Por Cristina Rappa
Jornalista com MBA Executivo de Administração e especialização em Comunicação Corporativa Internacional. Observadora de aves e escritora de livros infantojuvenis com temática voltada à conservação da fauna
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Em 2018, quando visitei, junto com um grupo de jornalistas especializados em meio ambiente, a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Estação Veracel, no sul da Bahia, deu para notar um certo brilho no olhar e orgulho pelo lugar por parte do grupo de funcionários que nos recepcionou.
A reserva nos foi apresentada como sendo o “xodó” da empresa fabricante de celulose, uma atividade normalmente associada a impactos ambientais negativos, tanto na etapa do cultivo do eucalipto (que “puxaria” muita água do solo e seria pobre em fauna) como no processo de industrialização da madeira, em função dos dejetos dos químicos usados no seu beneficiamento e do forte odor. Essas questões nos foram esclarecidas pelos dirigentes da empresa de capital brasileiro e sueco-finlandês (50% do capital pertence à Suzano e a outra metade à Stora Enzo): o plantio em mosaico do eucalipto com a mata nativa favorece a fauna, a empresa mantém preservado um hectare de mata nativa para cada hectare de eucalipto, ou floresta cultivada, as árvores consomem mais água nos dois anos iniciais do cultivo, e os cuidados modernos na produção reduziriam o impacto dos dejetos no ambiente.
Rica em biodiversidade, a RPPN, de 22 anos, ocupa uma área de 6.069 hectares de floresta em estágio quase primário nos municípios de Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália, e é vizinha do Parque Nacional do Pau-Brasil, de 19 mil hectares. Na reserva já foram registradas 270 espécies de aves – entre elas os ameaçados e só encontrados em matas bem preservadas crejoá (Cotinga maculata) e urutau-de-asa-branca (Nyctibius leucopterus), sem falar na emblemática, e pouquíssimo comum em mata atlântica, harpia (Harpia harpyja), cujo ninho com filhote tive oportunidade de ver na ocasião – das cerca de 350 encontradas nessa que é chamada a Costa do Descobrimento. O local ainda teria sido considerado pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) uma das 20 áreas com o maior número de espécies de árvores do mundo.
Manter a área preservada e livre de ameaças de desmatamento, poluição no entorno e caça, um dos compromissos para manter certificação internacional que assegura o manejo sustentável do eucalipto, exigência de alguns mercados, é desafio que a equipe da Estação Veracel enfrenta com programas de educação ambiental, explica a sua coordenadora, a bióloga Virgínia Camargos. Os programas são voltados às comunidades locais, incluindo proprietários rurais, pequenos produtores dos assentamentos vizinhos, estudantes e professores das escolas da região, e os próprios colaboradores. Ela conta que a Veracel foi a primeira empresa de florestas plantadas a ser reconhecida com o certificado FSC (Forest Stewardship Council) pelos trabalhos em prol da biodiversidade exercidos na RPPN.
Mineira de Divinópolis, Virgínia revela que sempre se encantou e trabalhou com conservação ambiental, pendendo mais para a Ecologia do que para a Botânica, apesar do mestrado e do doutorado (pela Universidade Federal de Viçosa/UFV) nessa especialidade. A empolgação ao falar dos trabalhos de educação ambiental conduzidos pela Estação, onde atua desde 2014 (na Veracel soma 12 anos de trabalho), deixa clara essa sua vocação.
Quatro programas
A coordenadora conta que são quatro as linhas dentro do programa guarda-chuva de educação ambiental da Estação. O primeiro seria o que eles chamam de Educação Ambiental Itinerante, dentro dos onze municípios de atuação da empresa na Bahia, e acontece quando atendem a uma demanda específica e aí desenvolvem ações de acordo com a necessidade do requerente.
Um exemplo foi o programa desenvolvido para o município baiano de Itapebi, que os solicitou para ajudar a capacitar os professores locais. “Fizemos uma visita, conversamos com todos os professores, demos uma palestra sobre educação ambiental e levamos esses educadores à RPPN para eles vivenciarem a natureza e saírem com mais informações para trabalhar as questões ambientais com os seus alunos”, conta Virgínia.
