola esses limites de segurança, sobretudo quando se retira, demasiadamente, indivíduos jovens imaturos e/ou adultos reprodutores de uma população, estabelece-se uma instabilidade dentro da população explorada, diminuindo consideravelmente a possibilidade de sobrevivência ou a ocorrência de grupos sucessores. Por outro lado, a redução de uma população explorada também afeta outras populações, alterando profundamente suas interações e, consequentemente, o equilíbrio biológico da biocenose no tempo.
Quando essa situação se prolonga por um longo período de tempo, o número de indivíduos que deveria sobreviver para se tornar adulto se reduz cada vez mais. Como a população precisa de indivíduos adultos para se reproduzir e suprir o estoque nos anos seguintes, haverá cada vez menos indivíduos reprodutores e, consequentemente, menos indivíduos jovens para atingir a idade adulta. A pesca está sendo mantida nesse cenário assombroso, criando um círculo vicioso, que só será quebrado por uma redução drástica do esforço de captura. Entretanto, em muitos casos a situação é irreversível, sem solução.
A síndrome de linha de base inconstante
Como fator de predação, a pesca tem um impacto incomensurável nas populações de peixes, se constituindo na principal fonte de mortalidade e pode exceder a mortalidade natural em mais de 400%. Por ser um fator de predação exógena (externa) à biocenose, a pesca faz com que se reduzam as populações, estabilizando-as em seguida a um nível de equilíbrio inferior àquele apresentado antes do início da sua exploração. Na prática, isso é facilmente reconhecido e extremamente preocupante. Por exemplo, há uma tendência de os pescadores mais antigos recordarem maior abundância em tempos passados que os pescadores mais jovens. Esta é uma situação chamada de síndrome de linha de base inconstante – uma condição cognitiva perigosa em que cada geração de pescadores aceita um padrão mais baixo de abundância de recurso como normal.
No Brasil, apesar de uma expressiva parcela da comunidade científica e gestores públicos reconhecerem a ocorrência da síndrome de linha de base inconstante, pouco ou absolutamente nada tem sido feito para reverter a situação. Tem-se optado pelo esgotamento do recurso como estratégia de “sobrevivência social”, inseridas nas chamadas políticas públicas e devidamente mascaradas em normas de acesso.
Pescarias no mundo todo relatam declínios acentuados nas taxas de captura, sobretudo durante os dez primeiros anos de exploração. Sabe-se que é muito difícil identificar uma única razão para explicar porque certos estoques foram totalmente explorados e porque muitas áreas mundiais de captura tornaram-se sobre-explotadas. Logicamente, há um conjunto de razões inter-relacionadas que contribuíram em maior ou menor grau em diferentes situações. Entretanto, apesar das avaliações dos efeitos da atividade pesqueira serem incipientes, dois indicadores se destacam na opinião dos cientistas e dos gestores de pesca: o aumento significativo da sobrepesca (overfishing) – que já dizimou muitos estoques de peixes comerciais – e o aumento crescente do descarte (bycath) – caracterizado pela captura de espécies não desejadas e descartadas (para alguns cientistas, um efeito da sobrepesca).
Há muitas evidências de que a sobrepesca tem importância significativa no declínio global de inúmeras espécies oceânicas, tornando-se mais recentemente uma das mais preocupantes ameaças à biodiversidade de águas continentais. Os descartes já preocupam autoridades pesqueiras da União Européia. Em relatório recente, pesquisadores apontam que mais de dois terços dos peixes capturados são devolvidos ao mar, geralmente mortos, como resultado do atual sistema de cotas. Cientistas estimam que cerca de um milhão de toneladas de peixes estejam sendo descartados a cada ano no Mar do Norte. Muitos postulam que para aumentar a contribuição da pesca à segurança alimentar, às economias e ao bem-estar das comunidades de pescadores, é necessário aplicar planos eficazes para restabelecer as populações de peixes afetadas pela sobrepesca. Entretanto, fortalecer a governança e ordenar de forma eficaz a pesca não têm apresentado resultados significativos. O aumento exponencial da lista das espécies sobrepescadas, descartadas e ameaçadas de extinção não deixam dúvidas a este respeito.
