Por Suzana Padua
Mestra em educação ambiental e doutora em desenvolvimento sustentável. Co-fundadora e presidente do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas e da Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade (Escas)
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A educação ambiental surgiu para responder a necessidades que emergiram e se tornaram evidentes há décadas. Mas a razão de se precisar de mais uma área na educação se deu por problemas causados pela humanidade. E isso tem se repetido continuamente, chegando a colocar nosso planeta em risco… Talvez não o planeta, mas a sobrevivência de nossa espécie.
Como e por que ocorrem crises e catástrofes que não são originadas no mundo natural? Quais as razões de estarmos elevando a temperatura da Terra, degradando a natureza com a destruição da sua riqueza, a biodiversidade, e dos serviços ambientais que são oferecidos gratuitamente (e talvez por isso pouco valorizados) e dos quais dependemos? Qual a lógica e a forma de vida que nos levaram a chegar a esse ponto?
Desde tempos imemoriais, nossas decisões têm sido baseadas no instinto de sobrevivência e, aos poucos, a racionalidade foi entrando no cenário de nossa evolução. Ambos foram adequados à época em que se desenvolveram e por isso merecem aplausos e críticas apenas para reflexão do que queremos perpetuar e do que desejamos descontinuar. Agora é crucial que tenhamos a coragem de revisitar “certezas” para darmos um salto na qualidade de nossa existência, acrescentando o sentimento, de modo que possamos valorizar a vida. E esse sentimento necessário, a meu ver, se chama “amor”.
Precisamos educar para o amor. E não estou aqui defendendo um amor por algo ou alguém específico, mas, ao contrário, um amor amplo pela vida! A integração de nossa existência com o mundo natural deveria ser o normal, com a valorização de todos os elementos, nos levando ao estado de plenitude por fazermos parte de algo tão grandioso. Mas nosso distanciamento do mundo natural tem nos direcionado a contextos desafiantes e nos colocado em riscos, tanto no que tange à convivência entre grupos distintos como entre nós e a natureza.
Outras culturas não necessariamente agem assim. Segundo uma amiga jurista, Claudia Luna, há um “apagamento” de culturas que pensam de formas diferentes, que ela chama de epistemicídio, ou a invisibilização de outros pensamentos que não sejam aqueles elaborados pela predominância do Norte/Global. Segundo ela, essa é uma das facetas do racismo, que nega acesso e não legitima produções intelectuais negras ou indígenas, entre outras.
O movimento Selvagem, por exemplo, rompe com essa tendência. Junta intelectuais que se aproximaram de culturas indígenas e se apaixonaram pela bagagem de conhecimentos acumulados pelos povos originários do Brasil. Esse contato mais próximo mudou a vida de pessoas “bem resolvidas” profissionalmente, que passaram a se dedicar à compreensão e à divulgação de cosmovisões que vêm fascinando cientistas brasileiros e de todo o mundo, advindos dos conhecimentos e perspectivas indígenas. Selvagem consegue misturar os mundos acadêmico e científico com representantes de populações tradicionais e de quaisquer outras comunidades que somem à diversidade de formas de ver o mundo. Em eventos e publicações, Selvagem divulga cuidadosamente a fascinante gama de concepções de vida que podem servir de lições para o mundo “civilizado”.
Outra visão vem da nossa origem africana, defendida por uma pensadora brasileira, Katiúscia Ribeiro, com o princípio do que é “geruma”. Trata-se de um conceito:
“…pessoa serena que reflete a partir de seu próprio senso vital. Nós, africanos, produzimos uma outra forma de percepção de si, não galgada, não fixada no racional, mas sim um pulsar da nossa consciência que incide pelo coração. O coração é a morada da consciência”.
Em sua linha de pensamento, Katiúscia explica que a lógica platônica dos europeus, calcada na racionalidade, não reconheceu essa forma de ser, de ver o mundo pelo coração, e assim pode afirmar que os africanos eram desprovidos de alma, desculpa utilizada para a escravização que ocorreu durante séculos na história. A perspectiva africana é atravessada pelo sentido – cosmo sensação – que emerge do coração. A autora defende que essa forma de ver o mundo é inclusiva por ser destituída do conceito do sujeito universal, passando a ser pluriversal, quando leva em conta todas as maneiras de pensar o mundo com base no afeto e na subjetividade do sujeito.
Essa visão se afina com o que Ailton Krenak recentemente defendeu sobre a tragédia dos Yanomami, que lastimavelmente assistimos estarrecidos no Brasil. Segundo Krenak, existe um “clube da humanidade” que não atinge a todos e favorece apenas alguns, embora se vanglorie por adotar o vocábulo que soa universal. Quem defende se beneficia dessa concepção, como se adotasse um pensamento “nobre” que contempla a todos. Mas não é o que acontece. Existe uma sub-humanidade que jamais será admitida nesse clube, como as populações indígenas e negras do Brasil e outras observadas no restante do mundo. Assim, as sub-humanidades, como os Yanomami, negros e qualquer outra versão humana que não seja a branca, são alvo constante de violência do aparelho do Estado e de muitos que seguem esse padrão.
O que fazer da educação para mudarmos nossa forma de ver a vida? Quem sabe introduzir culturas diferentes no repertório dos conteúdos oferecidos seja um caminho. Estamos “viciados” em uma visão dominante ocidental, que é a aceita pelo mundo considerado intelectual. Mas são muitas as possibilidades fascinantes que merecem ser exploradas para que possamos ampliar nossa concepção de mundo e, assim, quem sabe escancarar nossa capacidade de amar?
Outro caminho é visitar locais com natureza e com culturas distintas. O primeiro é mais fácil e acessível, pois todas as cidades acabam tendo áreas naturais, mesmo que em proporções pequenas. Como a maioria da população humana atualmente vive em centros urbanos, essa pode ser uma boa dica para despertar o interesse e o fascínio de um ser em formação – e mesmo de adultos, pois como Paulo Freire sempre defendeu, estamos em contínua formação. O importante, nesse caso, é o contato, a observação de detalhes, com aromas, odores e sensações que despertem o amor pela natureza.
Ver de perto pessoas que vivem de maneiras bem distintas à nossa pode ser bastante transformador. O Brasil é rico nesse aspecto, com culturas muito diferentes em regiões por vezes distantes. Mas conta também com regionalismos bem acentuados que desvendam fascinantes histórias de nossas origens. Quem tiver a possibilidade de levar filhos, amigos e estudantes a locais onde a vida não se assemelha à nossa pode enriquecer a forma com que veem o mundo.
O importante é manter um olhar apreciativo e sem julgamentos, para que as formas distintas adotadas pelas pessoas de outras culturas possam ser absorvidas como riquezas. Que a aceitação do diferente seja um primeiro passo. O fascínio pela vida de alguma forma precisa reverberar nos nossos corações e mentes para que tenhamos a chance de darmos um salto em nossa evolução com base no amor à vida.
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