Por Cristina Rappa
Jornalista com MBA Executivo de Administração e especialização em Comunicação Corporativa Internacional. Observadora de aves e escritora de livros infantojuvenis com temática voltada à conservação da fauna
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Passei recentemente duas semanas no Panamá, onde passarinhei com uma agência chamada Whitehawk Birding & Conservation, formada por três biólogos interessados em desenvolver iniciativas para a conservação da harpia (Harpia harpya), um rapinante grande, lindo, fascinante… E ameaçado naquele país, do qual é a ave-símbolo, por perda de habitat e caça.
Além de ver passarinhos lindos e passar bons momentos imersa na natureza daquele pequeno país no istmo que divide as américas do Sul e Central e onde há mais espécies de aves do que nos Estados Unidos e no Canadá juntos (incrível, não?!), fiquei conhecendo o trabalho de educação ambiental que a Whitehawk desenvolve lá. Afinal, trabalhar para aumentar o conhecimento sobre a natureza e a consciência ambiental é uma das formas de lutar pela conservação dos animais – a harpia incluída – do lugar, mesmo que os resultados só apareçam no médio e longo prazos.
O programa da Whitehawk nas escolas panamenhas teve início em 2013, três anos após a criação da agência pela norte-americana Marta Curti e pelos espanhóis Angel Muela e Yeray Seminario. O trabalho começou combinando atividades nas salas de aula com viagens de campo a áreas naturais dentro ou perto da Cidade do Panamá, como o Parque Natural Metropolitano e o Parque Nacional da Soberania.
“Para muitos dos alunos, especialmente os das escolas públicas, e para os professores, essa viagem de campo representou a primeira visita a essas áreas naturais”, me conta Marta, explicando que, como estão sediados no Panamá, acreditam que poderiam ter maior impacto sobre os alunos lá mesmo.
Isso porque a agência oferece passeios em diversos países, como Belize, Colômbia e Cuba, nas américas, Índia e Butão, na Ásia, e Madagascar, na África. Porém, como seria complicada a logística de oferecer programas presenciais em escolas de todos esses países, ao invés disso, nesses locais a Whitehawk identifica organizações locais de conservação e educação ambiental que possa apoiar por meio de pequenas doações.
No Panamá, o grupo trabalha com cerca de dez escolas, públicas e privadas. Nos primeiros cinco meses de 2021, seus programas alcançaram mais de 600 alunos, de acordo com Marta, que acrescenta que há vários outros programas planejados ainda para este ano letivo, bastante complicado por conta da pandemia do novo coronavírus. Os estudantes que participam dos cursos são em sua maioria de escolas particulares, sendo que empregam o sistema de patrocínio por parte dessas para fornecer o programa gratuitamente às escolas públicas.
Pergunto se uma escola nos Estados Unidos, por exemplo, pode sustentar uma escola ou alguns alunos no Panamá. “Uma escola nos EUA poderia absolutamente apoiar uma escola no Panamá e vice-versa”, responde a bióloga, dizendo que, como têm mais contatos com escolas do Panamá, por enquanto as escolas privadas de lá apoiam as públicas. “Mas, na verdade, com programas on-line, a oportunidade de criar um programa de patrocínio entre escolas ao redor o mundo aumentou muito”, reconhece.
Sobre a faixa etária para quem são desenvolvidos os programas, inclusive com as visitas a campo, Marta me explica que os participantes têm de 6 a 12 anos de idade. “Levamos alunos de 6 e 7 anos para o campo e eles também adoram! Esperamos desenvolver programas para alunos mais velhos no próximo ano ou de forma que envolvam experiências mais imersivas ao ar livre – como dias mais longos no campo, acampamentos noturnos ou mesmo quatro a cinco noites de acampamento”.
Na Covid, livros, vídeos, jogos...
“Além disso, apoiamos a educação de outras maneiras”, diz Marta, dando o exemplo do livro infantil que escreveu sobre a garça-branca (“uma garça ameaçada encontrada em partes da Ásia”, explica) e cuja publicação a Whitehawk apoiará; assim como a sua distribuição em escolas em todo o Butão, “para ajudar a ensinar a população sobre essa importante espécie”. O livro foi ilustrado por Suraj Limbu e sua produção teve apoio da Royal Society for Protection of Nature (RSPN), do Butão.
Os biólogos ainda desenvolvem uma série de ferramentas educacionais – como vídeos, capítulos de unidades, páginas para colorir, jogos de palavras, questionários, etc. -, que estão disponíveis para download gratuito no site da agência, e que já foram baixados em diversos países, entre eles França, Alemanha, Colômbia, Argentina, Índia e Quênia, apesar de sua maioria estar disponível em inglês e espanhol.
Neste segundo ano de pandemia de Covid-19, fazer download de ferramentas de aprendizado e aprender remotamente viraram rotina para muitas crianças e jovens. “Antes da Covid, nunca pensamos realmente em oferecer aulas on-line, mas agora estão disponíveis para qualquer pessoa em qualquer país e podemos oferecer aulas em inglês, espanhol e também português”, afirma a bióloga.
