Por Suzana Padua
Mestra em educação ambiental e doutora em desenvolvimento sustentável. Co-fundadora e presidente do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas e da Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade (Escas)
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Tem sido comum ver pessoas se mobilizarem por ideais diversos de forma radical. As famosas “seitas” são cada vez mais numerosas e disfarçadas. Em geral, começam por instituir a ideia de que um indivíduo é importante, especial e que veio cumprir uma missão para a qual poucos são capazes. Tudo isso pode ser verdade, pois cada um tem um valor pessoal único e inalienável. Mas, o senso de liberdade de escolhas e de responsabilidade com cada ato precisa estar ativo em tudo o que se faz e deveria ser parte integral da educação: promover escolhas conscientes e responsáveis.
As seitas estão presentes em diversas situações e realidades. Existem grupos que buscam caminhos para a espiritualidade e para o que acreditam ser um bem maior; alguns são pacíficos, mas outros radicais e agressivos em nome de sua fé. Há grupos que têm por base a venda de produtos especiais, cuja missão soa como sendo algo maravilhoso, mas a forma de premiação daqueles que vendem mais acaba se assemelhando a processos utilizados em seitas. Há ainda os que defendem tendências políticas com crenças acirradas em determinadas correntes, sejam científicas ou negacionistas. Esses estão em evidência no mundo atual, principalmente no Brasil, onde os radicalismos se tornaram frequentes e vêm causando até rupturas entre familiares e amigos.
Estamos vivendo uma época de posicionamentos não questionados. E eles muitas vezes levam a crenças que se assemelham às seitas, como descritas na literatura sobre o tema. Quando lemos o que é uma seita, percebemos que quem as conduz o faz com estratégias premeditadas de controle e poder. No início, soam como salvadores e enaltecem quem adere como se fossem especiais e com oportunidades ímpares de tornarem-se heróis ou heroínas de alguma causa. Todavia, as formas de manipular ampliam-se por interesses nem sempre explícitos, mas que muitas vezes se tornam manobras de dominação (quem quiser saber mais sobre seitas e como funcionam, assista a esta apresentação ou consultem livros nela indicados).
Esses cuidados também deveriam fazer parte do campo da educação ambiental: atentar para o não-radicalismo, olhando para a responsabilidade das escolhas conscientes e com base no amor à vida. Esse senso de amor alijaria qualquer possibilidade de seitas, que só acontecem quando uns se sentem superiores a outros, deixando de lado as contribuições dos seguidores com seus potenciais individuais. Do contrário, perde-se a oportunidade de ouvir a todos e de estimular um ambiente de crescimento e desenvolvimento individual que poderia trazer benefícios coletivos.
Uma definição de educação ambiental que me parece pertinente para reforçar essa visão vem de um dos “pais” da educação ambiental, Bill Stapp: “A educação ambiental se torna chave na medida em que cada um desperte para o seu potencial de contribuir para um mundo mais ético e para sua responsabilidade de se engajar em processos que visem um bem maior que priorize o respeito à vida”.
Se houvesse real amor pela vida e a compreensão de que todos têm talentos, mesmo que nem sempre explicitados, haveria empenho em buscar o potencial que cada um tem de contribuir de alguma forma para um mundo mais equânime e sustentável. É o “eu/tu” proposto por Martin Buber, em que o respeito à diversidade e ao outro é o caminho para o crescimento individual. Para Buber, não deveria haver espaços para as relações “eu/isso”, em que um encara o outro como mero prestador de serviços, o menosprezando como ser. Nesse momento, o ideal seria a promoção de relações “nós/todos”; o “eu” pensando o coletivo e o que é bom para o todo. Somos conjuntamente responsáveis pelo destino do planeta.
