Por Suzana Padua
Mestra em educação ambiental e doutora em desenvolvimento sustentável. Co-fundadora e presidente do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas e da Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade (Escas)
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A escolha de trabalhar por proteger espécies da natureza e não gente não procede. Tudo é vida e tudo é precioso!
Quando começamos o projeto de conservação do mico-leão-preto, seguido por onça, mico-leão-da-cara-preta, peixe-boi, anta, tatu-canastra e outras espécies da fauna brasileira, era comum sermos taxados de idealistas e excêntricos. O valor atribuído à natureza e quem a protege não era reconhecido. E, mesmo que hoje muita gente não estranhe tanto e até demonstre admiração, as perdas continuam avassaladoras. Dados recentes indicam que só no Brasil temos 3.209 espécies da flora e 1.249 espécies da fauna ameaçados de extinção. Em um país com a riqueza natural que tem o Brasil, esse dado assusta porque a biodiversidade deveria ser tratada como uma joia preciosa e rara, já que, uma vez que a perdemos, é para sempre.
Estima-se que a ação humana acelera em mil vezes o desaparecimento da biodiversidade. Se as perdas são tão grandes, a razão é da própria espécie humana que parece não se reconhecer parte da natureza. Historicamente, a humanidade vem se colocando como superior ao que é natural, que só existe para servir. Com isso, sente-se no direito de tratar tudo como recurso, sem levar em conta o impacto devastador que vem causando. E o que é pior, hoje a decisão de quem vai ou não sobreviver ao longo do tempo está nas mãos da espécie humana, que não tem por hábito medir as consequências de suas ações. Entretanto, a realidade está mudando e agora a espécie humana também se encontra ameaçada.
A urgência tem trazido alguns caminhos. Hoje existe a necessidade de se integrar saberes. Até alguns anos atrás, um campo de pesquisa ou ação não se misturava com outros. Por exemplo, estudiosos de áreas sociais achavam que gente era mais importante e os cientistas da natureza dificilmente aceitavam misturar questões sociais em suas áreas de atuação. A riqueza do saber assemelha-se à da biodiversidade, onde tudo é importante e pode somar ao todo. Com isso, ampliou-se a tendência de juntar conhecimentos científicos aos de culturas tradicionais, teorias sendo base para ações, setores diferenciados interagindo para juntos buscarem soluções, inclusive levando em conta ganhos econômicos nas equações do que pode ser feito. Ou seja, nada mais deve ser descartado se o objetivo for a conservação da biodiversidade.
Sendo assim, conservação precisa ser multidisciplinar, integrando áreas para ter maiores chances de sucesso. Bem diferente do início do movimento ambientalista, quando havia a noção de que as pessoas precisavam estar fora das áreas protegidas. A falta de interação de comunidades locais, porém, mostrou causar prejuízos à conservação dessas áreas. A questão é como envolver as pessoas para que elas se sintam parte, tenham orgulho, percebam os benefícios de florestas, mangues, lagos e outras áreas naturais e passem a ser aliados da sua proteção?
Essa é a grande diferença entre preservação (manter as pessoas fora como medida de proteção às áreas naturais) e conservação (que compreende o envolvimento de gente de forma estruturada). O movimento ambientalista e muito das tendências adotadas pelo mundo da conservação nasceu no Norte, onde as questões sociais não se mostravam tão severas. Todavia, é o Sul que concentra a maior biodiversidade, mas a realidade social é desafiante, com altos níveis de pobreza. Ser preservacionista nessa realidade não foi eficaz e, assim, os conceitos mais inclusivos passaram a ser mais aceitos. Exemplos de inclusão e não o da exclusão têm mostrado eficácia na proteção da vida em unidades de conservação (UCs), como pode ser visto em dois programas desenvolvidos na Amazônia pelo IPÊ: Motivação e Sucesso em Unidades de Conservação (MOSUC) e Monitoramento Participativo da Biodiversidade (MPB).
