Por Suzana Padua
Mestra em educação ambiental e doutora em desenvolvimento sustentável. Co-fundadora e presidente do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas e da Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade (Escas)
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Tratar Educação Ambiental como Ciência nem sempre é considerado sano. Muitos acham bobagem, principalmente quem trabalha com questões sociais per se, mesmo que de forma profunda. Todavia, a minha trajetória demandou uma outra postura e acabei concluindo que sano seria tratá-la como Ciência. Vou explicar.
Faço parte de uma organização, o IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, cuja base é Ciência – Ciência para ação, para resolver questões, também chamada de Ciência Aplicada. Talvez por isso, internamente o respeito era dado a quem produzia dados que podiam ser validados cientificamente. Passei alguns anos sendo desvalorizada, mesmo que de forma disfarçada. Afinal de contas, trabalhar na área social não tinha o mesmo valor do que em Ecologia, Biologia ou com imagens de satélite, entre outros.
Com isso, ou eu escrevia minhas próprias propostas para conseguir executar o que almejava ou os pesquisadores incluíam nas últimas linhas de suas propostas algumas ideias, em geral com enormes expectativas de transformação, envolvimento e apoio de comunidades, mas prevendo escassos recursos para educação ambiental. As histórias eram bem complexas. Por exemplo, um pesquisador que trabalhava em um local onde havia a tradição de desmatamento desejava reverter a realidade com todo o apoio das pessoas locais, ou uma espécie que estava em extinção deveria tornar-se símbolo de conservação regional. Muito a realizar com o mínimo de recursos. Ou seja, missão impossível com as sobras do que restava dos diversos projetos.
Todavia, tive a sorte de cair nas mãos de uma professora recém-chegada à Universidade da Flórida, onde eu estava cursando mestrado, a Dra. Susan Jacobson, uma aficionada por avaliação. Foi aí que desenvolvi um trabalho comparativo com os alunos que visitavam o Parque Estadual do Morro do Diabo (que na época era administrado pelo Instituto Florestal de São Paulo), onde estávamos desenvolvendo nossos projetos – Claudio, meu marido, doutorando com foco na ecologia do mico-leão-preto, e eu com um programa de educação ambiental que havia criado e implementado para essa unidade de conservação, tendo o mico como espécie bandeira.
Meu estudo foi mensurar a eficácia do programa de visitação que havia implantado. Levou algum tempo a ser desenvolvido, pois cada etapa era avaliada e melhorada até que recebesse graus positivos. Ao visitarem o parque, pedíamos aos alunos que respondessem um questionário simples, avaliando cada atividade: A – excelente; B – bom; C – médio e D – ruim. Ora, todas as vezes que as atividades recebiam C ou D, havia uma força-tarefa para melhorar ou, se isso não acontecia, a atividade era deletada do programa. Tal procedimento ajudou a construir um programa de qualidade, que precisava ser testado de maneira científica.
Como foi efetuado meu estudo? Uma vez que na cidade mais próxima, Teodoro Sampaio (SP), todos os alunos das escolas já haviam visitado o parque (já estavam, assim, “contamiados” por informações e experiências), foi necessário buscar em Mirante do Paranapanema (SP), na Escola Estadual de Primeiro Grau Joana Costa Rocha, alunos que ainda não conheciam a unidade de conservação.
Isso porque precisávamos de uma turma que não tivesse sido exposta ao programa de educação ambiental que seria testado. A escola que aceitou talvez não soubesse da encrenca que eu estava armando, pois os alunos foram aleatoriamente separados em “Grupo Tratamento” que visitaria o Parque, e “Grupo Controle” que não iria à visita antes da testagem. Por que a escolha precisa ser aleatória? Por exemplo, se existisse 6ª A e 6ª B, e a escolha fosse pela turma toda A ou B, correríamos o risco de ter nossa pesquisa enviesada caso a escola adotasse a metodologia de agrupar os alunos que considerava os “melhores” ou “piores” em turmas separadas na A ou na B. Assim, os estudos científicos optam por escolhas aleatórias, que isentam resultados tendenciosos.
Alunos de 5ª à 8ª séries fizeram parte do estudo. Ao todo, 144 estudantes: 70 no Grupo de Tratamento e 74 no de Controle. Todos os alunos responderam a um questionário antes da visita (pré-teste) e um questionário logo após (pós-teste). A razão de se testar logo em seguida é para as turmas terem pouco tempo de interação e assim evitar trocas de informações que possam influenciar o pós-teste.
Uma vez que eu já estava em ritmo de pesquisa, aproveitei e repeti o teste 40 dias após para averiguar a retenção de informações ou de valores nos dois grupos. Esse passo não teria sido necessário para o mestrado, mas os resultados foram interessantes. Os valores ficaram retidos e até mais aprofundados, enquanto os conhecimentos da turma Tratamento reduziram um pouco com esse pequeno espaço de tempo, mas na comparação ainda mostrou diferença significativa entre os dois grupos. Aliás, a literatura indica que 15 dias já seria o suficiente para aferir o que ficou retido, mas optei por ser mais conservadora e aplicar esse terceiro teste com mais do dobro de tempo após o tratamento (visita ao parque).