O que é sobrepesca?
A sobrepesca pode ser expressa como a situação pela qual a atividade pesqueira de uma espécie (ou numa região) deixa de ser “sustentável”, em que quanto maior o esforço de pesca menores serão os rendimentos, seja biológico ou econômico. O nível de “sustentabilidade” necessária para uma pescaria é muito difícil de definir e pode variar a partir de uma série de perspectivas diferentes.
Quando a pesca se aproxima dos seus limites, há uma tendência natural de reduzir os níveis de captura. Porém, na prática, muitos gestores pesqueiros, pressionados pelas chamadas “forças políticas, econômicas e sociais”, em ato de submissão, desconsideram as recomendações técnicas e científicas (quando existem) e flexibilizam as normas de acesso aos recursos, potencializando o problema. Nesse cenário de reduções, os pescadores burlam as regras estabelecidas (favorecidos pela fiscalização ineficiente ou inexistente) e passam a utilizar métodos ilícitos e predatórios para manterem suas capturas e ganhos a um nível anterior. Quando a pesca se aproxima dos seus limites, a sobrepesca já impera e expõe seus efeitos ambientais, sociais e econômicos, apesar das estatísticas produtivas estarem apontando uma certa “manutenção” dos níveis de exploração.
Muitas civilizações que ultrapassaram os limites da pesca e não reduziram os seus níveis de captura tiveram grandes perdas econômicas e graves consequências políticas e sociais. O pesquisador Jared Diamond, em sua consagrada obra Colapso – Como as sociedades escolhem o sucesso ou o fracasso, ao estudar os oito processos através dos quais as sociedades do passado minaram a si mesmas, incluiu a sobrepesca como um dos responsáveis pelo colapso dessas sociedades.
Recentemente, a sobreexploração das pescarias passou a ser uma preocupação global e atinge tanto os países desenvolvidos quanto os em desenvolvimento. Nos últimos anos, tem havido muitas publicações sobre o crescimento e posterior declínio da pesca mundial. Quase todas mencionam que vários estoques marinhos, principalmente os de fundo, estão sobrepescados. Em 2009, a Comissão Européia divulgou, pela primeira vez, que 88% das unidades populacionais de peixes marinhos capturados em redes de arrasto de fundo se encontravam sobrepescados. De lá para cá, os relatórios são cada vez mais preocupantes.
Principais efeitos advindos da sobrepesca
Entre as muitas consequências ambientais decorrentes da sobrepesca, relatadas na literatura científica, destacam-se: a redução nas capturas das espécies-alvo, a excessiva captura não intencional de espécies indesejáveis e as profundas alterações nos ecossistemas. Entretanto, estudos recentes apontam que a sobrepesca também estaria atuando nas estruturas populacionais, nas cadeias alimentares, nas características biológicas das espécies e, inclusive, na composição genética das populações.
Quando os organismos são removidos a um ritmo tal, que a composição do ecossistema é alterada significativamente, é possível produzir efeitos adversos mais amplos nos ecossistemas. Durante as décadas de 1960 e 1970, a produção das áreas de captura marinhas e de água doce aumentou de forma exponencial no mundo todo, numa média de 6% ao ano. Na década de 1980, a taxa de crescimento diminuiu consideravelmente, estabilizando-se nos anos 90. Por volta de 1990, a produção global de peixes atingiu um patamar de cerca de 100 milhões de toneladas anuais e não mudou muito nos anos seguintes. Embora a aquicultura continuasse a crescer, a produção das áreas de captura de estoques selvagens dos oceanos e águas continentais era irregular e começava a se estagnar.
A produção global de peixe e produtos de pesca continua crescendo, mas a captura estagnou na última década e a sobrepesca ecossistêmica tem sido indicada por vários pesquisadores do mundo todo como responsável por essa estagnação. A captura de espécies indesejáveis, ou captura acidental, representa cerca de um quarto da pesca global. Compreende todos os animais não desejados, não utilizados ou descartados por exigência de regulamentações. Entre as espécies, podemos incluir aquelas especialmente protegidas (vulneráveis e ou ameaçadas), indivíduos jovens ou pequenos demais para serem comercializados ou outras sem valor comercial.