Outra linha de ação é o Programa de Atendimento de Condicionantes, colocado em prática para se obter, por exemplo, uma licença que tem uma condicionante para ser emitida. A principal linha de ação desse programa é um plano de manejo chamado de Boa Vizinhança, em que são envolvidas as comunidades vizinhas imediatas: dois assentamentos reconhecidos pelo Incra; a Estação Pau Brasil, vinculada à Ceplac (sigla de Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira, ligada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), de mil hectares de mata; quatro proprietários rurais; e uma RPPN.
O relacionamento com os vizinhos “maiores” – como os proprietários rurais e a Ceplac – costuma ser “porta a porta”, conta Virgínia. Já com os assentados (tanto as lideranças, como professores e estudantes das seis escolas que ficam nos assentamentos) e as comunidades que estão em torno dos terminais marítimos e da fábrica são desenvolvidas ações estruturadas de educação ambiental. “É um trabalho para reforçar a noção de pertencimento da estação Veracel, mostrando que somos parceiros e que podem vir pedir ajuda”, diz.
Observação de aves
Nesses programas com a comunidade, “usamos muito o passarinho como agente sensibilizador para a questão da preservação ambiental”, diz a bióloga, explicando que há muita gente na região que ainda mantém aves em gaiola. “Toda vez que você consegue mostrar para essa pessoa, no binóculo, o passarinho em vida livre, sua atitude começa a mudar”, assegura.
Ela se lembra de um episódio em que, desenvolvendo uma atividade de observação de aves com alunos de uma das escolas de um dos assentamentos vizinhos, passou um senhor de bicicleta que, curioso, perguntou o que estavam fazendo. “Estamos observando aves”, respondeu um dos estudantes. Ele falou que gostava de aves, mas que as mantinha presas para cantarem para ele.
“O senhor já viu uma ave na natureza?”, convidou a Priscila, da equipe de Virgínia, emprestando-lhe o binóculo. Quando ele viu alguns passarinhos, constatou: “eles parecem mais contentes que os meus!”.
Foi o passo para a mudança e depois de outras experiências com o binóculo, esse morador soltou os indivíduos de espécies de aves nativas que mantinha em gaiolas. “Esse senhor, que passou por esse processo e entende muito de aves, é um agente multiplicador de educação ambiental na sua comunidade”, conclui.
Reconhecendo a importância das aves no processo de educação e ainda no monitoramento ambiental, a Estação Veracel instalou há uns anos um Observatório de Aves, coordenado pelo ornitólogo Luciano Lima, para acompanhamento das aves que lá vivem ou aparecem nas migrações.
Na minha visita à Estação como jornalista, há dois anos, pude dedicar algum tempo a “passarinhar”, acompanhada pelo Jailson Souza, funcionário que trabalhava no campo e, em função do seu interesse por pássaros, passou a atuar no observatório, como auxiliar de pesquisa, passando a ter contato com pesquisadores e birdwatchers de todo o Brasil e até estrangeiros. Jailson é um exemplo de como a educação ambiental pode abrir os horizontes e dar novas oportunidades às pessoas.
Voltando ao público externo, alvo do programa Boa Vizinhança, a equipe da Estação vê ainda, nesses “trabalhos de formiguinhas”, nas palavras de Virgínia, que desenvolvem com as crianças e a comunidade, oportunidade para identificar possíveis condutores, tanto para guiar grupos de observadores de aves dentro de sua área, como para desenvolver projetos de ciência cidadã que ajudem na preservação ambiental.
“Como acontece com os municípios da Chapada do Araripe, no sul do Ceará, que passaram a respirar o soldadinho-do-araripe*, nosso sonho é que as pessoas do entorno da estação respirem o crejoá. Mas ele precisa ser mais visto para isso vir a ser realidade e o Observatório deve nos trazer diversas dessas respostas”, completa.
