Por Suzana Padua
Mestra em educação ambiental e doutora em desenvolvimento sustentável. Co-fundadora e presidente do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas e da Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade (Escas)
educacaoambiental@faunanews.com.br
O distanciamento da humanidade em geral com sua essência acabou por levar alguns pensadores a buscarem soluções ou caminhos como a própria educação ambiental, o desenvolvimento sustentável com suas variantes e as propostas incessantes da ONU, com os ODM (Objetivos de Desenvolvimento do Milênio), os ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), ou agora a tendência empresarial do ESG (Environmental, Social and Governance – Ambiental, Social e Governança). Todos são válidos e preciosos, mas enquanto nós não nos sentirmos parte e aprendermos a apreciar a vida natural em sua magnitude, poderemos continuar criando termos e rumos que, infelizmente, podem não levar a grandes impactos.
O que parece ser crucial é uma mudança radical na nossa forma de ser. Precisamos deixar de achar que temos o direito de usar indiscriminada e insustentavelmente tudo o que está à nossa volta. Isso inclui gente e recursos naturais, pois é o que temos feito até hoje. A história é testemunha e os efeitos estão batendo à nossa porta.
A própria educação ambiental evoluiu desde seu nascedouro até os dias de hoje. Em alguns locais do mundo, assume uma vertente mais preservacionista enquanto em outros a tendência é mais conservacionista com preocupações de melhorias sociais, havendo ainda cenários onde a tônica é política. Aliás, qualquer mudança consciente exige reflexão e culmina em escolhas e tomadas de lado que recaem em decisões políticas.
A educação ambiental, quando desenvolvida em ambientes naturais, objetiva tocar o indivíduo, sensibilizá-lo para que se deslumbre com a natureza e se sinta parte dela. Se a ideia é levá-lo a perceber a importância da natureza, nada melhor do que buscar meios e estratégias que possam enriquecer a experiência. É por isso que muitos programas implantam atividades ao ar livre e, com frequência, em trilhas interpretativas.
É sobre “interpretação” ou “atividades interpretativas” que trato neste artigo. A interpretação foi desenvolvida para dar cor a experiências sensoriais por meio de vivências com aprendizados que tocam quem passa por elas e, em geral, ficam na memória.
A primeira vez que vivenciei uma visita que serviu como escola de interpretação foi quando levamos a família a Williamsburg, no estado da Virgínia, EUA. Trata-se de um museu histórico a céu aberto, com pessoas trajando vestimentas da época e até usando expressões antigas para reforçar o período retratado. Williamsburg foi a capital da Virgínia de 1699 a 1780 e teve importante papel durante a guerra civil que dividiu o país entre norte e sul. O local foi restaurado em final da década de 1920 e se mantém impecável pela quantidade de aproximadamente quatro milhões de visitantes durante o ano todo. É, sem dúvida, um palco de inspiração de como transformar uma visita educacional, que poderia ser maçante, em algo prazeroso, cheio de aventuras e emoções que são levadas na bagagem de quem as experiencia.
Em 1957, Freeman Tilden lançou um livro pequeno e com grandes lições sobre interpretação, inspirando muitos que o sucederam (Interpreting our Heritage). Sua ideia era chamar atenção de algo, seja história, cultura, natureza, de maneira vivenciada, trazendo aprendizados pertinentes ao que estava sendo exposto.
Foi assim que o termo interpretação da natureza ou interpretação ambiental adotou um conjunto de princípios e técnicas que visam estimular as pessoas a sentirem-se parte; a se envolverem com o ambiente natural por meio de experiências práticas e diretas. A interpretação caracteriza-se pela informalidade e pelo encantamento que as experiências trazem ao visitante, provocando estímulos sensoriais, curiosidade e reflexões decorrentes das interações, comparações e analogias usadas. São experiências reais que abordam temas que poderiam passar desapercebidos, tornando-os aparentes e com chances de serem significativos.
Interpretação, para Tilden, é uma atividade educativa com significados e inter-relações que junta objetos ou ambientes reais e originais, propiciando contato direto, ao invés de simplesmente comunicar. Dois pontos, segundo o autor, são fundamentais para a interpretação ser mais bem aproveitada, como o papel do intérprete e sua conexão com o público: “A interpretação é a revelação de uma grande verdade, que se esconde por detrás de manifestações simples” ou “a interpretação deve capitalizar a simples curiosidade do visitante para o enriquecimento da sua mente e do seu espírito”.
Se a interpretação nasceu de uma comunicação diferenciada entre intérprete e visitante, com participação ativa entre eles, aos poucos foi também incorporando sistemas de avaliação que permitem monitorar o impacto do que está sendo oferecido, de modo a se planejar melhor cada etapa e conteúdo, de acordo com públicos específicos. Em síntese, interpretação visa explicar o ambiente ou alguma característica que possa sensibilizar o visitante para despertar ou estimular interesse, reflexão e, quem sabe, envolvimento com a conservação do ambiente natural.
Tilden descreve seis características que a interpretação deve contemplar:
1 – Ser prazerosa – Manter ritmo interessante, ameno, envolvente, de modo a prender a atenção e divertir em ambiente informal.
2 – Ser significativa – Propiciar que o visitante seja capaz de relacionar seu conteúdo com algo vivenciado ou conhecido, evitando o uso de termos técnicos e complicados ao grande público, exceto quando necessário, explicando por analogias ou comparações, e relacionando o conteúdo com fatos do dia a dia.