Os resultados dos questionários foram transformados em números e colocados em uma planilha para que testes estatísticos pudessem ser efetuados. Orientações de especialistas de como fazer o que são sempre bem-vindas. Tive muita ajuda, pois não sou conhecedora de estatística, mas foi utilizada a Análise de Variância, Anova, que indicou diferenças significativas entre o Grupo Tratamento e o Grupo Controle. Mas as nuances de onde estavam essas diferenças só se tornaram evidentes no Teste Scheffé, que mostrou que entre meninas e meninos e entre os alunos de 7ª e 8ª séries comparados aos de 5ª e 6ª mostravam diferenças significativas. O próprio instrumento de pesquisa, o questionário utilizado, foi avaliado quanto à sua confiabilidade. Importante mencionar que o questionário foi testado antes de sua aplicação para o estudo, de modo a verificar se a linguagem e a formatação estavam próprias para o público-alvo. Com base no que se evidenciou, foram feitas as modificações cabíveis para que se tornasse adequado e eficaz.
Esses procedimentos ajudam a avaliar as respostas obtidas quantitativamente. No entanto, algumas perguntas no questionário eram abertas e elaboradas para mensurar valores e sentimentos. Portanto, o estudo passou a ser quali-quantitativo. Tal procedimento enriqueceu sobremaneira a pesquisa, pois houve espaço para não só mensurar conhecimentos, mas averiguar valores, sentimentos e engajamento ou desejo de envolvimento em ações ligadas à conservação e ao meio ambiente em geral.
Esse foi o estudo que realizei para o meu mestrado que avaliou o programa de educação ambiental implantado no Parque Estadual do Morro do Diabo. Este constava de palestra preparatória e três diferentes trilhas interpretativas, além de uma visita à estação meteorológica que funcionava no parque. Devo confessar que a última era a menos apreciada e a que frequentemente recebia as notas mais baixas, por não ter emoção como entrar na mata da Trilha do Mico-Leão-Preto, onde o visitante conhecia seu habitat e descobria o que precisava para viver. O visitante participava também de jogos elaborados para a Trilha do Arboreto, ou ainda, escalava a subida inesquecível da Trilha do Morro do Diabo, que mesmo difícil, demandante e cansativa, guardava uma emoção imensa para quem chegasse ao seu cume.
O programa ainda contava com sugestões de exercícios pós-visita, que os professores podiam desenvolver em sala de aula com seus alunos. Além disso, nas escolas, por muitos anos, foram realizados eventos que exigiam preparação contínua. Esse é o caso dos Fóruns de Ciências que contavam com apoio e envolvimento dos diretores de escola, pois ali trabalhávamos um tema específico durante o ano todo e seus resultados eram exibidos em uma feira de ciências aberta ao público.
Outra atividade de grande sucesso foi a publicação de calendários com as espécies locais ou sobre a visita ao parque, por exemplo, ilustrados com desenhos dos alunos. De modo a que todas as escolas fossem contempladas nas páginas dos meses em número equivalente, os melhores desenhos de cada escola eram selecionados e um júri externo escolhia quais entrariam na publicação, mas sem saber quem eram os artistas, para que a escolha não fosse tendenciosa. O júri era composto de pessoas da sociedade, como diretor de banco, advogado, médico, entre outros. A forma de atrai-los era sempre chamar a mídia na hora da seleção dos desenhos, o que mostrou ser uma medida eficiente.
Todas as atividades desenvolvidas eram também avaliadas para que pudéssemos melhorar a oferta. Perguntas simples como “o que sugere que a gente mude nos próximos eventos ou programas?”, ou “que nota você dá para essa iniciativa?” com as opções de A a D. Essa medida pode não ser classificada como “científica” por não aplicar testes estatísticos, mas serviram para aprimorar o que estávamos oferecendo.
Importante ressaltar que a pesquisa qualitativa tem um valor inquestionável. Todavia, muitas vezes exige tempo e um cuidado redobrado na interpretação dos dados levantados. A junção da abordagem quantitativa à qualitativa adiciona aspectos de agilidade na aferição dos resultados e traz maior confiabilidade junto a cientistas que não são das áreas sociais, por indicarem de maneira mais precisa diferenças entre grupos e a própria eficácia ou não de uma estratégia analisada.
Resolvi detalhar essa pesquisa, pois retrata as medidas que adotei no meu mestrado. O estudo me ajudou a mostrar que Educação Ambiental é também Ciência, o que me rendeu maior credibilidade junto a pesquisadores de áreas variadas. Realizei outros estudos, inclusive meu doutorado, mas para não me alongar demais, achei por bem focar nesse exemplo. Como tenho orientado um grande número de alunos em Educação Ambiental, são muitas as nuances que eu poderia descrever neste artigo. Destaco apenas o exemplo da Andréa Pupo Bartazini, pesquisadora e educadora ambiental do IPÊ que orientei.
Ela aproveitou um programa que implantou para alunos da região do Sistema Cantareira e comparou os resultados imediatos que havia coletado a cada ano com os conhecimentos e valores que permaneceram, que chama de impacto. Assim, analisa e compara respostas imediatas com o impacto do que ficou após algum tempo.
Espero que esta síntese seja útil e que ajude a trazer mais e mais credibilidade à Educação Ambiental, campo de suma importância para a conservação e a sustentabilidade.
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