Neste ano, em que a pandemia não permitiu que fossem mais realizados eventos presenciais, um vídeo foi enviado às escolas e às lideranças comunitárias para reforçar as informações já passadas.
Sensibilização
Uma terceira linha de programa é o de Visitas, quando recebem escolas e grupos organizados e são feitos trabalhos de sensibilização ambiental como a caminhada em uma trilha interpretativa. “Percebemos que as pessoas, depois desse primeiro contato com a natureza, são sensibilizadas e aquilo toca fundo; elas nunca esquecem”, diz Virgínia.
Dentro desse programa, que funciona desde 2009, a Estação Veracel costuma receber cerca de cinco mil pessoas por ano. Este ano, por causa da pandemia, foram recepcionados até meados de março 1.050 visitantes.
Por fim, há o Programa de Educação Ambiental Itinerante para os cerca de 800 colaboradores próprios e os mais de três mil de empresas parceiras, em que são treinados multiplicadores para as diferentes áreas. A equipe de Virgínia subsidia esses profissionais com materiais contendo informações sobre questões ambientais e uma vez por mês eles realizam entre suas equipes o que chamam de “diálogo direto de meio ambiente”, que é uma ação de educação ambiental.
A coordenadora conta que, com o tempo, foi notada uma mudança de atitude. “Inicialmente, eles recebiam as informações e consideravam aquilo um cumprimento de protocolo. Agora mudou. Eles se interessam mais, vêm até a gente com dúvidas, sugestões. A vontade de ter mais informações tem crescido muito”, afirma.
Reconhecimento e resultados
Além do interesse maior pelas questões ambientais, os funcionários passaram a demonstrar mais orgulho pela empresa. Virgínia dá o exemplo dos funcionários de operação de campo, que eram terceirizados e depois passaram a fazer parte do quadro de funcionários da Veracel, que têm orgulho de vestir o uniforme da empresa e são reconhecidos e valorizados na comunidade como agentes ambientais.
Questionada sobre se já vê mais resultados positivos nos programas de educação, Virgínia conta o episódio de um pequeno ciclone ocorrido em fevereiro, acarretando a queda de algumas árvores, que obstruíram a estrada. Colaboradores da Estação foram liberar a estrada próxima a um assentamento com motosserras, quando um vizinho escutou o barulho e foi avisar que tinha gente usando motosserra, o que poderia indicar ameaça de desmatamento. “Isso foi ótimo, porque mostra que a comunidade passou a entender a importância de se manter a floresta em pé e a ficar atenta aos sinais de desmatamento”, diz a bióloga.
Em outra ocasião, uma queimada em eucalipto de vizinho foi alertada ao vigilante da estação, que foi acionado pelo vizinho para evitar que o fogo crescesse e ameaçasse a mata da RPPN. “Esse aumento de percepção nos dá o direcionamento de que estamos no caminho certo”, comemora. “Não temos poder de polícia, não somos agentes fiscalizadores, mas usamos a força do diálogo para mostrar que a floresta em pé e o animal vivo valem mais do que mortos”, diz.
Por falar em animal vivo, a pressão da caça sobre a rica fauna local é objeto de grande preocupação por parte da empresa, sendo que já foram encontrados inclusive caçadores de outros Estados na área da Reserva. “Conseguimos mobilizar, junto com o Ministério Público um grupo de combate à caça”, conta ela, dizendo que procuram alertar que caça é prática ilegal e danosa ao ambiente e à biodiversidade, e que há oportunidades de crescimento pessoal e profissional em atividades como o ecoturismo, por exemplo.
“Precisamos trabalhar forte com esses caçadores – normalmente gente que mora na cidade mas que conhece bem o campo – para conseguir fazer a inversão dessa chavinha. Aí, quando essas pessoas que hoje vivem da caça passarem a enxergar oportunidades na preservação ambiental, a gente vai ganhar na conservação”, acredita.
*Soldadinho-do-araripe (Antilophia bokermanni) é uma espécie de ave endêmica e ameaçada do sul do Ceará. Virou símbolo da região, tanto que até os táxis de Crato têm o carro decorado com a imagem do soldadinho.
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