Educação conservacionista: histórias valiosas para crianças e adultos

Algumas pessoas vêm a esse mundo para somar. Um pesquisador que deixou uma linda marca no campo da educação ambiental, sem talvez jamais ter se classificado como tal e sim como um entomólogo, foi o professor Ângelo Machado. Apaixonado e profundo conhecedor de libélulas, aprendeu a voar com suas ideias livres, leves e geniais ao escrever suas histórias para crianças, mas que também encantam adultos. Usou de sua sabedoria ecológica para criar narrativas inspiradoras.

O livro que mais me marcou foi O Menino e o Rio. O personagem da história achava que eram os homens que limpavam os rios, porque os via incessantemente nessa tarefa árdua e interminável, pois os cursos d’água estavam sempre poluídos. Era assim que encontrava os rios, cheios de lixo e água fedorenta. Isso exigia um imenso e constante esforço para reativá-los, trabalho que nem percebia ter resultados eficientes.

Orientados por um cientista careca, bastante rouco e certamente amalucado, retrato fiel do próprio autor, saíram menino e seu mico-estrela em busca de um rio limpo. Passaram por diversos biomas brasileiros, descritos com suas ricas características naturais que certamente passariam desapercebidas por um observador leigo.

Mas, as águas encontradas no percurso explorado eram tão sujas que o menino recomendava continuamente ao mico que não mergulhasse, pois sua estrela poderia se apagar para sempre. Finalmente chegaram à Amazônia, e foi ali que encontraram águas cristalinas em um rio límpido. Deitaram-se a mergulhar e desfrutar de um ambiente ainda bastante intocado pelos humanos não nativos. Com essa experiência, caiu a ficha do menino: existem rios limpos e a natureza era assim em sua origem e quem a está destruindo é o homem não indígena.

Em meio a muitas outras histórias do professor Ângelo, há ainda: Chapeuzinho Vermelho e o Lobo Guará, O Casamento da Ararinha Azul, A Viagem de Tamar, Dente, A outra perna do Saci, O Rei Careca, entre outras. Seus livros encantam pela imaginação que transforma a natureza em fascínio. E o que é melhor, a ciência é sua base de inspiração.

Cristina Rappa, comunicadora experiente, escreveu histórias infantis sobre aves que habitam biomas braseiros e vivenciam experiências que condizem com suas localidades. Temem o fogo nas matas, por exemplo, ou o tráfico de animais, a caça e outros perigos, que os levam a se ajudarem mutuamente para que tenham mais chances de sobrevivência. Em uma narrativa leve e descontraída, Cristina ainda enriquece suas histórias com aspectos culturais regionais, o que ajuda a valorizar a diversidade sociocultural e ambiental do Brasil.

Uma autora que não escreveu para crianças propriamente, mas que merece destaque é Rachel Carson. Autora do clássico Primavera Silenciosa, no qual deflagra o perigo dos agrotóxicos para o fim dos insetos, pássaros e restante da vida selvagem. Sua obra é um marco até hoje, ao influenciar a redução do uso de pesticidas e ao influenciar a legislação que impede ou reduz o uso indiscriminado de produtos nocivos na agricultura.

Carson também é responsável por um pequeno livro que considero uma joia: The Sense of Wonder: A Celebration of Nature for Parents and Children (Sentido de Maravilhamento: uma Celebração da Natureza para Pais e Crianças – tradução livre). Nele, Carson descreve passeios pela natureza com um sobrinho, com momentos memoráveis nos quais observam elementos ou seres silvestres, capazes de trazer à tona encantamento e amor pelo mundo natural. Transcrevo aqui alguns trechos marcantes dessa obra:

“Aqueles que contemplam a beleza da Terra encontram reservas de força que permanecem enquanto a vida durar. O mundo de uma criança é fresco, novo e belo, cheio de encantamento e excitamento”.

“Se eu tivesse a influência sobre uma boa fada que poderia presidir sobre todas as crianças, eu pediria que seu presente a cada criança do mundo fosse um senso de maravilhamento tão indestrutível que duraria por toda a vida, como um antídoto infalível contra a monotonia e os distanciamentos comuns nos anos posteriores, a preocupação estéril com coisas artificiais, a alienação de fontes de nossa força”.

“A importância de saber tem a metade da importância do sentir”.

“Se a criança é para manter vivo seu senso inato de maravilhamento, ele(ela) precisa da companhia de pelo menos um adulto que compartilhe, redescubra com ele(ela) a alegria, o excitamento e o mistério do mundo em que vivemos”.

Todos esses princípios têm relação com a educação ambiental, como quando a autora aponta a importância de não apenas saber, mas sentir, descobrir, se encantar, tendo a natureza como guia desse senso de maravilhamento. Esses sentimentos seriam, assim, a base para fomentar uma responsabilidade compartilhada de proteger a Terra.

Um jovem talentoso, Jonathan Freire, produziu um livro sobre um mico-leão-preto, o Juba, que fica só após ter perdido sua família em decorrência do desmatamento. As informações são baseadas em ciência, pois como ele mesmo diz, foram adquiridas com os pesquisadores do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas. Vale a pena assistir sua entrevista na Globo (Terra da Gente), pois ilustra bem os pontos mencionados.

Outro autor merecedor de destaque é Maurício de Sousa, o genial ilustrador que passou a vida criando gibis com personagens que se tornaram largamente conhecidos. Um de seus gibis de 1986 foi sobre o mico-leão-preto. Nele, Chico Bento chora porque descobre que a espécie está ameaçada de desaparecer para sempre da natureza. Conversa com seu pai, que explica que são muitas as espécies que correm risco de extinção por causa de desmatamento e outras agressões à natureza, sempre causadas pelo homem. No final, Chico Bento resolve parar de chorar e trabalhar pela conservação para salvar as espécies que conseguir.  Em um país com a imensa biodiversidade como a encontrada no Brasil, ter autores com a abrangência do Maurício de Sousa valorizando nossa riqueza natural não tem preço.

Nem sempre é fácil influenciar escritores ou formadores de opinião para aderirem a causas conservacionistas, e por isso sou grata ao Maurício de Sousa. Uma vez, há 20 anos, fui candidata a um prêmio que reconhece mulheres de diversas áreas. Uma das minhas colegas finalistas era uma reconhecida autora de novelas com quem tive a oportunidade de sugerir que criasse um personagem, um apenas já seria muito relevante, que gostasse da natureza brasileira. Ainda mencionei que bastariam alguns comentários de como apreciava o mundo natural de nosso país, ou como alguns comportamentos destrutivos deveriam ser evitados. Emendei com uma oferta que eu estaria disposta a lhe prestar ajuda de graça caso se interessasse pela ideia. Sua cara de espanto foi inesquecível. Parecia que eu havia chegado de outro planeta…

Sei que depois vieram novelas como Pantanal (em duas versões), que mostraram as maravilhas desse bioma, o que já é um grande avanço. Porém, meu sonho sempre foi o de popularizar as belezas e o valor de nossa natureza em mídias diversas, para que diferentes grupos sociais possam receber informações que façam diferença.

Este texto tem o objetivo de chamar a atenção para a importância de se aproveitar escritores que se dedicam a valorizar a natureza de um jeito ou de outro. Existem muitos mais que poderiam ser apontados aqui, mas a intenção não é esgotar o assunto e sim trazer exemplos que inspirem educadores ambientais.

Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
no artigo são de responsabilidade exclusiva de seu(s) autor(es)