Por Suzana Padua
Mestra em educação ambiental e doutora em desenvolvimento sustentável. Co-fundadora e presidente do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas e da Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade (Escas)
educacaoambiental@faunanews.com.br
A educação ambiental ganhou relevância a partir das décadas de 1970 e 1980. Surgiu da necessidade de se responder a desafios da relação entre o ser humano e a natureza, que só pareciam crescer. Isso levou um grupo a pensar no que estava faltando no sistema da educação tradicional predominante que acabava permitindo impactos bastante devastadores, originados da falta de cuidado com a natureza e com outros seres humanos. O pensamento que imperava era de curto prazo (e ainda é) e a humanidade tratava o planeta como infinito e só o explorava, sem lhe dar tempo suficiente para se regenerar.
Foi assim que se percebeu a necessidade de levar em conta os dois lados do cérebro humano: o racional e o sensível, o estruturado e o sutil ou ainda o objetivo e o de valores. Não que haja uma diferenciação rígida entre um lado e o outro do cérebro, mas a tendência por milênios tem sido a de priorizar conteúdos com base em conhecimentos e não questionamentos que reflitam valores. Um não se sustenta sem o outro e foi justamente esse o grande passo dado pela educação ambiental, adicionando o estímulo à participação e não mais a passividade.
Muitos projetos surgiram no campo da educação ambiental tentando responder às necessidades observadas – sejam em escalas locais ou mesmo globais – e o lema “pensar global e agir localmente” ficou bastante conhecido. Algumas iniciativas foram muito bem sucedidas e outras menos. Por quê? A razão é que as questões ligadas ao ser humano são complexas. Um programa de educação ambiental precisa de um planejamento bem feito para que tenha chance de eficácia. E, às vezes, a empolgação de quem faz algo nessa área não permite investir o tempo necessário para que o produto seja adequado à realidade onde será aplicado. Outra questão importante é que poucos avaliam os resultados da implementação de um programa, o que leva iniciativas a não alcançarem a eficácia necessária para responder a um problema ou a um tema.
Compartilho a seguir o procedimento que utilizo para elaborar um programa de educação ambiental. Esta estrutura é baseada em publicações de Susan Jacobson e minhas, pois tive o privilégio de tê-la como minha orientadora de mestrado, me deixando esse valioso legado (tabela abaixo).
Dividido em três partes, Planejamento, Processo e Produto (PPP), o modelo baseia-se em um processo de avaliação contínua, pois cada etapa fornece informações que nutrem os procedimentos a serem adotados nos passos subsequentes. A primeira coluna, Planejamento, que muitos pulam porque não é tão emocionante, é talvez a mais importante porque é ela que define as bases do que precisa ser feito. O Processo é o gostoso, por ser quando colocamos a mão na massa e mostramos nossos talentos, seja por meio de peças de teatro, campanhas, programas de rádio, folhetos ou cartilhas, entre inúmeras outras estratégias. Mas cada passo precisa estar ajustado com o contexto em questão, definido na fase anterior de Planejamento, que leva em conta necessidades, nível educacional local, público específico e assim por diante.
Já no Produto, os educadores têm duas oportunidades: avaliar para melhorar as etapas implementadas, cujo ideal é que seja feito no decorrer da implantação de cada etapa, e verificar a eficácia do que foi feito como um todo, como produto final. No caso de o programa ter sido melhorado no decorrer de sua implantação por conta da avaliação contínua, dificilmente deixará de ter resultados significativos. Sendo assim, os dados coletados podem ajudar a obter apoio para a continuidade e até a ampliação do programa como um todo. Além disso, dão respaldo para que publicações sejam possíveis, uma vez que se tem informações confiáveis, que muitas vezes faltam em programas educacionais.
Esquema do modelo de avaliação contínua:
Essa tabela pode ser de grande ajuda, mas existem outras e é opção de cada educador identificar com qual se sente mais confortável. O importante é que se alguém vai realizar algo na linha da educação ambiental, que seja o mais eficiente possível porque pode ser transformador individual e coletivamente. A adoção de procedimentos avaliativos economiza tempo, energia e recursos que podem ser melhor aplicados na melhoria, na ampliação e na qualidade do que se quer realizar.
Muitos programas falham exatamente por falta de avaliação. O que poderia ter sido melhorado logo no início ou durante a implantação acaba, por vezes, nutrindo erros que se avolumam e só serão percebidos quando o programa já está em suas etapas finais, ou não são descobertos de jeito algum por falta de atenção ao processo percorrido. Mas, são muitos os projetos que acabaram não rendendo resultados ou que se esperava ter efeitos maiores do que os que se evidenciou. Por exemplo, quando se começou a trabalhar com reciclagem, inúmeras escolas adotaram a separação de lixo, sem averiguar se a localidade contava com coleta seletiva. Esse foi um exemplo que presenciei em diversas ocasiões e quando o público envolvido descobre que tudo está indo para o mesmo local, o descrédito se instala.