O Panamá aplicou um lockdown bem rígido durante vários meses da pandemia. Nesse período, com as escolas fechadas, e mesmo agora, com a reabertura gradual dos estabelecimentos, os alunos acompanharam o programa de suas casas, sendo que os estudantes das escolas públicas da Cidade do Panamá têm acesso mais fácil à internet do que os alunos das áreas rurais. Realidade parecida com a de países como o Brasil.
“Muitos alunos não têm computadores, por isso estão acompanhando a lição pelo telefone dos pais. Não é o ideal, mas descobrimos que os alunos estão engajados e interessados e este programa que seguem serve como uma ótima introdução aos pássaros, à natureza e à ciência”, explica Marta, se dizendo ansiosa para o retorno a campo com os alunos.
Paralelamente aos programas com as escolas, a Whitehawk passou a oferecer cursos de identificação de aves para jovens guias que vivem em pequenas comunidades locais no Panamá. “Acabamos de concluir um treinamento em Playa Muerto, Darien, com 15 guias e temos outro programado na área de Chagres para o final deste mês”, conta Marta.
Educando para mudar o coração
Perguntada sobre a mensuração dos resultados dos programas educacionais, Marta diz que eles não têm avaliações oficiais configuradas e que elas são geralmente são feitas pelos professores, mas que podem ver com certeza o benefício para as crianças que aprendem na natureza.
Segundo ela, um bom exemplo é quando levam os estudantes ao parque pela primeira vez, já que muitos têm medo de ficar na floresta. “É incrível ver a transformação pela qual os alunos passam em pouco tempo e a rapidez com que perdem o medo. Como com relação ao medo de aranhas. Ao longo de uma das trilhas que normalmente fazemos, geralmente existem várias teias de aranha grandes e grandes aranhas nelas. Na primeira vez que aponto uma, os alunos gritam e ficam com medo. Mas começo a falar sobre as incríveis adaptações que as aranhas têm e como elas são importantes para o mundo natural. Falamos sobre como as teias de aranha são fortes, quais os sentidos que as aranhas usam para saber quando prendem uma presa, olhamos para suas pernas articuladas etc. Peço aos alunos que mantenham uma contagem de quantas aranhas vemos durante o dia. No final da caminhada, os alunos estão ansiosos e felizes procurando e apontando aranhas”, conta.
“Trabalhamos como educadores ambientais em outros países e em outros projetos e testemunhamos como isso pode ser eficaz para mudar o coração das pessoas e criar um vínculo entre elas e o mundo natural. Como parte do nosso compromisso com a conservação, sentimos que fornecer experiências de aprendizagem baseadas na natureza para os alunos seria uma das melhores coisas que faríamos. Não apenas para os próprios alunos, uma vez que diversos estudos já mostraram a relação positiva entre passar parte do tempo na natureza e a saúde, tanto mental, emocional e física, mas também para a vida selvagem e lugares selvagens”, completa Marta.
Por que aves de rapina?
Em nossa conversa, pergunto a Marta porque o destaque às aves de rapina dentro dos programas de educação ambiental. Ela me conta que a equipe da Whitehawk tem muita experiência no trabalho com aves de rapina, como a harpia e o também ameaçado falcão-de-peito-laranja (Falco deiroleucus). Eles se conheceram ao trabalhar juntos no programa de conservação da harpia do Fundo Peregrino, no Panamá. “Por isso, temos um lugar muito especial em nossos corações para os rapinantes”, diz.
Além da equipe ter afinidade por esses animais, as aves de rapina desempenham papéis muito importantes nos ecossistemas em que vivem: ajudam a manter o equilíbrio ecológico e fornecem importantes serviços ecossistêmicos, como o controle de pragas, contribuindo para impedir a propagação de doenças, e atuam como espécies-chave, bioindicadores e espécies guarda-chuva.
“Além disso, elas são super legais e incríveis de ver na natureza”, completa Marta, que apesar de ter crescido em uma cidade grande (Los Angeles, na Califórnia), sempre gostou de vida selvagem. E de ensinar, tendo especializações em Escrita Criativa e um mestrado em Educação. “Trabalhei como educadora ambiental no National Park Service e no U.S. Fish and Wildlife Service por muitos anos. Fiz pesquisas sobre atropelamentos de fauna, contagens de garças e ajudei a rastrear patos. Em 2000, comecei a trabalhar com uma organização sem fins lucrativos dedicada à conservação de aves de rapina, e ainda trabalho para eles até hoje, em um projeto para conservar o gavião Ridgway, na República Dominicana”, conta.
Morando há mais de dez anos no Panamá, Marta diz “ter a sorte” de já ter guiado alguns passeios “incríveis”: em busca de leopardos-da-neve e tigres na Índia, observação de pássaros em Belize, Cuba e Marrocos e muito mais. “Tem sido incrível e me sinto muito grata pelas experiências que tive. Espero que, por meio de nossos passeios e programas de educação, possamos ajudar outras pessoas a vivenciar as maravilhas da natureza, a vida selvagem e as viagens.
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