As espécies indesejadas normalmente são descartadas (bycatch) depois de mortas, na água ou na terra, como estratégia para burlar a fiscalização. Muitos equipamentos utilizados pela pesca não são seletivos e podem capturar peixes economicamente indesejáveis. As tarrafas, tanto no ambiente marinho como de água doce, podem capturar peixes jovens ou outras formas de vida em decorrência de sua baixa seletividade. Os espinhéis de fundo, tanto no ambiente marinho como de água doce, capturam mamíferos, répteis, aves e peixes indesejáveis. As redes de emalhar, tanto no ambiente marinho como de água doce, podem também capturar mamíferos, répteis e outros peixes indesejáveis e, quando perdidas ou descartadas, podem continuar a capturar e a matar animais aquáticos, fato conhecido como “pesca fantasma”. As redes de arrasto são um tipo particular de equipamento não seletivo e podem capturar acidentalmente muitas espécies distintas, causando, inclusive, sérias alterações ao habitat dos peixes ao serem arrastadas no fundo do mar, dos rios e, principalmente, em ambientes lênticos (de água parada ou com pouco movimento) – como vem ocorrendo nos lagos africanos.
A sobrepesca também tem causado profundas alterações nas cadeias alimentares. Nos ecossistemas marinhos há inúmeros relatos. O declínio de populações de leões-marinhos-de-steller (Eumetopias jubatus) no Alasca foi atribuído, em parte, à sobrepesca dos principais itens alimentares (cavala e bacalhau) desses mamíferos. Estudos em recifes de corais também têm demonstrado os efeitos da sobrepesca. Quando algumas espécies de peixes, que habitam nos corais e se alimentam de plantas, são removidos pela pesca, certas algas que coexistiam com os corais proliferam-se e tornam-se dominantes. Essa proliferação de algas acaba obstruindo a passagem de luz e os corais, que dependem da luz, acabam morrendo.
Estudos apontaram que se esses patamares de produção foram mantidos graças às alterações na composição das espécies é porque a pesca atingiu os chamados “níveis inferiores na cadeia alimentar”. As espécies predadoras (topo de cadeia) tendem a ser capturadas prioritariamente. Quando elas se esgotam, espécies de níveis inferiores na cadeia passam a ser capturadas, causando a simplificação de alguns ecossistemas marinhos e de água doce. Declínio na abundância de grandes predadores pode aumentar a abundância de suas presas, o que causa mudanças no equilíbrio do ecossistema, sobretudo em relação às espécies de menor tamanho.
Devido à natureza pouco seletiva, a maioria das atividades pesqueiras não só afeta as comunidades de peixes em nível de estoque interespecífico (população de uma espécie), mas também na sua composição e diversidade intraespecífica (entre espécies). Há fortes evidências de que a sobrepesca não só afeta demograficamente as populações, mas também tem causado mudanças na composição genética destas populações. Pesquisas apontam que as pressões evolutivas estão sendo desencadeadas pela pesca, ocasionando mudanças quanto ao tamanho, estado de maturidade, morfologia ou comportamento das espécies.
Mudanças drásticas na composição de espécies podem resultar em mudanças irreversíveis em ecossistemas, fazendo com que o fluxo de energia, que envolve o equilíbrio das espécies, tenham se alterado pela nova composição. A entrada de carpas em um sistema, anteriormente dominado por trutas que sofrem por serem capturadas ao extremo, por exemplo, pode fazer com que seja impossível para a truta restabelecer uma população, reprodutivamente, viável. Nesse caso, a sobrepesca passa a ser responsável pela extinção ecológica de espécies. Assim, tal como sugerido pela teoria ecológica moderna, a sobrepesca ecossistêmica seria a transformação de um sistema relativamente maduro (eficiente) em um sistema imaturo (estressado ou ineficiente).
Um exemplo dessa transformação é o que ocorreu no Golfo da Tailândia, onde havia (presumivelmente) um sistema constituído por uma biomassa estável e altamente eficiente, dominada por peixes teleósteos, mas que foi gradualmente transformada em um estoque de biomassa (presumivelmente) instável e de baixa eficiência, onde o papel dos invertebrados no sistema aumentou acentuadamente (note a inversão da seqüência evolutiva!).