Outro exemplo é a linguagem muitas vezes inadequada à população alvo. Se o programa está direcionado a pessoas com baixa escolaridade, não adianta produzir textos longos com linguajar acadêmico ou usar um discurso que não faça parte do dia a dia da população. O melhor, nesse caso, é usar outras ferramentas como ilustrações com desenhos e uma linguagem acessível. Se o ambiente é em uma ilha que só recebe visitantes com barcos particulares, que possuem outro tipo de renda e de acesso ao conhecimento, a linguagem precisa ser outra, assim como os meios de comunicação. As mensagens podem ser as mesmas (como valorizar o canto diferenciado dos pássaros , a variedade da coloração de fungos e da vegetação, a impressionante biodiversidade regional ou ainda a qualidade da água e do ar), mas as abordagens devem ser bem diferentes para que cada público seja instigado a se interessar. É por essa razão que cada vez mais a educação ambiental deve estar atrelada a estratégias de comunicação. A educação precisa chegar onde as pessoas (públicos estratégicos) estão.
A arte é um caminho eficaz de sensibilização para todos os meios sociais, desde que com linguagem e ferramentas adequadas. Uma vez que a educação ambiental trabalha com ambos os lados do cérebro humano, o mais racional e estruturado e o mais sensível e de valores, a arte penetra o âmago do ser humano e o toca em suas entranhas. Se essa arte é ligada à natureza, tanto melhor, pois a mensagem pode ser educacional e ao mesmo tempo estimulante a novos aprendizados. Por exemplo, na época de final do inverno brasileiro os ipês irradiam beleza e chegam a emocionar. Mas, se houver chance de apresentar uma poesia em qualquer meio de comunicação, até em trilhas interpretativas, a emoção pode ser ainda maior.
“Sou um homem dissolvido na natureza
Estou florescendo em todos os ipês
Estou bêbado de cores de ipês…
(…)
Este é tempo de ipê
Tempo de glória”
Carlos Drummond de Andrade
Muitos educadores perceberam esse potencial e têm desenvolvido festivais de música, poesia, cordéis, exposições de desenhos e pinturas, peças de teatro, programas interativos nas mídias sociais e assim por diante. O ideal também, nesses casos, é avaliar a eficácia da adequação do veículo com o público em questão de modo a ter um melhor aproveitamento de cada estratégia.
Muitos programas têm tirado partido de espécies específicas como forma de chamar atenção para a importância de todo o ecossistema do qual dependem e vivem. O primeiro que me ocorre foi o mico-leão-dourado, que me inspirou a desenvolver algo em linhas distintas, por ser em outra realidade, mas com foco no mico-leão-preto. Existem programas para tartarugas, morcegos, araras e até “anta é elogio” e “minha amiga é um anta”. A vantagem desses casos é abrir brechas para criar ligações afetivas e interesses a conhecimento quando o direcionamento é a um animal ou a uma planta específica, ao invés de projetar a proteção de todo um ecossistema. Mas, ao haver um aprofundamento do que leva aquela espécie a viver adequadamente, chega-se ao seu habitat e às condições de conservação ideais para que viva bem na natureza e sem perigo de extinção. Com isso, criam-se laços de afetividade entre os seres humanos e os demais seres vivos, o que traz maiores chances de despertar interesse em sua proteção.
Uma vez que os maiores problemas na atualidade decorrem de ações humanas, a educação ambiental tornou-se um caminho que merece ser considerado e conduzido com o maior cuidado possível. O campo já perdeu bastante credibilidade que precisa ser reconquistada, mas muito é por conta de questões aqui elencadas – de não se pensar em todo o processo e apenas em alguns aspectos, além de não se avaliar as etapas percorridas e os produtos finais.
Educação ambiental é um campo complexo por lidar com aspectos sociais, ambientais, econômicos e políticos, pois mexe com conhecimentos e valores. Seu potencial é empoderar as pessoas para que assumam novas responsabilidades que ajudem a mudar realidades. Por isso, quanto mais criteriosa a forma de implementar um programa nessa área, melhor. Mesmo com todos os cuidados, nem sempre se acerta, mas tudo deve ser encarado como aprendizado que permita melhorias no que está sendo oferecendo. Já que alguém se dispõe a realizar algo nessa área, que seja da maneira mais cuidadosa possível. Assim, a credibilidade pode ser mais facilmente reconquistada. Os trabalhos devem ser propostos e realizados com a seriedade que merecem, pois este é, de fato, um campo de transformação que pode ajudar a trazer luz a muitos desafios que parecem difíceis de serem superados. É apenas um caminho possível, mas um que deve ser adentrado com todos os cuidados para torná-lo promissor e surpreendente.
– Leia outros artigos da coluna EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
no artigo são de responsabilidade exclusiva de seu(s) autor(es)