Análise de Dimas Marques
Editor-chefe
dimasmarques@faunanews.com.br
A luta pelo fim da caça no Brasil não é nova. E uma matéria publicada sexta-feira, 7 de maio, pelo site Vegazeta ajudou a lembrar que não é de hoje que há gente envolvida e atuante por essa causa.
“Há 45 anos, o então deputado federal Pedro Lauro Domaradzki (MDB-PR) defendeu a proibição da caça em todo o Brasil.
“Ora, a fauna brasileira, conforme é amplamente sabido, já não comporta (nem suporta) qualquer tipo de permissão para caçar ou apanhar animais, ainda que com finalidades esportivas, eis que se encontra à beira do desaparecimento total, inclusive nas regiões menos acessíveis ao homem”, argumentou o deputado em 1976.
Em oposição à caça, Pedro Lauro apresentou o Projeto de Lei 2.421/1976, em que classificou a Lei de Proteção à Fauna (5.197/1967) como falsa no que se propunha a ser.
“Fala em ‘proteção à fauna’, na verdade é um repositório de permissões, perseguição, destruição, caça ou apanhe de espécimes silvestres”, criticou.” – trecho da matéria “Há 45 anos, Pedro Lauro defendeu proibição da caça em todo o Brasil”, do site Vegazeta. A proposta do deputado foi arquivada em 1978.
A Lei nº 5.197, de 3 de janeiro de 1967, proibiu a caça profissional no Brasil. Está no artigo 2º. Entretanto, e aí encontra-se o motivo para a crítica de Pedro Lauro Domaradzki, permitiu a existência da caça esportiva.
“Artigo 6º – O Poder Público estimulará:
a) a formação e o funcionamento de clubes e sociedades amadoristas de caça e de tiro ao voo objetivando alcançar o espírito associativista para a prática desse esporte.”
Apesar de ter ficado conhecida como Lei de Proteção à Fauna, a Lei nº 5.197 é o resultado de sucessivas alterações da legislação que aborda a caça no país.
Histórico
Enquanto colônia portuguesa, o Brasil estava subordinado às leis de sua metrópole. Ou seja, entre 1500 e 1521, era aplicado o conteúdo das Ordenações Afonsinas. Essa compilação de leis foi modernizada, passando então a viger as Ordenações Manuelinas que, em 1603, foram substituídas pelas Ordenações Filipinas. Em todas elas, havia leis que tratavam da caça.
Apesar de o Brasil ter suas próprias constituições desde 1824, somente em 1916, com o primeiro Código Civil nacional, as Ordenações Filipinas deixaram de ser totalmente aplicadas. No Código havia cinco artigos tratando da caça (do 594 ao 598), que era amplamente permitida, praticada e não fiscalizada. Até a década de 1930, a legislação brasileira que abordava fauna silvestre o fazia sob o aspecto da prática da caça e da propriedade do animal abatido. Animais selvagens eram considerados res nullius, ou seja, “coisas sem dono”.
Com a chegada ao poder do projeto de Getúlio Vargas, em 1930, houve grandes mudanças no enfoque das leis de proteção ambiental no país. Pesquisadores defendem que o Executivo e o Legislativo federais sofreram influência e pressão de movimentos de ambientalistas que começavam a se organizar no Brasil, inspirados pelo ideário preservacionista norte-americano. Em 1933, por exemplo, aconteceu, no Rio de Janeiro (capital do Brasil, na época), a Primeira Conferência Brasileira de Proteção à Natureza, que contou com a participação de cientistas, jornalistas e políticos. No mesmo ano, em Londres, realizou-se a Convenção para Preservação da Fauna e Flora em Estado Natural.
O projeto de Vargas de modernização do Estado e as influências dos primeiros ambientalistas organizados do país afetaram o olhar do poder público sobre o meio ambiente. Em 1934 entram em vigor o Código de Caça e Pesca (Decreto nº 23.672, de 2 de janeiro), o primeiro Código Florestal do país (Decreto nº 23.793, de 23 de janeiro), que teria sido elaborado com vários subsídios da Primeira Conferência Brasileira de Proteção à Natureza, o Código de Minas (Decreto nº 24.642 de 10 de julho) e o Código de Águas (Decreto nº 24.643, de 10 de julho).