Estudos recentes apontam que há mudanças em características da história natural das espécies, particularmente relacionadas ao tamanho médio da primeira maturação, continuamente, em espécies exploradas comercialmente. Na maioria dos casos, tais tendências são explicadas por improváveis influências ambientais e a atividade pesqueira como indutora de tais evoluções tem sido citada em justificativas mais parcimoniosas.
Essas mudanças nas características das espécies podem ser facilmente observadas e mensuradas (isto é, no tamanho e nas estruturas de idade) ou não determinadas devido a uma série de interações que confundem os efeitos de dependência da densidade e do ambiente. Por outro lado, a falta de conhecimento das estruturas populacionais pode estar “mascarando” potenciais mudanças da diversidade genética das espécies.
A manutenção da sobrepesca tem causado a eliminação dos exemplares adultos e de maior tamanho dentro de uma população ou estoque. As populações não sobreexplotadas caracterizam-se pela presença de peixes com baixa fertilidade, o que acaba levando a uma redução nos estoques. Por outro lado, se a sobrepesca for controlada e os recursos pesqueiros forem manejados de forma sustentável, teoricamente, as áreas pesqueiras se tornarão mais produtivas, o custo do peixe cairá e a captura aumentará de maneira sustentável.
Os principais sintomas de sobrepesca estão no declínio na captura de peixes de maior porte, especialmente piscívoros (que se alimentam somente de peixes), e um declínio acentuado, nos diferentes níveis tróficos, das assembleias. Maiores mudanças estão ocorrendo entre espécies predadoras, em que mais de 90% dos peixes predadores dos oceanos estão ameaçados.
A diminuição da captura associada à redução do tamanho do peixe é inaceitável em algumas partes do mundo, como na América Latina, o que ocasiona mudanças de espécies-alvo. Em países africanos e asiáticos há certa preferência por peixes menores em sua culinária, o que fomenta a captura de espécies extremamente pequenas, ocasionando o esvaziamento das assembleias.
O levantamento de informações sobre o ciclo de vida das espécies, padrões de migração dos indivíduos, crescimento individual e taxa de mortalidade é fundamental para entender como as populações de peixes respondem à exploração pesqueira. Tal compreensão, por sua vez, permite avaliar o estado atual de exploração e a relação entre o esforço de pesca e o rendimento do recurso. A descrição dos tamanhos e idades dos indivíduos que compõem uma população explorada economicamente permite verificar em que locais, de sua área de distribuição, os peixes desovam, alimentam-se e crescem. O impacto da pesca sobre cada uma dessas parcelas da população será diferenciado.
Assim, se houver exploração comercial dos adultos reprodutores (desovantes) sem observar limites não haverá novos descendentes e, conseqüentemente, não será mantida a taxa de renovação da população (recrutamento). Nesse caso, ocorre a chamada sobrepesca de recrutamento. Do mesmo modo, se houver pesca predatória de jovens e de pré-adultos (imaturos) não será possível que eles atinjam o tamanho no qual o rendimento em peso seja máximo, caracterizando a chamada sobrepesca de crescimento.
O declínio dos estoques pesqueiros de espécies comerciais, tanto por sobrepesca de recrutamento como por sobrepesca de crescimento, vem sendo documentado em diversas regiões do mundo, configurando uma crise sem precedentes. É possível, concomitantemente, inibir a sobrepesca e propor políticas de manejo, tanto para atender as necessidades das populações humanas, que dependem diretamente dessa atividade como para a conservação deste patrimônio genético. Entretanto, são medidas que passam por restrições de acesso – o que não é compreendido e aceito por todos os atores envolvidos.
Sobrepesca de recrutamento
Determinadas artes de pesca e petrechos podem selecionar peixes maiores, causando uma redução nas classes de maior tamanho da população explorada. Isso pode comprometer a agregação de desova, em que os membros maiores e sexualmente maduros do estoque são pescados. Com uma pesca contínua, o tamanho médio dos peixes torna-se menor e os peixes acabam sendo capturados antes que eles possam amadurecer. Isso resulta em uma redução geral no tamanho médio da população adulta, ou seja, menos peixes e menores estarão inseridos no processo reprodutivo. Com a redução da biomassa de reprodutores, concomitantemente, haverá uma redução no número de larvas e juvenis a ponto de comprometer a manutenção dessas populações, pela redução da entrada de novos indivíduos na população (recrutamento).