3 – Ser organizada – Manter a estrutura sempre coerente e pensada criteriosamente para exigir pouco esforço do visitante, sendo apresentado princípio, meio e fim em cada discurso, mantendo nítidos os pontos principais.
4 – Ser provocante – Instigar o visitante a refletir sobre determinado aspecto ou processo, indo além dos fatos apresentados.
5 – Ser diferenciada – Manter linguagem e conteúdos adequados a cada público, seja adulto, criança, pessoas com graus de educação diversos ou diversidade étnica e de gênero.
6 – Ser temática – Ter uma mensagem central em torno da qual a interpretação acontece, com comunicação clara e direta.
Todos esses pontos devem ser considerados em conjunto, pois, como defende Tilden: “A interpretação deve apresentar os fatos na sua totalidade, evitando a fragmentação”.
Nessa linha de pensamento, as trilhas interpretativas se tornam salas de aulas vivas. O contato direto visitante/natureza pode ajudar a desenvolver uma nova visão de ligação, de integração, de pertencimento. Pode despertar ou aguçar emoções e conhecimentos do que é exposto. Proporcionam oportunidades de reflexão sobre valores, que são indispensáveis a mudanças comportamentais que estejam em equilíbrio com a conservação do mundo natural, do qual a humanidade faz parte, como defende Marlene Tabanez e colegas em 1997 (Tabanez, M., Padua, S., Souza, M.G. Cardoso, M. M. & Gurgel Garrido, L. 1997. Avaliação de trilhas interpretativas para educação ambiental. In: Educação Ambiental: Caminhos Trilhados no Brasil. S. Padua & M. Tabanez (organizadoras). Brasília: IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas. p. 89-102.) e em 2000 (Tabanez, M. F. Significado para professores de um programa de Educação Ambiental em unidade de conservação. 2000. 317 f. Dissertação (Mestrado em Metodologia de Ensino) – Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2000.).
Especificamente sobre trilhas interpretativas, Tilden também deu sua contribuição ao afirmar que favorecem a transmissão de conhecimentos e, ao mesmo tempo, revelam significados, tendo a natureza como cenário da experiência. Com isso, propiciam ambientes adequados a ganhos cognitivos e experiências sensoriais que vão muito além da comunicação, sem depreciar seu valor, que é indiscutível e indispensável.
Alguns exemplos de atividades que podem ser realizadas em trilhas interpretativas:
1 – Preparar perguntas e esconder as respostas acirra a curiosidade, podendo ser um mecanismo simples e eficaz para despertar interesse sobre temas relacionados à natureza. Por exemplo: “O que será que o mico-leão-preto gosta de comer nessa imensa floresta?” A resposta pode estar escondida atrás e um tronco de árvore. Outras perguntas podem ser: “Quantos anos será que tenho?” (ao pé de uma imensa copaíba ou um gigantesco jequitibá), “Quem gosta de comer meus frutos?” (próximo a um ingá, que é altamente cobiçado por animais que transitam nas copas das árvores, mas também por aqueles que caminham no solo e aguardam o que cai dos vorazes companheiros arboríferos).
2 – Oferecer uma prancheta com um papel em branco para o visitante e pedir que fique só de 5 a 10 minutos em silêncio e expresse o que sentiu. Em geral, essa experiência é atípica pois a maioria das pessoas não está acostumada a ficar no meio da natureza, sozinho e em silêncio, o que ajuda a aguçar os sentidos e os sentimentos e não a razão, como é o costume.
3- Vendar o visitante (sempre tendo algum acompanhante sem vendas) e conduzi-lo a tatear troncos de árvores ou folhas diferentes e pedir que cheirem espécies que tenham odores interessantes. Essas espécies precisam ser identificadas anteriormente e, de preferência, testadas para que não causem medo ou qualquer sensação negativa.
4 – Usar tecnologia de identificação de espécies, que sempre atrai o público jovem. Existe ainda o que é chamado “realidade aumentada” ou “realidade virtual”, que simula a presença de algum animal ou situação inesperada. A surpresa pode ser uma maneira de estimular a curiosidade e a vontade de saber mais sobre algum determinado assunto.
O ideal é que todas as atividades oferecidas sejam preparadas com cuidado e testadas anteriormente para se ter uma experiência otimizada.
Maria das Graças de Souza, educadora ambiental do IPÊ, exercitou essa prática quando criou uma trilha interpretativa na Estação Ecológica dos Caetetus, ou Estação Ecológica Olavo Ferraz, em Gália (SP). Convidou especialistas de fauna, flora, solo, clima, conhecedores da região, para compartilharem seus conhecimentos. Essas informações formaram os conteúdos das placas colocadas ao longo do percurso, mas testadas antes de serem produzidas definitivamente.
Importante reforçar que a interpretação ambiental é um rico complemento para a educação ambiental. Ambas têm características semelhantes, ao buscarem mudanças do ser humano em relação à conservação ambiental e à valorização da natureza. Entretanto, existem aspectos que divergem quanto ao tempo e o local em que são realizadas. A educação ambiental é um processo continuado, enquanto a interpretação ocorre em momentos específicos e com curta duração. A educação ambiental tem pertinência em ambientes diversos, dentro e fora de sala de aula, já a interpretação ambiental ocorre principalmente em áreas naturais. Uma complementa a outra na tarefa de aumentar conhecimento e sensibilizar o ser humano para se sentir parte do todo e atuante em sua defesa, adotando ética e sustentabilidade como bases para suas ações.
– Leia outros artigos da coluna EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
no artigo são de responsabilidade exclusiva de seu(s) autor(es)