Nesse contexto, normas que organizam a caça como atividade econômica e de lazer são concentradas na nova legislação de 1934, que terminou sendo substituída pelo Decreto-lei nº 5.894 20 de outubro de 1943. A lei da década de 40 foi revogada em 1967, quando entrou em vigor a Lei de Proteção à Fauna. Os animais silvestres deixam então de ter o status jurídico de res nullius (“coisas sem dono”) e passam a ser propriedade do Estado (bens semoventes, ou seja, que possuem movimento próprio).
Não é necessária uma leitura muito atenta para perceber que a Lei nº 5.197 de 1967, com seus 38 artigos, é mais uma versão dos códigos que regulamentam e disciplinam a prática da caça desde a década de 1930 do que propriamente uma iniciativa de conservação da fauna.
Proibição da caça esportiva
A caça esportiva só não é praticada hoje no Brasil por causa de uma decisão judicial da 2ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) que, em 13 de março de 2008, determinou a proibição da caça amadora no Rio Grande do Sul – onde a atividade era praticada e ambientalistas lutavam na Justiça pelo seu fim desde 2004.
Exceções
A Lei nº 5.197 também permite “a destruição de animais silvestres considerados nocivos à agricultura ou à saúde pública.” Está no paragrafo 2º do artigo 3º. E com base nesse trecho da lei que se autoriza a caça do javali (Sus scrofa), espécie não nativa do Brasil, e do javaporco (cruzamento do javali com porco doméstico).
A caça de animais para fins científicos, chamada de coleta, também é possível com base no artigo 14º da Lei nº 5.197.
Parlamento hoje
Um forte movimento pró-caça atua no parlamento brasileiro, principalmente na Câmara dos Deputados. Pelo menos sete projetos de lei propondo facilitar ou até legalizar totalmente a atividade estão em análise pelos deputados federais.
– PL nº 7.136/2010 – do deputado federal Onyx Lorenzoni (DEM-RS), que trata de repassar as autorizações de caça aos Municípios no caso de caça aos animais em situação de “superpopulação”. Esse projeto está arquivado desde 2011, mas em 2019 o parlamentar (atual ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República) solicitou seu desarquivamento.
– PLP nº 436/2014 – do deputado federal Rogério Peninha Mendonça (MDB-RS), que altera a Constituição para passar aos Estados a competência de fornecer autorizações de caça.
– PL nº 6.268/2016 – do ex-deputado federal Valdir Colatto (MDB-SC). Conhecido como PL da Caça, propõe a legalização da atividade no país.
– PL nº 7.129/2017 – do deputado federal Alexandre Leite (DEM-SP). Trata do abate e controle de espécies exóticas invasoras, como o javali.
– PL nº 4.827/2020 – do deputado federal Ronaldo Santini (PTB-RS), que estabelece a caça e a comercialização da carne de espécies exóticas invasoras quando forem declaradas nocivas para a agricultura, saúde pública e meio ambiente.
– PL nº 4.829/2020 – do deputado federal Ronaldo Santini (PTB-RS), que trata da caça para controle de fauna de espécies silvestres (o que incluiria as nativas) quando consideradas em “desequilíbrio populacional”.
– PL nº 5.544/2020 – do ex-deputado federal Nilson Stainsack (PP-SC) que trata da liberação da caça esportiva no Brasil.
Aliadas a uma política do governo de Jair Bolsonaro de facilitar o acesso às armas pela população, as iniciativas pró-caça são ações voltadas para atender interesses das indústrias de armamentos e munições. Há também os grupos de caçadores esportivos que, na maioria das vezes, se apresentam como controladores de espécies nocivas à agricultura.
Em maio de 2019, foi divulgado o resultado de uma pesquisa encomendada pela ONG WWF-Brasil ao Ibope constata que 93% dos entrevistados são contra a autorização da caça no país. E essa não foi a primeira pesquisa realizada sobre o tema. O próprio governo brasileiro, por meio do Ibama, encomendou uma em 2003. E o resultado foi que 90,8% dos brasileiros já eram contra a caça no país.
Está claro que esses deputados não estão trabalhando pelos interesses da maioria dos brasileiros.