Mudanças na idade e na estrutura populacional, devido uma remoção excessiva de indivíduos grandes e maduros, têm sido relatadas para muitas espécies de peixes exploradas economicamente. Esse problema pode se agravado, em certas populações, pela remoção de fêmeas de grande porte, que produzem mais ovos do que as fêmeas relativamente menores. A remoção de fêmeas maiores pode ter um efeito significativo maior no investimento reprodutivo e no recrutamento. Sabe-se que, em muitas espécies de peixes, as fêmeas maiores produzem mais ovos, entretanto, não há evidências de que as fêmeas maiores produzam uma maior quantidade exponencial de ovos.
Assim, a remoção de algumas fêmeas maiores de uma população pode ter um efeito significativamente maior no investimento reprodutivo e na taxa de recrutamento. Estudos mostram que as condições das larvas também melhoram com o tempo ou a idade dos peixes e, portanto, as larvas produzidas pelas fêmeas podem ter taxas de sobrevivência superiores. Geralmente as fêmeas da maioria das espécies produzem uma grande quantidade de ovos, algumas vezes milhões de ovos, como no caso de algumas espécies exploradas comercialmente em águas temperadas. Entretanto, essa suposta “alta fecundidade” tem enganado pesquisadores a assumirem a seguinte relação: mesmo ocorrendo um número limitado de fêmeas adultas em uma população, a alta fecundidade resultaria na produção de mais peixes – o suficiente para repor o número de recrutas, tornando-os disponíveis para a pesca. Para muitos pesquisadores, a aplicação dessa relação tem sido uma das causas do colapso mundial da pesca.
Estranhamente, aparentemente nenhuma tentativa foi feita para avaliar se existe de fato, em peixes tropicais, uma relação entre o tamanho de uma população reprodutora e o número de recrutas produzidos por esta população reprodutora. A questão que se coloca é: será que a manutenção da remoção em larga escala de peixes em diversos subsistemas do ecossistema aquático, promovida pelo atual sistema econômico, não poderá ser fator de desestabilização em escala global?
Sobrepesca de crescimento
A sobrepesca de crescimento é caracterizada quando a taxa de pesca, que causa uma perda de biomassa do estoque, torna-se maior do que a biomassa obtida em razão do crescimento. Isto ocorre quando os peixes são capturados com um tamanho médio menor que o tamanho que iria produzir o máximo rendimento por recrutamento. Ou seja, cria-se uma instabilidade populacional porque muitos peixes imaturos são capturados, antes de atingirem um tamanho em que o máximo crescimento e produtividade seriam oferecidos ao estoque.
Sobrepesca de crescimento é muito mais comum do que a sobrepesca de recrutamento, mas não recebe a devida atenção. A sua ocorrência é reconhecida nas regiões onde os esforços de captura estão direcionados aos espécimes jovens, mais vulneráveis, capturados antes que possam crescer até um tamanho razoável. Mas a sobrepesca de crescimento representa uma séria ameaça à existência do recurso, reduz o rendimento potencial de uma pescaria e, assim, compromete os benefícios econômicos que poderiam ser obtidos a partir do estoque.
Para se evitar a sobrepesca de crescimento, teoricamente, bastaria capturar indivíduos adultos. Entretanto, os pescadores utilizam equipamentos de baixa seletividade e acabam explorando unidades populacionais de várias espécies, com idades e tamanhos distintos. Ou seja, o tamanho da malha selecionada, por exemplo, pode permitir que peixes menores (imaturos) de uma determinada espécie possam escapar; mas para outras espécies, com indivíduos maiores (porém jovens e imaturos), a captura continua a ocorrer.
No próximo artigo, apresentarei os efeitos da sobrepesca na economia global e regional, bem como seus efeitos sociais.
Até lá!
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