Dentro da própria educação ambiental desenvolveram-se tendências diversas que enriquecem o campo como um todo. Mas, algumas são alardeadas como verdades absolutas, o que limita a visão, as possibilidades de adoção de determinadas ações e a criatividade no alcance dos objetivos, sejam eles locais, regionais, nacionais ou globais. Todas as abordagens bem formuladas podem ser válidas para determinadas situações ou contextos. Hoje existem inúmeras escolas de pensamento e a maioria traz contribuições significativas, quando desenvolvidas com qualidade: umas são mais políticas, outras filosóficas e epistemológicas, algumas focam em resolução de problemas, enquanto outras se atentam à proteção da biodiversidade e muitas se debruçam em questões urbanas.
Existem inúmeras formas de se trabalhar a educação ambiental e suas metodologias, o que também suscita preferências por vezes acirradas. Por exemplo, na pesquisa ação há o envolvimento do pesquisador com seu objeto de estudo, já que está involucrado e, ao mesmo tempo, observa o que ocorre em seu ambiente de pesquisa. Essa é uma abordagem que prioriza os dados qualitativos no tocante a sua avaliação.
Em outras circunstâncias existem abordagens quantitativas, principalmente quando se quer comparar resultados ou efeitos de uma intervenção educacional entre grupos distintos. Quando isso ocorre, é possível a utilização de análises estatísticas ou formas objetivas de se buscar indicadores de sucesso ou insucesso.
Há ainda aqueles que misturam as metodologias, adotando o que é conhecido por quali-quantitativo. Nesses casos, muitas vezes se mesclam as abordagens, o que pode enriquecer ainda mais os estudos realizados.
Não há certo ou errado e sim escolhas de acordo com contextos e com os objetivos que se deseja alcançar. Cada realidade exige metodologias e abordagens distintas. O importante é que os educadores se sintam confortáveis e escolham o caminho que lhes pareça mais apropriado para determinado propósito.
Qual a ideia central de se evitar dogmas e preceitos pré-estabelecidos? Todas as vezes que não aceitamos as opiniões dos outros, estamos impondo as nossas ou inferindo que somos superiores e que estamos sempre certos. E o que é pior, perdemos a chance de nos enriquecer com visões de outras pessoas que poderiam trazer luz às áreas sombrias do conhecimento. E essa superioridade de uns sobre outros traz desarmonias que precisam ser trabalhadas. As seitas começam assim, quando uns acham que sabem mais, tornam-se líderes sem darem a chance de trocas que poderiam ajudar nas soluções ou permitir o crescimento alheio. Esquecem que o mais importante é a visão do objetivo final: a valorização e a proteção da vida na Terra.
O cerne da educação ambiental deveria ser o amor e o reencantamento pela natureza. Todo o resto é como chegar lá. Esquecemos que fazemos parte da natureza e sem um ambiente sadio nossa existência se torna fragilizada ou até mesmo ameaçada. Se é uma semente apenas ou uma árvore frondosa ou ainda uma floresta viçosa, se o foco é em rios e mares ou na terra, se a questão é urbana ou se é rural, ou qual postura metodológica é adotada, esses são apenas detalhes de percurso. A visão me parece maior, quando percebemos que somos natureza e estamos conectados a tudo o que há na Terra, seja ar, água, solo, nutrientes, outras espécies, inclusive a humana.
Se o ser humano não sabe ou desaprendeu a amar, é a isso que devemos nos dedicar.
Essa deve ser a base para se educar de maneira inclusiva. Somos todos seres humanos vivendo no planeta Terra, que precisa estar em harmonia para que tenhamos uma vida sadia. Essa noção traz unidade e integração e nela não há espaço para a superioridade de uns sobre outros. Nós, educadores ambientais, deveríamos nos ater a propiciar oportunidades para que todos descubram seus talentos e que os utilizem em prol da coletividade e da vida, humana e não humana.
A educação ambiental vista dessa forma pode parecer utópica, mas é, a meu ver, a essência da compreensão de nossa existência aqui e agora. O respeito à vida precisa partir de um senso de pertencimento – fazer parte de algo maior, grandioso e que precisa de cuidado. Esse pode ser um caminho que nos devolva nossa consciência de conexão com a vida e nos desperte para a urgência de nos unirmos para proteger o planeta em que vivemos.
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