É a forma como cada passo é dado que faz a diferença. Localmente, o envolvimento deve se dar com base no respeito ao outro e às diferentes culturas e não com base na imposição. Pode levar mais tempo do que um comando autoritário, mas é o que tem demonstrado dar resultados positivos. É um processo que precisa ser construído conjuntamente para que os novos valores e formas de viver sejam incorporados na vida dos envolvidos, tendo a conservação da natureza como base. É aí que entra a educação ambiental em seu mais profundo sentido.
A comunicação, junto com a educação, se torna ferramenta indispensável, já que os princípios precisam ser passados de maneira criativa, dialogando com diversos públicos. Uma bela apresentação sobre o que está por trás de uma comunicação eficaz para a sustentabilidade pode ser vista no Ted Talk de Ed Gillesppie (Futerra, Inglaterra). O que ele propõe não é chamar atenção para o errado, porque esse caminho não tem rendido efeitos positivos, mas sim vislumbrar um futuro com a sustentabilidade como tema central e a visão de um planeta que queremos: harmônico, belo e feliz.
A Futerra, empresa de comunicação inglesa para a qual Gillesppie está vinculado, foi responsável por dois vídeos produzidos para a Comissão de Educação e Comunicação da IUCN, da qual faço parte há muitos anos. São eles: Love. Not Loss e How to Tell a Love Story. A ideia básica é compartilhar problemas solucionáveis em um mundo que queremos e não mais apenas apresentar desastres que assustam por serem cada vez mais frequentes e graves.
Quando apresentamos algo factível de ser solucionado, ao invés de criarmos barreiras, podemos trazer estímulos para a busca de soluções. Mudanças climáticas e suas consequências, fome e má distribuição de renda, perda de diversidade biológica e cultural, finitude de recursos, são questões sérias que precisam ser comunicadas, preferencialmente de forma construtiva e demonstrando soluções e não causando temor, que pode inibir a ação.
No Love not Loss, o senso de maravilhamento pelo mundo natural fica evidenciado. Fazemos parte da natureza e precisamos redescobrir o amor pela nossa essência. Com isso, reaprendemos a respeitar e nos assombrar com a beleza dos sistemas que permitem a existência de tanta complexidade, essencial à vida.
O próprio IPÊ tem desenvolvido materiais que divulgam as belezas e a diversidade na natureza nacional. Essa é uma forma de educar e comunicar de maneira a encantar o leitor.
Outra forma de comunicar por vídeos foi desenvolvida pela educadora ambiental Andrea Pupo, para o programa que coordena no IPÊ, Semeando Água, realizado no Sistema Cantareira (SP). Em uma série de quatro filmagens (episódio 1, episódio 2, episódio 3 e episódio 4), mensagens são repassadas em linguagem simples e acessível, mas de forma encantadora. O encantamento é parte desse processo de mudar a forma de nos comunicarmos para conseguirmos as mudanças que queremos: maior envolvimento das pessoas na conservação da natureza como um todo.
E cada vídeo tem um material escrito para reforçar os conceitos. São eles:
– Os seres fantásticos e os bichos malucos do nosso quintal
– Nós e as florestas
– Vamos fazer arte com a natureza
– Dos pés a cabeça vamos dançar
Temos um lado do cérebro racional que historicamente tem prevalecido sobre o lado humano sensível. O papel da educação deveria ser despertar ambos os lados, inclusive o mais adormecido, o de sensibilidade. Com isso, teríamos mais chances de nos incomodarmos com as injustiças sociais, a destruição ambiental, e tantos outras agressões que acontecem, com consequências nefastas, que inclusive ameaçam a nossa sobrevivência neste planeta. Despertar o lado artístico, intuitivo e que forma nossos valores tem como objetivo equilibrar o racional e com o sensível. Essa deveria ser uma prioridade na educação, ao menos na educação ambiental.
Sendo assim, precisamos educar para o inconformismo, para a não aceitação de tudo o que é antiético. Devemos, como educadores, incentivar a ousadia do novo construtivo, inclusivo, respeitoso das diferenças e do maravilhamento do belo. E é por meio de uma comunicação estimulante que o processo de mudança pode acontecer mais rapidamente e com resultados mais eficientes. A ideia é atrair mais adeptos à sustentabilidade planetária e, assim, aumentaremos as chances de atingirmos um equilíbrio entre o que queremos e o que somos capazes de fazer para chegar lá.
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